por Carlos Roberto Oliveira
Como pensar a América, mais especificamente os Estados Unidos, de maneira onde a indecência, a decadência, a libertinagem, a depravação e tudo mais se encontram? Bem, pensando assim, é difícil imaginar alguém que realmente faça ou que tenha feito isso na literatura norte-americana, mas houve sim alguém com todas essas características e mais, que soube se utilizar disso de forma engraçada e simples. O escritor em questão pode ser encontrado na figura de Henry Charles Bukowski, ou simplesmente, Charles Bukowski.Biografia libertina
Bukowski, durante sua carreira literária, ficou conhecido como o “velho safado”, pois sua obra realmente começou a ser reconhecida somente depois dos seus 40 anos, e sua escrita revelava personagens marginais, bêbados, fracassados, degenerados, miseráveis, incluindo o próprio Bukowski na figura de seu alter-ego mais famoso, “Henry Chinaski”, de outros alter-egos e até como ele mesmo, nas histórias.
Relatando casos de várias espécies sobre esses personagens, suas histórias revelam o lado mais libertino da América, mas ao mesmo tempo criticam de forma bem humorada os costumes e hábitos dos cidadãos americanos. Alemão, nascido em 1920, foi para os Estados Unidos ainda muito pequeno, em 1923, e viveu toda sua vida lá até 1994, quando morreu aos 73 anos, vitimado por uma leucemia. O status de “velho safado” não é por menos, o escritor realmente viveu uma vida depravada, miserável, marginal e utilizou toda sua vida como inspiração para suas obras literárias. Não poupava nada e nem ninguém em suas histórias sujas, conseguiu muitos problemas e arranjou muitos inimigos também, pois a escrita de Bukowski sempre era inspirada no mundo marginal, libertino, por vezes miserável e até mesmo perigoso, mas sempre contando com a simplicidade, o humor direto e objetivo.
O autor realmente viveu meio marginalizado, cresceu nas ruas dos Estados Unidos, viveu com um pai extremamente autoritário e bêbado, saiu de casa muito jovem, estudou jornalismo, sem se formar e viveu trabalhando em empregos temporários até conseguir ser reconhecido na Literatura. Lembrando-se também que Bukowski era um sujeito feio, que durante sua juventude sofreu com sérios problemas de pele, o que o fez se tornar anti-social e alcoólatra: diz-se que é daí que vem toda a inspiração de suas histórias.
A respeito do alcoolismo do autor, este detalhe não pode passar despercebido, o próprio dizia que depois que ele descobriu o álcool e os livros, tudo ficou um pouco mais tolerável. As histórias realmente são contadas geralmente com o autor envolvido em bebedeiras, farras, todas sempre terminadas de formas violentas e depravadas. Essas características na escrita de Bukowski fizeram-no ficar conhecido como um escritor maldito, por vezes considerado um escritor beatnik honorário, coisa que o próprio autor renegava por não achar que houvesse afinidades com tal grupo. De certo o autor estava correto em não se enquadrar a um grupo literário; sua escrita, de aspecto sensacional e obsceno, desmascara muito da própria literatura americana e seus autores.
Mas a escrita do “velho safado”, o lado libertino e obsceno de contar as coisas, o aproximam muito dos grupos de libertinos do século XVII, mais precisamente aos chamados “libertinos de costumes” como assinala a teórica Elaine Robert de Moraes: “...quando se diz que os libertinos de costumes são personagens do século XVII, isso significa que neste momento um tipo de conduta não só adquire visibilidade social, mas também constitui um grupo reconhecido por características particulares: desafio à moral e à religião, desprezo pelos preconceitos vulgares e prática de atos cruéis...”. Em obras como Mulheres, Misto Quente, Cartas na Rua, entre muitas outras que vão desde o poema ao romance, o autor conserva o mesmo tom irônico, crítico, marginal, que se iguala a qualquer característica libertina.
As Notas de um Velho Safado
Charles Bukowski possui a alcunha de velho safado justamente por descrever em suas narrativas e versos o submundo dos cidadãos norte-americanos, sempre com ironia e cinismo, mas nunca se esquecendo de um bom senso de humor. Escreveu tanto poesia quanto narrativas, sendo que esta última só começou possuir reconhecimento pelo público após seus 40 anos.
Bukowski publicou cerca de 30 livros. Marginal e marginalizado, obsceno, crítico e cínico, sempre alcoolizado, mas sempre engraçado, o escritor, por vezes, foi considerado um escritor beatnik, pelo despojamento formal na escrita, quanto pelo estilo de vida destes. No entanto, podemos relacionar também a literatura bukowskiana com a literatura libertina do século XVII, onde a busca pela liberdade ao extremo, desafia tanto a moral, quanto a religião. Tais autores libertinos, denunciando e também atuando em delitos graves, sempre acompanhados por figuras loucas, marginais, pretendem, dessa forma, denunciar o mundo onde vivem. Assim assinala Eliana Robert Moraes: “diferentes naturezas, diferentes volúpias libertinas”.
Principalmente na coletânea de crônicas Notas de um velho safado, que tem sua 1ª edição datada de 1969, que podemos perceber claramente a aproximação que o autor possui com a libertinagem. O livro é uma série de crônicas que o autor publicou em aproximadamente 14 meses, em um jornal alternativo de Los Angeles. Até mesmo a concepção dos textos possui caráter libertino. As crônicas não apresentam nenhum formalismo acadêmico, não possuem títulos, sendo que umas são separadas das outras apenas por um grande ponto.
O autor sempre está bêbado e nas situações mais absurdas e perigosas. A liberdade para a escrita do Velho Safado é percebida logo no prefácio do livro, onde afirma:
Parecia não existirem pressões: Era só sentar próximo à janela, erguer uma cerveja e deixar que viesse. Tudo que quisesse aparecer, apareceria [...]. Pense nisso você mesmo: liberdade absoluta para escrever qualquer coisa que você quiser” (p. 06).
Mas essa liberdade não estava apenas relacionada à escrita, havia também a vida que não era politicamente correta, as loucuras de bêbados, falando abertamente de bebedeiras, marginais, artistas, assassinatos, política. Uma característica importante no livro é que a linguagem do velho safado sempre termina bem, os personagens oscilam entre o próprio Bukowski, seu alter-ego, Henry Chinaski e outros personagens. Observa o tradutor Pedro Gonzaga, no prefácio do romance “Misto Quente”, obra autobiográfica do autor: os palavrões, a escatologia, os porres homéricos são mentiras que nos convencem da verdade, mentiras que nos fazem acreditar, mentiras que tornam nossas próprias mais suportáveis, mentiras que são base primeira da literatura” (p. 06).
A literatura de Bukowski busca justamente, dizer com simplicidade as coisas mais complicadas da condição humana, em versos como:
“Quando o Amor se transforma num comando, o Ódio pode transformar-se num prazer.”
“Se você não jogar, jamais irá vencer.”
“Pensamentos bonitos e mulheres bonitas jamais perduram.”
“Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de uma maneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil de uma maneira simples” (p. 215-217).
Assim, buscando essa liberdade e simplicidade, o autor faz as coisas difíceis, os momentos duros parecerem mais leves pois, após a leitura, percebemos que há vidas tão corriqueiras como a do próprio leitor.
Referências:
BUKOWSKI, Charles. Misto-Quente. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre: L&PM, 2006.
______. Notas de um velho safado. Tradução de Albino Poli Jr. Porto Alegre: L&PM, 2006.
MORAES, Eliane Robert. Marquês de Sade: um libertino no jardim dos filósofos. São Paulo: Educ, 1992.