11 dezembro 2010

Os impasses do desejo feminino no conto “O leopardo é um animal delicado”


A partir da década de 70, com o movimento feminista, há uma maior participação do universo feminino na literatura, espaço pelo qual a mulher passa a expressar seus desejos, prazeres e sua identidade, quebrando assim o silêncio que a muito tempo lhe era imposto. Bailey (2005) relata que as escritoras brasileiras desde então tentaram desconstruir a imagem idealizada da mulher, como ser frágil e que tem seus desejos contidos, revertendo alguns dos padrões de comportamento típicos da identidade feminina. Dentre os principais nomes se destacam Lispector, Raquel de Queiros, Gilka Machado, Marcia Denser, inclusive Marina Colasanti, autora do conto que será analisado, “O leopardo é um animal delicado”.

Esse conto de Marina Colasanti se caracteriza como erótico por retratar a sexualidade de uma mulher, de modo a apresentar ao leitor a experiência erótica através de um detalhamento dos aspectos sensoriais do corpo, que incitam a personagem e lhe despertam para a busca da satisfação de seu desejo. Dessa forma, nesse conto há a presença da descrição de um corpo erotizado, sendo que Xavier (2007) o define como um corpo que busca constantemente a satisfação do prazer.

Neste conto a personagem se caracteriza inicialmente como uma mulher que vive impasses na sua sexualidade, sendo de certa forma ainda contida, imbricada em amarras sociais, que lhe despertam vergonhas. Isso se evidencia no seguinte fragmento:
Desejou comprar um, um pênis de prata para pendurar, pendurar onde? Perguntou-se sem conseguir imaginar-se com ele pendente da fivela do relógio ou da pulseirinha do tornozelo. Guardar numa gaveta, que desperdício. Ainda assim continuava querendo-o, volto aqui depois, disse para si mesma para contornar o impasse (p. 84).
Nesse sentido, a personagem abre mão do seu desejo, de adquirir um chaveiro em formato de pênis, pois ela não via modo de se mostrar com esse objeto no meio social. Evidenciando, assim, suas vergonhas no que diz respeito aos seus desejos sexuais.

Entretanto, no decorrer da narrativa a personagem vai se mostrando mais ativa na busca pela realização do seu desejo, sendo capaz de ir em uma feira erótica e ter interesse em usufruir o que estava sendo oferecido. Sendo o ápice a sua entrada no Túnel do Amor, que lhe incitou os seus mais remotos desejos sexuais, estando destinada a satisfazê-los, mesmo que para isso fosse necessário um pouco de violência, como pode ser visto nesta passagem:
Ele puxou a sunga para cima com a mão. Ela cravou-lhe as unhas na nádega. Ele urrou ou ela. Ela afundou-lhe os dentes no pescoço. Ele agarrou-lhe os cabelos tentando afastar sua cabeça. Ela meteu-lhe o joelho com força na virilha (p. 89).
Segundo Bataille (2004) a experiência erótica está sempre envolvida por certo grau de violência, como pode ser visto neste trecho do conto, pois a protagonista utiliza da força física contra outra pessoa para conseguir a satisfação sexual.

Verifica-se que Marina Colasanti constrói uma personagem que ao mesmo tempo em que tenta se proteger dos desejos sexuais, ela também se abre para as possibilidades de satisfazê-los. Isso demonstra as vivências paradoxais das mulheres em relação aos seus desejos sexuais, visto que há uma coerção social que se dirige à repressão da sua sexualidade, em paralelo com as exigências sexuais que se apresentam de forma concreta no seu corpo.

Referências:
BAILEY, Cristina Ferreira-Pinto. O corpo e a voz da mulher brasileira na sua literatura: o discurso erótico de Márcia Denser. Disponível em: http://www.cronopios.com.br /site/ensaios.asp?id=128. Acesso em: 10 de nov 2010.

BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.

COLASANTI, Marina. O leopardo é um animal delicado. In:______. (Org.).  O leopardo é um animal delicado. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

XAVIER, Elódia. Que corpo é esse? O corpo no imaginário feminino. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2007.

Tato - Arnaldo Antunes (DVD Nome, 1993)

Por Erli Porto




o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
o pinto duro pulsa forte como um coração / trepar é o melhor remédio pra tesão
um terço é muita penitência pra masturbação / a grávida não tem saudades da menstruação
se não consegue fazer sexo vê televisão / manteiga não se usa apenas pra passar no pão
boceta não é cu mas ambos são palavrão / gozo não significa ejaculação
o tato mais experiente é a palma da mão


o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
depois de ejacular espera por outra ereção / o ânus precisa de mais lubrificação
por mais que se reprima nunca seca a secreção / o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão/ por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração / o pau se aprofunda mais conforme a posição
o tato mais experiente é a palma da mão


o pinto duro pulsa forte como um coração / gozo não significa ejaculação
o ânus precisa de mais lubrificação / por graça por amor por tara ou pra reprodução
ouvido ouve o que deseja e o que não / velocidade se controla com respiração
trepar é o melhor remédio pra tesão / o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão / o olho enxerga o que deseja e o que não
uns comem outros fodem uns cometem outros dão

Segundo Fernandes Jr, na trajetória poética brasileira no século XX e início do século XXI havia uma “articulação de grupo com propósitos comuns” (2007). A partir da década de 1980, os projetos comuns vão perdendo espaço para as pluralidades de tendências, espaços e formas de divulgações fazendo com que a relação entre poesia e técnica empreendesse um caminho de volta à poesia como encontro coletivo. Entretanto, há quem acuse essa nova produção, com suas novas formas de divulgação (TV, CD, Shows, internet...), de promover um esvaziamento de um projeto coletivo.

O escritor Arnaldo Antunes mistura na sua obra música popular, rock, poesia visual e concretista e as artes visuais. A alternância de suportes dá ao poeta a possibilidade de modificações na materialidade do texto, reescrevendo-os, publicando-os nos mais diferentes formatos e interpretando-os o tempo todo. Nas interpretações que Antunes faz da própria poesia, em vídeos de divulgação na internet ou em shows, ocorre uma ressignificação da sua obra, como se houvesse a produção de um novo texto.

Nesse sentido, o poema “Tato”, de Arnaldo Antunes aparece diferente ao leitor quando interpretado pelo seu criador. O tom de voz, a música, a escolha das imagens corporais, de um corpo que se confunde com o plano, preparam a atmosfera para um “olho (que) enxerga o que deseja e o que não”, uma atmosfera que tanto aproxima como intimida o leitor/ouvinte.

Paes (1990) diz que a existência da arte se deve ao fato de que a vida não basta. Isto não significa substituir o real pelo imaginado, mas que a arte, e, portanto a arte erótica, busca a representação de uma das formas da existência humana. Representar significa re-apresentar, tornar presente novamente. Tal re-apresentação torna possível vencer o domínio do tempo, implacável, que destrói todos “os traços do já vivido”. (Paes, 1990, p. 14).

Numa perspectiva fenomenológica, todo objeto é um dado da consciência e a estrutura da consciência é a intencionalidade, ou seja, toda consciência é consciência de algo e algo só é algo para uma consciência (Coelho Júnior, 2002). Nesse sentido, no vídeo em que Antunes narra/canta sua poesia, ele “brinca” com esse aparecer fenomenológico na consciência ao juntar o poema erótico com as imagens de um corpo que não se move estando em movimento pelo uso da câmera que o explora como um olho humano.

Embora o poema descreva partes do corpo responsáveis pelo prazer genital, o narrador chega à conclusão que o “tato mais experiente é a palma da mão”. Quase como um continuum, o prazer começa na visão e audição, mesmo contra a vontade, passando pelo prazer fálico, que pulsa como o coração, portanto involuntário, mais forte que a razão, até a informação que a cura do tesão é o ato de “trepar”. Se considerarmos que tesão seja sinônimo de pulsão resta-nos o “consolo” da masturbação, pois segundo Freud (1916/1996) a fonte originária da pulsão é inesgotável, portanto não haverá penitência que dê conta de uma pulsão sem fim.

A força da pulsão ressurge, no verso 14, com a informação de que o desejo (ou o ouvido?) depois de ejacular espera por outra ereção. A pulsão é o representante psíquico que se origina no corpo e alcança a mente (Freud apud MOURA, 2008), portanto, no poema, todo o corpo, seus sentidos e reentrâncias estão a serviço do desejo.

 Referências:
ANTUNES, Arnaldo. Tato. In: Nome . Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=MR 9IHfMkiqI. Acessado em: 10 dez. 2010.
Outras informações: Ano de lançamento do projeto multimídia - 2006. Estúdio - Sony & BMG.

COELHO JÚNIOR, Nelson Ernesto. Consciência, intencionalidade e intercorporeidade. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X200200
0100010. Acesso em: 08 dez. 2010.

FREUD, Sigmund (1916). Instinto e suas Vicissitudes. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FERNADES JÚNIOR, Antônio. Os entre-lugares do sujeito e a escritura de Arnaldo Antunes. 2007. 158 pág. Tese – Universidade Estadual Paulista. Araraquara (2007). Material impresso.

MOURA, Joviane. Introdução ao conceito de pulsão. Disponível em: http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/introducao-ao-conceito-de-pulsao
Acessado em: 08 dez. 2010.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

A pornografia em “A especialidade de Liló”, de Hilda Hilst



Por Flaviane Tereza, Júlia Graciele, 
Kívia Alves e Marília Nunes 

De acordo com a fala da crítica literária Eliane Robert de Moraes (2004) não há necessariamente uma diferenciação entre o erótico e o pornográfico, porém o senso comum julga o primeiro como aquilo que apenas sugere e o segundo como aquilo que mostra tudo. Se considerássemos essa distinção, o fragmento “A especialidade de Liló”, de Hilda Hilst é então mais pornográfico que erótico, pois descreve a ato sexual de maneira bem explícita, até mesmo a preparação e a expectativa da platéia são narradas pela escritora. 


Porém, a palestrante Eliane Robert problematiza essa diferenciação, pois é possível que tenhamos uma pornografia da “coisa” mais velada ou mais escancarada, assim como também podemos ter uma produção da arte erótica mais velada ou mais escancarada. Portanto, seria difícil definir o texto em erótico ou pornográfico.


Ao contrário da obra de Sade, o conto em questão não apresenta filosofia, mas é de uma linguagem obscena, e a base moralista a supõe feia e suja, porque traz a visão e a descrição do sexo. É importante observar também que o local dos acontecimentos é distante trinta quilômetros da cidade, em um bordel, ou seja, um lugar que pertence à zona de tolerância e que por isso toda essa orgia é permitida. Zona de tolerância representa os lugares em que o discurso sobre o sexo ou até mesmo o ato em si, não ofendem a ordem social e na maioria das vezes têm fins lucrativos como, por exemplo, as locadoras, as revistas ou as casas de prostituição. A sociedade então tolera que a sexualidade mais baixa fique confinada nesses lugares.


O conto apresenta tratamento chulo da sexualidade, dando ênfase nas práticas orais, através das quais muitos expectadores se excitam também. Como se fosse um ritual, depois que tudo estava preparado como gostava Liló, o protagonista do conto, ele então atuava de uma maneira exibicionista, pois adorava que todos o observassem e o admirassem enquanto lambia a moça, até satisfazê-la. E quando terminava, o prazer era geral, ou seja, todos os que estavam no bordel se excitavam e gozavam também.


Ainda segundo a palestrante Eliane Robert, a pornografia, para alguns historiadores é um fenômeno de mercado e a nossa cultura teme a ligação entre sexo e saber já que alguns tipos de pornografia propõem conhecimento. E que os conceitos de erótico e pornográfico variam muito de acordo com as épocas. Ela ainda cita Aretino, para o qual o mistério do mundo se oculta no meio das pernas, e a pornografia só escandalizaria quando desobedece as regras sociais.

Referências:
MORAES, Eliane R. A pornografia: palestra proferida no Café Filosófico CPFL, exibido pela TV Cultura, em 2004. Cultura Marcas, 1 dvd, 55 min.
HILST, Hilda. A especialidade de Liló (de Contos D`Escárnio/Textos Grotescos). In: COSTA, Flávio Moreira da. (Org.). As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. (100 melhores).


Fios Desencapados

Capa
Dois poemas de Ulysses Rocha Filho
O autor em noite de lançamento


FIOS DESENCAPADOS


Bafejada na nuca
Sussurro na orelha
Língua no peito
Tato no tato
Tentáculos no dorso
Encaixe da vida:
o fios desencapados!

o fios desencapados
No café da manhã
No descanso do almoç
o
No encontro da tarde
E no descanso(?) Da noite!

Mas sã
o possibilidades mil:
Língua na nuca
Sussurro na orelha
Tentáculos no peito
Encaixe no tato
Bafejada no dorso
Tato da vida:
sempre, fios desencapados!

SEM SUAR


Nem vai doer
Se nã
o gritar
se nã
o dizer não
se aguentar tudo
e pedir bis!

o vai ser fim
Nem começ
o:
será durante!

Sem sal
Com sal
Insosso
Mas real:
com amor
(e tesã
o, por que não?).

o vai ser fim
Nem começ
o:
será durante!

Nem vai doer
Se nã
o gritar
se nã
o dizer não
se aguentar tudo
e pedir bis!

Prazer em ser
Ter prazer sendo
O que ausente
o foi ou era!
Nem veio pra ficar
Sem ou com sal
Mas 
para suar:
num sensual suor!