A
partir da década de 70, com o movimento feminista, há uma maior participação do
universo feminino na literatura, espaço pelo qual a mulher passa a expressar
seus desejos, prazeres e sua identidade, quebrando assim o silêncio que a muito
tempo lhe era imposto. Bailey (2005) relata que as escritoras brasileiras desde
então tentaram desconstruir a imagem idealizada da mulher, como ser frágil e
que tem seus desejos contidos, revertendo alguns dos padrões de comportamento típicos
da identidade feminina. Dentre os principais nomes se destacam Lispector,
Raquel de Queiros, Gilka Machado, Marcia Denser, inclusive Marina Colasanti,
autora do conto que será analisado, “O leopardo é um animal delicado”.
Esse
conto de Marina Colasanti se caracteriza como erótico por retratar a sexualidade
de uma mulher, de modo a apresentar ao leitor a experiência erótica através de
um detalhamento dos aspectos sensoriais do corpo, que incitam a personagem e
lhe despertam para a busca da satisfação de seu desejo. Dessa forma, nesse
conto há a presença da descrição de um corpo erotizado, sendo que Xavier (2007)
o define como um corpo que busca constantemente a satisfação do prazer.
Neste
conto a personagem se caracteriza inicialmente como uma mulher que vive
impasses na sua sexualidade, sendo de certa forma ainda contida, imbricada em
amarras sociais, que lhe despertam vergonhas. Isso se evidencia no seguinte
fragmento:
Desejou comprar um, um pênis de prata para pendurar, pendurar onde? Perguntou-se sem conseguir imaginar-se com ele pendente da fivela do relógio ou da pulseirinha do tornozelo. Guardar numa gaveta, que desperdício. Ainda assim continuava querendo-o, volto aqui depois, disse para si mesma para contornar o impasse (p. 84).
Nesse
sentido, a personagem abre mão do seu desejo, de adquirir um chaveiro em
formato de pênis, pois ela não via modo de se mostrar com esse objeto no meio
social. Evidenciando, assim, suas vergonhas no que diz respeito aos seus
desejos sexuais.
Entretanto,
no decorrer da narrativa a personagem vai se mostrando mais ativa na busca pela
realização do seu desejo, sendo capaz de ir em uma feira erótica e ter
interesse em usufruir o que estava sendo oferecido. Sendo o ápice a sua entrada
no Túnel do Amor, que lhe incitou os seus mais remotos desejos sexuais, estando
destinada a satisfazê-los, mesmo que para isso fosse necessário um pouco de
violência, como pode ser visto nesta passagem:
Ele puxou a sunga para cima com a mão. Ela cravou-lhe as unhas na nádega. Ele urrou ou ela. Ela afundou-lhe os dentes no pescoço. Ele agarrou-lhe os cabelos tentando afastar sua cabeça. Ela meteu-lhe o joelho com força na virilha (p. 89).
Segundo
Bataille (2004) a experiência erótica está sempre envolvida por certo grau de
violência, como pode ser visto neste trecho do conto, pois a protagonista
utiliza da força física contra outra pessoa para conseguir a satisfação sexual.
Verifica-se
que Marina Colasanti constrói uma personagem que ao mesmo tempo em que tenta se
proteger dos desejos sexuais, ela também se abre para as possibilidades de satisfazê-los.
Isso demonstra as vivências paradoxais das mulheres em relação aos seus desejos
sexuais, visto que há uma coerção social que se dirige à repressão da sua
sexualidade, em paralelo com as exigências sexuais que se apresentam de forma
concreta no seu corpo.
Referências:
BAILEY, Cristina
Ferreira-Pinto. O corpo e a voz da mulher brasileira na sua literatura: o
discurso erótico de Márcia Denser. Disponível em: http://www.cronopios.com.br
/site/ensaios.asp?id=128. Acesso
em: 10 de nov 2010.
BATAILLE,
Georges. O erotismo. São Paulo: Arx,
2004.
COLASANTI, Marina. O leopardo é um
animal delicado. In:______.
(Org.). O leopardo é um animal delicado. Rio de
Janeiro: Rocco, 1998.
XAVIER,
Elódia. Que corpo é esse? O corpo no
imaginário feminino. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2007.