Ilustração de Giulio Romano em I modi |
Por Clayre Cardoso,
Poliana Silva
e Raquel Martins
Na
literatura encontram-se muitos autores que através de seus textos eróticos
proporcionam o gozo ou a catarsis em
seus leitores, pois, de uma forma excitada e excitante produzem literatura
erótica, tendo como temática o erótico, o sexo, o prazer, o corpo.
Além
de ser um tema complicado, a resposta do mesmo à sociedade depende também da
época, das particularidades do escritor, das características da cultura em que
foi elaborada, pois antes de ser literatura, o texto erótico passa por uma
adaptação ao contexto cultural e, sempre que se fala em erotismo, tem-se a
idéia de algo promíscuo, de orgia, de desvio de costumes religiosos. Há também
a dificuldade de discernimento entre o erotismo e a pornografia, levando em
conta a linguagem libertina, lasciva dos escritores.
Este
trabalho tem por finalidade analisar o texto Sonetos Luxuriosos, de Pietro Aretino, com tradução de José Paulo
Paes, tendo como embasamento teórico os textos de George Bataille (1987);
Otavio Paz (1994); Lucia Castello Branco (2004); Flávio Moreira da Costa (2003)
e José Paulo Paes (1990).
Um
conceito que se faz confundir com erotismo é o de pornografia, que parece
consistir na pura descrição dos prazeres carnais. O erotismo tem essa mesma
descrição, porém valoriza a idéia de amor e de vida social com outro foco. Uma
das distinções mais habituais que se faz entre esses dois conceitos consiste em
enfatizar o conteúdo nobre e grandioso do erotismo em oposição ao caráter
grosseiro e vulgar da pornografia, ambos são estrelados pela imagem do corpo.
O
corpo era visto como algo pessoal, revelado somente na intimidade, mas os conceitos
mudam de acordo com as épocas e os lugares. Segundo Octávio Paz (1994, p. 143-144): “A modernidade dessacralizou o corpo e a
publicidade o usou como um instrumento de propaganda. Todos os dias a televisão
nos apresenta belos corpos seminus para anunciar uma marca de cerveja, um móvel
(...). O erotismo transformou-se num departamento da indústria da publicidade e
num ramo do comércio”.
Já
Lúcia Castello Branco afirma que o erotismo e a pornografia se dividem em três
possibilidades, sendo que, a última diz respeito ao sentido comercial da
pornografia e o sentido não-utilitário do prazer no erotismo: “ao contrário do
erotismo, que corresponde a uma modalidade não-utilitária de prazer porque
propõe a satisfação e o gozo como fins em si, a pornografia estaria vinculada a
outros objetivos. Nela o prazer depende do pacto com a ideologia que a mesma
veicula” (Castello Branco, 2004a,
p. 24).
À
luz de todas as teorias, pode-se afirmar que o erotismo é um fenômeno poderoso,
na medida em que caminha na união dos seres, à sua imersão na origem na ordem
natural do universo. A pornografia, ao contrário, insiste na mutilação dos
seres, no gozo parcial e solitário, e na superexposição do corpo com o intuito
de despertar desejo sexual no observador.
Diante
dessa pequena exposição de erotismo e pornografia, considerar-se-á a passagem dos
mesmos nos Sonetos Luxuriosos de Aretino,
que contenham passagens explicitas ou implícitas, mas que remetam a noção de
desejo e sexualidade, ligados direta ou indiretamente ao tema exposto.
Alguns poemas são compostos por diálogos
de amantes em pleno ato sexual. Revelam uma mudança do status das práticas sexuais: a sodomia se desloca da relação do
homem adulto com o efebo (como na Grécia) ou com o alumnus (o jovem escravo romano)
para a relação conjugal; a mulher, ou melhor, a cortesã ganha lugar de
protagonista – e ambos, homem e mulher, compõem uma micro-sociedade.
Um fato importante, segundo o site www.revistadacultura.com.br,
é que os Sonetos Luxuriosos foram
editados numa série de gravuras de Marcantonio Raimondi a partir de desenhos
feitos por Giulio Romano, em 1524. O conjunto, que ficou conhecido como I modi (é o livro que contém os mesmos
sonetos traduzidos de Sonetos Luxuriosos),
representa 16 posições amorosas e pode ser considerado
o marco inaugural da pornografia.
O
italiano Pietro Aretino escreve de forma irônica e provocativa. Estes são
sonetos que causam escândalo pelo teor de seu vocabulário marcado por
expressões eróticas e pornográficas. Para
classificar um texto quanto a sua característica, sexual, pornográfica ou
erótica, é preciso observar as escolhas lexicais do autor ou tradutor, estas
que podem revelar o espírito libertino e obsceno do soneto.
Os
sonetos narram e ilustram, através de versos descritivos, um homem a possuir
uma mulher, narrativa esta que expõe a nudez de ambos traçando seus sexos em
uma perfeita harmonia. Para dar uma maior ilustração do ato sexual representado,
o narrador usa o recurso da repetição de palavras como cona, trepar, cu,
caralho, boceta, foder, brutal, pau.
O
sexo é materialmente apresentado pelo soneto, tendo o desejo do “caralho” como
motivo original inspirador na realização de seu desejo carnal pela “cona” e
pelo “cu”. A expressão dessa materialidade surge na dimensão de sentidos, sendo
eles: visão: “vede como nos braços a levanta”; tato: “Põe-me o dedo no cú”; manifestação
de alegria: “o caralho nos dá tanta alegria”. O trajeto da materialidade do
caralho é explicito, visto que este não se restringe a ser humilde, incluindo
também a sua crueldade.
Nos
sonetos, a vagina e o ânus são órgãos vitais, começo e fim do processo sexual,
que mantém o homem vivo. Sem eles, não há satisfação do corpo masculino, não há
prazer nem beleza. A imagem, numa menção evidente ao
corpo quanto por metáfora, redunda na experiência do erotismo como pulsão para
o outro, compartilhamento de corpos e de sentidos, e funda um jogo complexo em
que as idéias de gozar, entrar e sair, circulam, levando à constatação de que é
entre os corpos que o desejo se consuma.
A
condição material do corpo, nesse soneto, é dotada de certa animalidade, pela
forma grosseira que é tratado o ato sexual, porém vista pelo universo erótico a
sexualidade surge na condição de prazer.
Segundo José Paulo Paes (1990, p. 20) estes sonetos são um
marco histórico, não deixando de ser exacerbado pelo fato de mostrar a mulher
na figura de uma prostituta, e também por usar ao longo dos textos expressões
consideradas palavrões, este que é considerado um linguajar pouco circulável.
Esse estilo de soneto, geralmente, é encarado por conservadores
e alguns críticos como textos de teor pornográfico e sacana. Pode-se destacar
que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo extrapola
este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de corpos se
embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a
finalidade de “atingir o íntimo do ser aonde o coração nos falta” (Bataille, 1987).
Para finalizar, Paz diz que “não há amor sem erotismo como
não há erotismo sem sexualidade. Mas a cadeia se rompe em sentido contrário:
amor sem erotismo não é amor e erotismo sem sexo é impensável e impossível” (p.
97).
Referências:
BATAILLE,
George. O Erotismo. Porto Alegre:
L&PM, 1987.
CASTELLO
Branco, Lucia. O que é erotismo. São
Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos, 136).
COSTA,
Flávio Moreira da. As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003.
PAES,
José Paulo. Poesia erótica em tradução.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
PAZ,
Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução:
Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
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