29 novembro 2010

Erotismo: O Corpo Manifesto nos Sonetos de Aretino


Ilustração de Giulio Romano em I modi
Por Clayre Cardoso, 
Poliana Silva 
e Raquel Martins 


Na literatura encontram-se muitos autores que através de seus textos eróticos proporcionam o gozo ou a catarsis em seus leitores, pois, de uma forma excitada e excitante produzem literatura erótica, tendo como temática o erótico, o sexo, o prazer, o corpo.

Além de ser um tema complicado, a resposta do mesmo à sociedade depende também da época, das particularidades do escritor, das características da cultura em que foi elaborada, pois antes de ser literatura, o texto erótico passa por uma adaptação ao contexto cultural e, sempre que se fala em erotismo, tem-se a idéia de algo promíscuo, de orgia, de desvio de costumes religiosos. Há também a dificuldade de discernimento entre o erotismo e a pornografia, levando em conta a linguagem libertina, lasciva dos escritores.

Este trabalho tem por finalidade analisar o texto Sonetos Luxuriosos, de Pietro Aretino, com tradução de José Paulo Paes, tendo como embasamento teórico os textos de George Bataille (1987); Otavio Paz (1994); Lucia Castello Branco (2004); Flávio Moreira da Costa (2003) e José Paulo Paes (1990).

Um conceito que se faz confundir com erotismo é o de pornografia, que parece consistir na pura descrição dos prazeres carnais. O erotismo tem essa mesma descrição, porém valoriza a idéia de amor e de vida social com outro foco. Uma das distinções mais habituais que se faz entre esses dois conceitos consiste em enfatizar o conteúdo nobre e grandioso do erotismo em oposição ao caráter grosseiro e vulgar da pornografia, ambos são estrelados pela imagem do corpo.
O corpo era visto como algo pessoal, revelado somente na intimidade, mas os conceitos mudam de acordo com as épocas e os lugares. Segundo Octávio Paz (1994, p. 143-144): “A modernidade dessacralizou o corpo e a publicidade o usou como um instrumento de propaganda. Todos os dias a televisão nos apresenta belos corpos seminus para anunciar uma marca de cerveja, um móvel (...). O erotismo transformou-se num departamento da indústria da publicidade e num ramo do comércio”.

Já Lúcia Castello Branco afirma que o erotismo e a pornografia se dividem em três possibilidades, sendo que, a última diz respeito ao sentido comercial da pornografia e o sentido não-utilitário do prazer no erotismo: “ao contrário do erotismo, que corresponde a uma modalidade não-utilitária de prazer porque propõe a satisfação e o gozo como fins em si, a pornografia estaria vinculada a outros objetivos. Nela o prazer depende do pacto com a ideologia que a mesma veicula” (Castello Branco, 2004a, p. 24).

À luz de todas as teorias, pode-se afirmar que o erotismo é um fenômeno poderoso, na medida em que caminha na união dos seres, à sua imersão na origem na ordem natural do universo. A pornografia, ao contrário, insiste na mutilação dos seres, no gozo parcial e solitário, e na superexposição do corpo com o intuito de despertar desejo sexual no observador.                   
Diante dessa pequena exposição de erotismo e pornografia, considerar-se-á a passagem dos mesmos nos Sonetos Luxuriosos de Aretino, que contenham passagens explicitas ou implícitas, mas que remetam a noção de desejo e sexualidade, ligados direta ou indiretamente ao tema exposto.

Alguns poemas são compostos por diálogos de amantes em pleno ato sexual. Revelam uma mudança do status das práticas sexuais: a sodomia se desloca da relação do homem adul­to com o efebo (como na Grécia) ou com o alumnus (o jovem escravo ro­ma­no) para a relação conjugal; a mulher, ou melhor, a cortesã ganha lu­gar de protagonista – e ambos, homem e mulher, compõem uma micro-sociedade.

Um fato importante, segundo o site www.revistadacultura.com.br, é que os Sonetos Luxuriosos foram editados numa série de gravuras de Marcantonio Raimondi a partir de desenhos feitos por Giulio Romano, em 1524. O conjunto, que ficou conhecido como I modi (é o livro que contém os mesmos sonetos traduzidos de Sonetos Luxuriosos), representa 16 posições amorosas e pode ser considerado o marco inaugural da pornografia.

O italiano Pietro Aretino escreve de forma irônica e provocativa. Estes são sonetos que causam escândalo pelo teor de seu vocabulário marcado por expressões eróticas e pornográficas. Para classificar um texto quanto a sua característica, sexual, pornográfica ou erótica, é preciso observar as escolhas lexicais do autor ou tradutor, estas que podem revelar o espírito libertino e obsceno do soneto.

Os sonetos narram e ilustram, através de versos descritivos, um homem a possuir uma mulher, narrativa esta que expõe a nudez de ambos traçando seus sexos em uma perfeita harmonia. Para dar uma maior ilustração do ato sexual representado, o narrador usa o recurso da repetição de palavras como cona, trepar, cu, caralho, boceta, foder, brutal, pau.

O sexo é materialmente apresentado pelo soneto, tendo o desejo do “caralho” como motivo original inspirador na realização de seu desejo carnal pela “cona” e pelo “cu”. A expressão dessa materialidade surge na dimensão de sentidos, sendo eles: visão: “vede como nos braços a levanta”; tato: “Põe-me o dedo no cú”; manifestação de alegria: “o caralho nos dá tanta alegria”. O trajeto da materialidade do caralho é explicito, visto que este não se restringe a ser humilde, incluindo também a sua crueldade.

Nos sonetos, a vagina e o ânus são órgãos vitais, começo e fim do processo sexual, que mantém o homem vivo. Sem eles, não há satisfação do corpo masculino, não há prazer nem beleza. A imagem, numa menção evidente ao corpo quanto por metáfora, redunda na experiência do erotismo como pulsão para o outro, compartilhamento de corpos e de sentidos, e funda um jogo complexo em que as idéias de gozar, entrar e sair, circulam, levando à constatação de que é entre os corpos que o desejo se consuma.

A condição material do corpo, nesse soneto, é dotada de certa animalidade, pela forma grosseira que é tratado o ato sexual, porém vista pelo universo erótico a sexualidade surge na condição de prazer.

Segundo José Paulo Paes (1990, p. 20) estes sonetos são um marco histórico, não deixando de ser exacerbado pelo fato de mostrar a mulher na figura de uma prostituta, e também por usar ao longo dos textos expressões consideradas palavrões, este que é considerado um linguajar pouco circulável.

Esse estilo de soneto, geralmente, é encarado por conservadores e alguns críticos como textos de teor pornográfico e sacana. Pode-se destacar que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo extrapola este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de corpos se embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a finalidade de “atingir o íntimo do ser aonde o coração nos falta” (Bataille, 1987).

Para finalizar, Paz diz que “não há amor sem erotismo como não há erotismo sem sexualidade. Mas a cadeia se rompe em sentido contrário: amor sem erotismo não é amor e erotismo sem sexo é impensável e impossível” (p. 97).

Referências:
BATAILLE, George. O Erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CASTELLO Branco, Lucia. O que é erotismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos, 136).
COSTA, Flávio Moreira da.  As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
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