Por Lana Gláucia, Eliane Canedo e Roberta Ferreira
“O prazer da dor” é um fragmento de A Vênus das Peles (1870), romance
mais conhecido de Leopold Von Sacher-Masoch, no qual o autor aborda com ousadia e coragem a
história do relacionamento do casal Severin e Wanda; ambos adotam práticas
sexuais baseadas no sofrimento físico e até moral.
Os personagens, nessa relação amorosa, desde o início
parecem ter seus papéis invertidos do que se diz de uma sexualidade “normal”,
pois logo no início Séverin é quem acompanha a mulher na compra de um chicote,
e se coloca sempre atrás na caminhada e fica à margem dela nessas primeiras
descrições. Nesse momento, parece ser dela o “desvio” que ainda não se sabe
qual. Quem narra a história é Séverin que ao reproduzir a quarta fala de Wanda,
ainda nos leva a pensar que Wanda é protagonista e idealizadora das atitudes
perversas, pois se diz fascinada pela aparência do amado, um homem sério, e se
mostra excitada em ver “...o homem mais sério do mundo inteiramente
dedicado...” a ela.
Wanda diz a Séverin que ele acorda suas disposições
perigosas, que ele consegue retratar a busca do prazer, a crueldade e a
presunção e torná-las atraente. Questiona sobre o que ele diria se ela entrasse
nesse jogo.
Ele, de pronto, servilmente aceita e reafirma seu desejo de se
tornar escravo dela e de lhe pertencer, ser dependente da vontade dela. Nesse
ponto, já se pode notar a inversão que se dá dos papéis na relação erótica
descrita por Bataille (2004), no princípio de violência e violação (Paes, 1990) a
parte passiva e violada, que normalmente é a figura feminina, nesse caso é a
masculina, nisso se percebe uma irregularidade com relação às práticas sexuais
ditas “normais”.
No entanto, mesmo com essa colocação da mulher como
ativa nas práticas sexuais, não é seu desejo que aí governa, pois no decorrer
do conto aparece a resignação de Wanda diante do desejo de Séverin de ser seu
escravo, ela aceita fazê-lo e no jogo sexual, ao açoitá-lo, ainda se preocupa
em tê-lo ferido, ao que Séverin responde que não: “...e quando acontecer, o
sofrimento que você me inflige é para mim um deleite”. Wanda revela que isso
não lhe dá prazer e diz que é por ser forçada, ao que ele diz para que ela o
maltrate, que ele a ama mais que a si mesmo e que lhe pertence na vida e na
morte. Wanda sente desejos de vê-lo sofrer, gemer até que peça piedade. O que
se coloca é algo como uma maquiagem, pois nos faz pensar primeiramente que é a
mulher quem fala, que é ela quem tem o poder na relação, no entanto é desejo de
Séverin se sujeitar ao desejo dela, é o seu desejo que fala mais alto.
A chegada de uma amiga de Wanda causa apreensão em
Séverin, medo de perder Wanda, de não ser mais amado, essa amiga traz
pensamentos à Wanda de segui-la e ir viver na capital longe de Séverin, que não
é “encantador” como os pretendentes que ela poderia encontrar. Essa influência
se reflete quando Wanda diz: “é, ela tem razão, você não é um homem, você é um
espírito romanesco, um adorador encantador, e você seria com certeza um escravo
sem preço, mas não posso imaginá-lo no papel de um marido”, essa afirmação faz
Séverin tremer. Logo, Wanda coloca possibilidade de se relacionar com outros
homens, pois acredita que a visão de amor transcendental só é dada às
“cortesãs”, e não a uma esposa inteiramente devotada. Isso se afirma em
Bataille (2004) que diz que não há erotismo passional e sim libertino como na
contraposição da figura da prostituta à da mulher de “bem” que descobre, antes
naquela do que nesta, à luz de uma razão puramente erótica, a plenitude do
feminino (Paes, 1990).
Séverin revela que apesar do seu eminente sofrimento,
vê um certo encantamento nessa situação, mas que Wanda tivesse “a grandeza
demoníaca” de dizer: “só amarei você, mas tornarei feliz quem eu quiser”.
Séverin quer ser escravo, suportar tudo de Wanda, para não perdê-la e só como
escravo conseguiria suportar que outros homens a amassem. Antes de tudo é
nítida a vontade de Séverin de sofrer de todas as formas, até de aceitar o
deleite de outros homens com sua mulher.
Para que Séverin se tornasse realmente escravo de
Wanda, pensaram em mudar para um país onde a escravidão fosse aceita. Fica
evidente o limite ao qual levam essa relação para a manutenção do prazer de
Séverin que em certo ponto começa a encantar Wanda também, e ela por gostar,
aceita até essa atitude extremada. O foco
parafílico do Masoquismo Sexual envolve o ato de ser humilhado, espancado,
atado ou de outra forma submetido a sofrimento, ou usar
de mecanismos que alimentem esse seu desejo.[1] O desejo
de Séverin de ter Wanda como sua carrasca começa a colocá-la numa outra
constituição perversa, a sádica, que envolve
atos nos quais o indivíduo deriva a excitação sexual do sofrimento psicológico
ou físico (incluindo humilhação) da vítima.[2]
No
entanto, o que se tem estudado é que essa relação sado-masoquista não funciona,
visto que o prazer do sádico é o sofrimento do outro, e é notável que Wanda
começa a gostar de ver o sofrimento de Séverin, no entanto esse sofrimento é na
verdade prazer, logo, Séverin anularia a disposição sádica em Wanda, o que põem
em risco essa relação.
Referências:
BATAILLE, Georges. O
erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
PAES, José Paulo. Poesia
erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SACHER-MASOCH, Leopold Von. O prazer da dor. In: COSTA,
Flávio Moreira da. As 100 melhores
histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
Um comentário:
Nesse texto podemos perceber que ele aciona não só a ligação física,mas a psicológica também, temos os papéis invertidos, o homem é submisso e se satisfaz através da dor e da submissão, e o termo "masoquista" até então não existia, ele é produto dessa obra criado por Masoch.
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