30 novembro 2008

Poesia erótica versus poesia amorosa



por Rogelina Ferreira Machado


Na poesia erótica há uma intensa exposição do corpo humano. Freqüentemente, braços, peitos, coxas, pernas, nádegas e os órgãos genitais masculinos e femininos saltam aos olhos dos leitor. Portanto, na poesia erótica tem-se a apresentação da carnalidade, do aspecto físico e sexual das relações afetivas humanas.

Tradicionalmente, na poesia erótica cujo eu-lírico encarna um homem, é retratado o gozo e o prazer masculinos. Nestes poemas, a mulher pode ser vista apenas como um objeto de fazer sexo e a voz masculina presente no poema não leva os seus sentimentos em consideração. Mas, contemporaneamente, a poesia erótica também passou a ser escrita por mulheres, o que não era comum. Estas mulheres falam em seus poemas sobre os corpos, as relações sexuais e sobre a sua própria satisfação sexual, a entrega dos seus corpos para um homem viril que seja capaz de satisfazê-las sexual e afetivamente.

Lendo um poema erótico de voz masculina:

Era intenso o calor, passava do meio-dia;
Estava eu em minha cama repousando.
[...] Eis que vem Corina numa túnica ligeira,
Os cabelos lhe ocultando o alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semíramis,
Dizem, e Laís que amaram tantos homens.
Tirei-lhe a única; de tão tênue mal contava:
Ela lutou todavia por cobrir-se
Com a túnica, mas sem empenho de vencer:
Venceu-a, sem mágoa, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa, ali diante dos meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo abaixo do peito!
Que primor de ancas, que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi não louvável,
E lhe estreitei a nudez contra o meu corpo.
O resto, quem não sabe? Exaustos, repousamos.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos!
Ovídio

Lendo um poema erótico de voz feminina:

Diria que amor não posso
dar-te de nome, arredia
é o que chamas de posse
à obsessão que te mostra
ao vale das minhas coxas
e maior é o apetite
com que te morde as entranhas
este fruto que se abre
e ele sim é que te come,
que te como por inteiro
mesmo não sendo repasto
o fruto teu que degluto,
que de semente me serve
à poesia.
Olga Savary


Na poesia amorosa acontece o contrário da poesia erótica, nela tem-se a ausência da carnalidade, dos corpos nus e das relações sexuais. Na poesia amorosa são ressaltados os sentimentos de amor, de paixão, apesar das suas falhas. Nesta poesia, na maioria das vezes, o objeto amado, seja homem ou mulher, é visto como um ser idealizado.

Lendo um poema amoroso:

Se for possível, manda-me dizer:
_ É lua cheia. A casa está vazia _
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
_ É lua nova _
E revestida de luz volto a ver.
Hilda Hilst

Referências:

BATAILLE, Georges. O erotismo. Tradução de Cláudia Fares. São Paulo: Arx, 2004.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito legal o trabalho de voces! parabéns pela forma clara de escrever e, pela sensibilidade literária.Erick Marcus