por Juliana Cristina Gonçalves
Todos nós certamente já ouvimos pelo menos uma vez na vida o termo Sadismo. Este termo foi primeiramente usado pelo psiquiatra Krafft-Ebing, sexólogo do século XIX, e foi inspirado no nome do aristocrata francês Donatien Alphonse Françóis ou O marquês de Sade (Paris, 2 de junho de 1740 – Saint-Maurice, 2 de dezembro de 1814) e designa o prazer sexual em infligir dor física ou moral a outrem. Criado pelo Abade de Sade, um tio seu, Donatien, em sua vida adulta, tornou-se adepto da libertinagem, levando uma vida desregrada e imoral e passando por isso grande parte de sua vida na prisão. Preso pela primeira vez em 1788, permaneceu dessa forma por 27 anos, sendo seu último cárcere o hospício de Charenton. A prisão teve grande importância na prosa sadiana, pois foi neste período que começou a escrever, tornando-se a partir daí uma das figuras mais polêmicas da história da literatura universal. O principal tema das obras sadianas, em plena revolução francesa, foi a libertação do indivíduo pela corrupção dos costumes. Segundo Elaine Robert Moraes em seu livro Lições de Sade, Sade foi um escritor que por toda sua vida dedicou-se com rigor e paixão a provar que a liberdade humana só se realiza no mal. Desta forma, foi considerado em sua época um escritor maldito e sua obra foi enquadrada em um estilo literário concebido no século XVI: a literatura libertina, um estilo onde os escritores aliavam o maior grau de egoísmo ao máximo de prazer e crueldade. O marquês buscava a todo custo revelar a verdade sobre o homem e o que ele mais percebeu na natureza humana foi o egoísmo e a maldade.
Otávio Paz, em um estudo que faz da obra de Sade, reconhece neste um libertino ateu que cedia à natureza o lugar de Deus. Para Sade "as virtudes calcadas na moral religiosa, são contra a natureza humana, impedindo-nos de sermos felizes", desta forma, defendendo que durante o ato sexual tudo era permitido para chegar ao gozo, encontra na crueldade com o outro a maior fonte do prazer. Elegendo para protagonizar suas obras a figura do libertino, faz apologias ao crime e ao mal. Incrédulo e totalmente contra o clero da época, denunciava também em suas produções os atos nefandos de freiras, bispos, padres depravados procurando enfatizar de um lado a crítica à moral e aos costumes (principalmente os de origem cristã) e do outro a convicção de que o prazer, esse sentimento negado aos eclesiásticos, não é apenas uma necessidade biológica, mas também a fonte da felicidade.
Uma de suas maiores obras, Os 120 dias de Sodoma narram seiscentas perversões sexuais, um catálogo de práticas e inclinações estranhas ou ferozes. Para Paz, o mais assombroso da obra sadiana não são as inúmeras descrições sexuais perversas e sim o fato de Sade tê-las imaginado na solidão de suas celas. Justine é outra grandiosa obra de Sade.
A seguir veremos resumidamente um trecho desta obra intitulado “De monges e virgens”. Neste episódio, Sophie é uma jovem que como suas companheiras foram raptadas e enclausuradas em uma torre onde tinham que atender forçosamente a todos os desejos perversos dos monges libertinos. Segundo a vítima, essas jovens eram trocadas por outras após certo período e não se sabia ao certo onde as substituídas iam parar; esta suspeitava que seria em outra torre, para satisfazer os deleites de outros sacerdotes.
Os monges cometiam com essas jovens todas as perversões que se possa imaginar, dentre elas a sodomia (para que estas continuassem virgens) e o açoitamento das vítimas. Do começo ao fim deste trecho, Sophie usa algumas expressões que comprovam que Sade escolhia pra protagonizar suas obras a figura do libertino. Eis algumas destas expressões: monstruosos, cruéis, odiosos, monstros, horríveis, crimes horríveis, cruéis métodos, infames celerados, atrozes, depravados, horrendos, bárbaros, pérfidos, insignes...
A seguir alguns trechos da obra Justine, que comprovam como os monges eram "sádicos":
Octavie, que era filha de um grande comerciante de Lyon, que acabava de completar sua educação em Paris e que voltava para casa de seus pais com uma governanta, quando, atacada à noite entre Auxerre e Veneton, havia sido raptada e levada aquela casa... Certamente nunca se viu pele mais branca, jamais penugem mais suave, contudo tanto frescor, tanta inocência e delicadeza iriam se tornar presa daqueles bárbaros... Octávie chora, não é ouvida; o fogo brilha nos olhos daquele execrável italiano... nenhum artifício, nenhum preparativo é empregado... um grito enternecedor da vítima anuncia enfim sua derrota. Mas nada enternece seu orgulhoso vencedor; mais ela parece implorar sua graça, mais ele investe com ferocidade, e a infeliz, a meu exemplo é ignominiosamente aviltada sem deixar de ser virgem...
_ Que eu tome a partir daí_ disse Antoin sem deixá-la se reerguer. _ Há mais de uma brecha no bastião e apenas uma foi tomada. Ele falou e avançando orgulhosamente para o combate, em um minuto é o senhor do local. Novos gemidos se ouvem... _ Deus seja louvado_ disse aquele monstro horrível.
_ Eu teria duvidado da derrota sem as queixas da vencida, e só estimo meu triunfo quando me custaram lágrimas.
_ Na verdade_ disse Jêrome, avançando com o açoite na mão _ , eu também não perturbarei esta doce atitude, ela favorece ainda mais meus intuitos... Nada detém o pérfido monge, mais a estudante se lastima, mais explode a severidade do reitor... Tudo é tratado da mesma maneira, nada obtêm sua mercê; logo não mais existe uma única parte daquele belo corpo que não porte a marca de sua barbárie e é enfim sobre os sangrentos vestígios de seus ódios prazeres que o pérfido extingue seu fogo.
Como alude Paz, na concepção de Sade, “prazer e dor formam uma dupla surpreendente e suas relações são paradoxais. À medida que cresce e se faz mais intenso, o prazer roça a zona da dor, o verdadeiro prazer, o prazer mais forte, intenso e duradouro é dor exasperada que, por sua própria violência, se transforma de novo em prazer”. E Sade ainda Reconhece que esse prazer é inumano não só porque se atinge por meio do sofrimento alheio, mas também por que para ser capaz de praticá-lo é necessária uma valentia sobre-humana.
Para Paz, a obra de Sade não é só uma longa censura contra as morais impostas à espécie humana, é também uma tentativa de dissipar os enganos que nublam nossas opiniões. Muitos estudiosos, hoje, reconhecem: por mais absurdas que sejam as narrativas de Sade, tudo que ele relatou nada mais é que a verdadeira face de muitos de nós.
Referências:
MORAES, Eliane Robert. Lições de Sade: ensaios sobre a imaginação libertina. São Paulo: Iluminuras, 2006.v.1.
PAZ, Octávio. Um mais além erótico: Sade. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Mandarim, 1999.
SADE. De monges e virgens. In: Costa, Flávio Moreira. (Org.). As cem melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p.p. 177-182.
Um comentário:
Fabiana Aires da Silva Rosa...
oi Juliana,como vai,estava lendo seu artigo e achei um estudo importante que Paz faz sobre as obras de Sade principalmente trabalhar um tema polêmico de uma pessoa sentir prazer sexual em provocar a dor fisica ou moral a outra pessoa e ainda defender que vale tudo para sentir gozo.Hoje ,fatos assim acontecem entre nós,pois o sexo antigamente era muito pouco falado e apenas o homen tinha o direito ao prazer,hoje nós mulheres defendemos também nossos direitos ,e queremos que o sexo seja tratado como algo natural e ainda que amar,desejar e fazer outra pessoa feliz vale tudo ,até sentir e provocar a dor.Acho que deveriamos falar e descobrir mais coisas sobre o sexo, a sexualidade, e o prazer pois muitas coisa ainda não foram abertamente esclarecidas sobre esses assuntos,outros estudos ainda podem ser feitos.Um abraço.
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