por Silvana Augusta Barbosa Carrijo
Murmúrios, gemidos, lamentações, ladainhas de orações constituíram, por muito tempo, o quinhão discursivo atribuído e concedido às mulheres. No Novo Testamento, Paulo, dirigindo-se a Timóteo, afirmava incisivamente que a mulherdeveria ouvir a instrução em silêncio e submissão. No âmbito da criação literária, propriamente dito, tal interdição se fez historicamente presente vez que, durante séculos, o sujeito masculino constituiu voz enunciadora quase exclusiva. A partir da segunda metade do século XX, porém, obras de escritoras várias são descobertas e trazidas à baila como objeto de investigação científica, asseverando o exercício feminino de rompimento das fissuras de interditos lingüístico-literários às mulheres. Ao enunciar de maneira resoluta e desembaraçada sobre a temática do erotismo em alguns poemas de Rota de colisão (1993) e de Gargantas abertas (1998), Marina Colasanti não só assevera seu direito de enunciação como também elege como mote literário um tema tabu por muito tempo interdito às mulheres. Superando o reinado do sussuro, do não-dito, do implícito, Marina contempla os amantes no espetáculo amoroso. Frutos e flores, seios e dedos, olhos e bocas são alguns dos signos enunciados pela escritora em sua poética do erotismo, poética em que descortina artisticamente o espetáculo amoroso aos olhos do leitor:
Teu sexoTeu sexo em minha boca
me preenche
como se pela boca
penetrasse a vagina.
Teu sexo em minha boca
me engravida
Me põe túrgida
prenhe
mel coando dos peitos
sobre a cama.Entre um jogo e outroTer você nu na cama
que deleite.
E como a gente brinca
e rola e ri
para depois sentar
nos lençóis descompostos
o corpo ainda suado
e continuando sempre
o mesmo jogo
falar a sério
de literatura.
Te beijo no cangote
e quieta penso:
um outro amante assim
Senhor
que trabalho terias
pra me arrumar
se me tomasses este.
De líquida carneMeus seios tomam a forma
do momento que os contém.
Se colhidos pela boca
alongam ardidas pontas.
Se aprisionados na mão
acrescem à própria curva
a curva doce da palma.
E quando soltos ao vento
no meu corpo em correria
ondejam
como a maré que a água faz na bacia.
Meu amado me dizFrutos e flores
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me transpassa.Assim, por via do exercício pleno da sexualidade, da contemplação resoluta do erotismo, a mulher, em contato com o homem, floresce e com ele empreende a tentativa de, pela perpetuação da espécie, dominar as faces horrendas e implacáveis de Cronos. Assim, mulher e homem fazem com que Eros, descortinado e contemplado, vença Tânatos. E o reinado do erótico se infiltra no domínio do poético, mais especificamente do poético de autoria feminina. Rompendo séculos de interditos à sua voz, a mulher enuncia alto, em bom som e com maestria literária sobre o exercício da sexualidade. Assim, Eros é femininamente enunciado.
Silvana Augusta Barbosa Carrijo é professora de Literatura na UFG - Campus Catalão. O artigo completo sobre a poesia erótica de Marina Colasanti encontra-se no livro: Formas e Dilemas da Representação da Mulher na Literatura Contemporânea, organizado por Maria Isabel Edom Pires e publicado pela editora da UnB, em 2008.
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