29 novembro 2010

Welcome to Diana: A sexualidade e o desejo em questão




Por Erli Porto, Gisele Cristiane de Assunção e Patrícia Mendes


Márcia Denser é uma escritora paulistana da contemporaneidade, jornalista por deformação profissional, segundo palavras da própria autora sobre si mesma (Denser, 2005). É ficcionista e pesquisadora de literatura brasileira. Publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Tem obras traduzidas para o alemão, holandês e inglês. Sua escrita inaugura a narrativa de uma nova mulher que rompe com o sistema de gênero onde predominava, mesmo em outras escritoras, a fala de uma heterossexualidade falocêntrica, rompendo, inclusive, com as descrições já aceitas sobre a “literatura sexual” catalogada antes dela como erótica ou pornográfica.  Segundo Cristina Ferreira-Pinto Bailey (2005), sua ficção subverte essa dicotomia, sua escrita é entendida como ficção sexual.

Márcia Denser, sendo uma escritora contemporânea, tem publicado obras que são resultados da transgressão feminina no espaço público e na literatura e dessa maneira, a voz feminina tem ganhado muito destaque nesse campo, justamente por representar uma voz/ identidade que surge para fazer um discurso contra-ideológico no que se refere à autoria feminina. Esse contra-discurso vem para desfazer padrões impostos às mulheres que, de certa forma, afetam a questão da identidade feminina, no que concerne à feminilidade, a beleza, a juventude, bem como a relação com o corpo, a sexualidade e o desejo. Márcia Denser é hoje uma escritora que deu um novo corpus à literatura, expressando o desejo, a representação do corpo e, sobretudo a sexualidade feminina de um jeito autêntico, sob o ponto de vista de uma mulher.

No conto “Welcome to Diana” alguns elementos já demonstram como será a trajetória de sua protagonista: as boas vindas dadas em inglês descreveriam uma mulher cosmopolita e o nome Diana seria uma alusão à deusa da mitologia romana (Ártemis para os gregos) poderosa caçadora e protetora das cidades, algumas das características mais facilmente percebidas na personagem, uma mulher altamente adaptada à vida na cidade grande, uma caçadora que inverte o papel de submissão da mulher frente aos jogos de sedução.

Diana Marini, a personagem principal do livro Diana caçadora está presente em todos os contos é uma mulher independente financeiramente, bem sucedida, culta, de muitas faces, apresentando uma personalidade irônica e cínica que se acentua com o abuso do álcool. Essa postura diante da vida parece significar uma dificuldade em estabelecer vínculos afetivos. Seus atos sexuais geralmente estão na esfera do animalesco, em cenas que se aproximam do grotesco. Para Bataille, “o campo do erotismo é o campo da violência, o campo da violação.” (2004). Tanto Diana como seus parceiros parecem assumir uma postura de violação do corpo do outro em busca do próprio prazer. A violência do ato sexual está em que o outro não existe, pelo menos não como um sujeito.

Em vários momentos o leitor é levado por um fluxo de pensamento dinâmico e difícil de acompanhar, causando um estranhamento das situações vividas por Diana, nas quais ora é mulher decidida e poderosa, ora é a mulher frágil no reflexo do espelho. Tal fragmentação identitária parece indicar o constante conflito entre as instâncias psíquicas do ego, superego e inconsciente. Segundo Freud (1940/1996), o ego seria a parte da vida psíquica responsável por controlar as pulsões do id, que tudo quer e não conhece limites, e os interditos do superego, as regras da moral e dos bons costumes.[1]

No conto, Silas e Fernando são dois homens, dentre vários outros que Diana perdeu-se na contagem. Suas características nos são passadas pelos olhos da protagonista, entretanto, seus papéis no conto nada mais são do que o de caça, troféu de uma mulher que exercita sua sexualidade por puro prazer. O corpo do outro é simples mecanismo para exercício de um prazer sem cara, sem subjetividade, sem afeto, sem compromisso.

A narrativa de Denser é mais complexa, tendo em vista que não se consegue classificá-la como erótica ou pornográfica, o que, segundo Bailey (2005), nos leva a caracterizar essa obra como “ficção sexual”, justamente por não apresentar uma separação específica entre o erótico e o pornográfico, como se tem costume fazer em outras produções de mesma linha temática.

Referências:
BAILEY, Cristina Ferreira-Pinto. O corpo e a voz da mulher brasileira na sua literatura: o discurso erótico de Márcia Denser. Disponível em: http://www.cronopios.com.br /site/ensaios.asp?id=128. Acesso em: 02 out 2010.
FREUD, Sigmund. Esboço de psicanálise. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (vol. XXIII). Rio de Janeiro: Imago, (1940/1996). p. 163-237.
DENSER, Márcia. Diana caçadora; Tango Fantasma: Duas prosas reunidas. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2003.
______. Os últimos dragões (como perder o tesão de escrever). Disponível em: http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id_usuario=24. Acesso em: 02 out 2010. 
______. Um pingo de sensibilidade. On line. Disponível em: http://www.germinaliteratura. com.br/mdenser.htm. Acesso em: 02 out 2010.


[1] Segundo Freud (1940/1996), o id representa a parte animalesca do homem, tudo que é herdado, fonte das pulsões e do desejo, é totalmente inconsciente. O ego é parte do aparelho psíquico que se desenvolveu a partir do id à medida que a pessoa vai tomando consciência de sua própria identidade. É responsável pela saúde, segurança e sanidade mental e tem sob seu comando o movimento voluntário. Faz uso da razão, embora não seja totalmente consciente e nem racional. Já o superego é o depósito dos códigos morais, modelos de conduta e parâmetros das inibições de personalidade. Age como um grande sensor moral e não é consciente.

A escritora Márcia Denser, na década de 1980


4 comentários:

Laisa Gonçalves Teixeira disse...

Realmente em “Welcome to Diana” Márcia Denser consegue trazer a voz feminina, em um sentido de transgressão para a literatura, tendo em vista que tenta desconfigurar nesse conto os padrões concernentes a feminilidade, aos desejos das mulheres, bem como de sua sexualidade. É interessante a construção da personagem, Diana inverte o papel de mulher submissa presente nas relações sexuais, é ela quem vai à caça, não espera ser caçada. Dessa forma, nesse conto nos é apresentado uma mulher que busca pelo puro prazer do seu corpo, algo pouco presente na literatura no momento em que Denser escreveu sua obra.

Unknown disse...

mulheres que sabem o que quer,buscam o prazer,dão vazão a paixão e encaram seus mais variados anseios sexuais.

Anônimo disse...

Erli, Gisele e Patrícia,

Parabéns pelo belo texto e pela escolha da foto inicial do post.
Gostei também da expressão "ficção sexual". Não a conhecia rsrs...
Continuem escrevendo e por que não escrevem um conto??? O que você acha, Gisele? (a intimidade se justifica pois ela foi minha aluna e continua uma querida amiga)

Terezinha disse...

Erli, Gisele e Patrícia,

Parabéns pelo belo texto e pela escolha da foto inicial do post.
Gostei também da expressão "ficção sexual". Não a conhecia rsrs...
Continuem escrevendo e por que não escrevem um conto??? O que você acha, Gisele? (a intimidade se justifica pois ela foi minha aluna e continua uma querida amiga)