Por Erli Porto
o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
o pinto duro pulsa forte como um coração / trepar é o melhor remédio pra tesão
um terço é muita penitência pra masturbação / a grávida não tem saudades da menstruação
se não consegue fazer sexo vê televisão / manteiga não se usa apenas pra passar no pão
boceta não é cu mas ambos são palavrão / gozo não significa ejaculação
o tato mais experiente é a palma da mão
o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
depois de ejacular espera por outra ereção / o ânus precisa de mais lubrificação
por mais que se reprima nunca seca a secreção / o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão/ por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração / o pau se aprofunda mais conforme a posição
o tato mais experiente é a palma da mão
o pinto duro pulsa forte como um coração / gozo não significa ejaculação
o ânus precisa de mais lubrificação / por graça por amor por tara ou pra reprodução
ouvido ouve o que deseja e o que não / velocidade se controla com respiração
trepar é o melhor remédio pra tesão / o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão / o olho enxerga o que deseja e o que não
uns comem outros fodem uns cometem outros dão
Segundo
Fernandes Jr, na trajetória poética brasileira no século XX e início do século
XXI havia uma “articulação de grupo com propósitos comuns” (2007). A partir da
década de 1980, os projetos comuns vão perdendo espaço para as pluralidades de
tendências, espaços e formas de divulgações fazendo com que a relação entre
poesia e técnica empreendesse um caminho de volta à poesia como encontro
coletivo. Entretanto, há quem acuse essa nova produção, com suas novas formas
de divulgação (TV, CD, Shows, internet...),
de promover um esvaziamento de um projeto coletivo.
O
escritor Arnaldo Antunes mistura na sua obra música popular, rock, poesia
visual e concretista e as artes visuais. A alternância de suportes dá ao poeta
a possibilidade de modificações na materialidade do texto, reescrevendo-os,
publicando-os nos mais diferentes formatos e interpretando-os o tempo todo. Nas
interpretações que Antunes faz da própria poesia,
em vídeos de divulgação na internet
ou em shows, ocorre uma ressignificação da sua obra, como se houvesse a
produção de um novo texto.
Nesse
sentido, o poema “Tato”, de Arnaldo Antunes aparece diferente ao leitor quando
interpretado pelo seu criador. O tom de voz, a música, a escolha das imagens
corporais, de um corpo que se confunde com o plano, preparam a atmosfera para
um “olho (que) enxerga o que deseja e
o que não”, uma atmosfera que tanto aproxima como intimida o leitor/ouvinte.
Paes
(1990) diz que a existência da arte se deve ao fato de que a vida não basta.
Isto não significa substituir o real pelo imaginado, mas que a arte, e,
portanto a arte erótica, busca a representação de uma das formas da existência
humana. Representar significa re-apresentar, tornar presente novamente. Tal
re-apresentação torna possível vencer o domínio do tempo, implacável, que
destrói todos “os traços do já vivido”. (Paes,
1990, p. 14).
Numa
perspectiva fenomenológica, todo objeto é um dado da consciência e a estrutura
da consciência é a intencionalidade, ou seja, toda consciência é consciência de
algo e algo só é algo para uma consciência (Coelho
Júnior, 2002). Nesse sentido, no vídeo em que Antunes narra/canta sua
poesia, ele “brinca” com esse aparecer fenomenológico na consciência ao juntar
o poema erótico com as imagens de um corpo que não se move estando em movimento
pelo uso da câmera que o explora como um olho humano.
Embora
o poema descreva partes do corpo responsáveis pelo prazer genital, o narrador
chega à conclusão que o “tato mais experiente é a palma da mão”. Quase como um continuum, o prazer começa na visão e
audição, mesmo contra a vontade, passando pelo prazer fálico, que pulsa como o
coração, portanto involuntário, mais forte que a razão, até a informação que a
cura do tesão é o ato de “trepar”. Se considerarmos que tesão seja sinônimo de
pulsão resta-nos o “consolo” da masturbação, pois segundo Freud (1916/1996) a
fonte originária da pulsão é inesgotável, portanto não haverá penitência que dê
conta de uma pulsão sem fim.
A
força da pulsão ressurge, no verso 14, com a informação de que o desejo (ou o
ouvido?) depois de ejacular espera por outra ereção. A pulsão é o representante
psíquico que se origina no corpo e alcança a mente (Freud apud MOURA, 2008),
portanto, no poema, todo o corpo, seus sentidos e reentrâncias estão a serviço
do desejo.
ANTUNES,
Arnaldo. Tato. In: Nome . Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=MR
9IHfMkiqI. Acessado em: 10 dez. 2010.
Outras
informações: Ano de lançamento do projeto multimídia - 2006. Estúdio - Sony
& BMG.
COELHO
JÚNIOR, Nelson Ernesto. Consciência,
intencionalidade e intercorporeidade. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X200200
0100010. Acesso em: 08 dez. 2010.
FREUD,
Sigmund (1916). Instinto e suas Vicissitudes. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XIV.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FERNADES
JÚNIOR, Antônio. Os entre-lugares do
sujeito e a escritura de Arnaldo Antunes. 2007. 158 pág. Tese –
Universidade Estadual Paulista. Araraquara (2007). Material impresso.
MOURA,
Joviane. Introdução ao conceito de pulsão.
Disponível em:
http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/introducao-ao-conceito-de-pulsao
Acessado
em: 08 dez. 2010.
PAES,
José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
Um comentário:
Fiquei muito curiosa para ler o texto sabendo que se faria menção a uma música de Arnaldo Antunes. Foi uma boa escolha a música “Tato”, já que de fato esta retrata uma das formas de existência humana, pois fala-se abertamente, de forma clara e sem rodeios sobre a experiência erótica tão característica dos seres humanos.
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