O
corpo é um conto que pertence ao livro A via crucis do corpo, de Clarice
Lispector, no qual se retrata um triângulo amoroso que é bastante estável. Xavier,
comerciante bem sucedido, vive na mesma casa com duas mulheres, que se
respeitam e aceitam a situação com bastante naturalidade. A estabilidade das
relações amorosas entre Xavier, Carmem e Beatriz é rompida quando elas
descobrem que existe outra mulher na vida de Xavier: uma prostituta que ele
visitava periodicamente. A partir de então, Carmem e Beatriz vão se afastando –
pouco a pouco – de Xavier, ao mesmo tempo em que vão se tornando mais unidas.
A
monotonia do cotidiano aliada à decepção sofrida pelas duas mulheres faz com
que elas, depois de uma reflexão sobre a impossibilidade de transcender a
morte, decidam antecipar o inevitável, e terminam por deliberar a morte de
Xavier – plano executado pelas próprias mulheres. Depois de alguns dias do
desaparecimento de Xavier, a polícia é chamada e descobre que ele fora
enterrado no jardim de sua própria casa. Surpreendentemente, os policiais
decidem que o melhor a fazer é esquecer tudo aquilo e sugerem à Carmem e
Beatriz que arrumem suas malas e se mudem para o Uruguai.
Serão mostrados, nesse texto, alguns
elementos característicos da obra, sendo que, neste livro, é importante tornar
visível outra autora, uma Clarice que as pessoas não conhecem, escrevendo
contos eróticos, com outro uso de linguagem, a forma naturalista e as ações do
corpo. No conto O corpo, o erotismo é
um elemento que segue a construção da sexualidade feminina e masculina, sendo
que o erotismo será discutido através da ação das personagens, podemos perceber
que além do sentido erótico que os corpos têm, existe outra característica que
torna o conto com um aspecto grotesco que vão desde a caracterização física dos
personagens e permeia até os aspectos psicológicos, atingindo os pontos mais
altos na ação dos personagens, ou seja, nos excessos, a exemplo do exagero do
sexo, da comida, etc.
Segundo Mikail Bakhtin (1999, p. 22)
[...] as imagens grotescas conservam uma natureza original, diferenciam-se
claramente das imagens da vida cotidiana, preestabelecidas e perfeitas. São
imagens ambivalentes e contraditórias que parecem disformes, monstruosas e horrendas,
se consideradas do ponto de vista da estética “clássica”, na qual isto vem
pertencer à estética da vida cotidiana
preestabelecida e completa. Como podemos observar, o grotesco está diretamente
relacionado à imagem do corpo.
No conto O corpo, o erotismo pode
ser encontrado não somente na narrativa, mas também na caracterização das
personagens masculinas e femininas, no ambiente e na linguagem; não se trata de
uma obra sobre sexo, mas de um texto que nos leva a outras discussões, partindo
inicialmente das implicações do eu, para posteriormente entrar em diálogo com o
outro. Outro ponto que se relaciona ao erotismo no conto O corpo, é a
questão da sexualidade não como o foco principal desta obra, mas sim como todo
um jogo de sedução e desejos produzidos pelas personagens. Ou seja, o erotismo
não só é um processo individual, mas também através das influências
sócio-culturais adquiriu características diferentes para o sexo masculino e
feminino. Percebemos que o erotismo perpassa em quase todos os sentidos do
corpo humano. Segundo Georges Bataille: “[...] o olfato, a audição, a visão,
mesmo o gosto percebem signos objetivos, distintos da atividade que eles
determinarão. São signos anunciadores da crise. Nos limites humanos, esses
signos anunciadores têm um valor erótico intenso. Uma jovem nua é às vezes a
imagem do erotismo” (1987, p. 122).
Pode
dizer que o erotismo feminino se revela através do toque, da beleza, do olhar,
do falar, enfim da sedução, que pode ser apenas uma sensação ou até mesmo a
concretização do ato da conquista.
Pode-se falar em linguagem erótica porque o erotismo circunscreve-se no social, é codificado por meio de regras, combinação de elementos – os signos – que significam uma convenção e realiza-se como expressão de elementos que se combinam no corpo e representam modos de pensá-lo e de significá-lo (Camargo et al., 2002, p. 40). Sabemos que estes signos podem variar de acordo com determinadas culturas, porém o erótico, em todos os lugares do mundo, é conhecido e vivenciado de alguma forma pelos sujeitos. Como toda linguagem, a erótica também é passível de mudanças, altera-se conforme as transformações sociais. Entretanto, seu caráter universal permanece imutável ao longo da história da humanidade. O que muda são as interpretações a respeito do mesmo fenômeno (Camargo et al., 2002, p. 41).
Assim como afirma Bataille: “o erotismo só
pode ser objeto de estudo se, em sua abordagem, for o homem o abordado” (1987,
p. 8). Ou seja, primeiramente, o erotismo se faz de modo particular para depois
se expandir para o coletivo.
ALBERONI.
Francesco. O erotismo:
fantasias e realidades do amor e da sedução. São Paulo: Círculo do
Livro, 1986.
BAKHTIN,
Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília:
Universidade de Brasília, 1999.
BATAILLE.
Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CAMARGO,
Francisco Carlos; HOFF, Tânia Márcia Cezar. Erotismo e mídia. São Paulo:
Expressão & Arte, 2002.
LISPECTOR,
Clarice. A via crucis do corpo. Rio
de Janeiro: Rocco, 1998.
5 comentários:
Que bom que o blog está de volta!!!
esse conto é muito interessante todo contexto erotico dentro dele perpassa alem do que esta escrito....
Poliana
Oi...muito interessante esse conto da Clarice Lispector, engraçado como as duas não se importavam em dividir o amando entre elas, mas quando ele arrumou outra, se rebelaram!!!kkkkkkkkkkkkkk
Gostei da análise do conto, achei interessante ter sido abordado a questão do grotesco, pois esse aspecto é perceptível durante a leitura. É um conto surpreendente, por envolver um final inusitado, inesperado, além de por traz disso haver algo que remete ao trágico e ao cômico. Ficou muito bem escrito seu texto.
Este é um conto muito interessante,pois nele se encontra um relacionamente a três...
Clayre
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