O livro A via crucis do corpo é composto de contos escritos sob encomenda, que
deveriam seguir a linha do erótico e que, no entanto, tratam de temas
cotidianos como a velhice, a homossexualidade, a prostituição, a sexualidade e
outros. São textos relatados em uma linguagem prosaica, clara e direta.
Nas páginas deste livro, o leitor é posto
em contato com um mundo no qual a realidade é tratada por vezes de forma
grosseira, tal como ela é. No conto Mais
vai chover há a recorrência de um fato que é considerado um escândalo para
a sociedade: Maria Angélica de Andrade, de 60 anos, toma por amante o jovem
Alexandre, de 19 anos, este que é desrespeitado e desmoralizado no decorrer da
narrativa.
Em um mundo em que a aparência jovem e
bela é valorizada, pensar no prazer sexual de idosos seria um insulto aos
belos, embora essa afirmação esteja carregada de preconceitos. Os velhos são
aqueles vistos como pessoas aposentadas, vetados aos desejos e proibidos de
tê-los ou senti-los.
Nesse conto, pode-se perceber que a velha
senhora rompeu com esse preconceito e acreditou na possível relação que poderia
ter com o jovem e se lançou a ela. Essa relação que se estabeleceu entre eles
foi uma relação de desejo, pois Maria Angélica ao ver o “jovem forte, alto, de
grande beleza” logo se permitiu a ousadia de oferecer-lhe uma xícara de café.
A partir daí a personagem é construída
de emoções como tristezas, alegrias, prazer e através disto consegue amar
aquela carne jovem sem temor nem pudores, embora isso causasse horror ao jovem,
este que ficou impotente aos vinte e sete anos. Esse texto causa um
estranhamento no leitor, pois a personagem da velha não cabe no conteúdo
erótico do texto e acaba caindo no ridículo, por se tratar de um corpo velho em
pleno auge do prazer do sexo, visto que comportamentos como esse não são vistos
como normais em nossa sociedade.
Essa vontade de possuir e ser possuída
não foi, e nem é, bem aceita quando parte do lado feminino, devido a
preconceitos e repressões que a mulher sofre há muito tempo. Em um texto de Lúcia
Castello Branco (2004) vê-se que é impossível falar de erotismo sem levar em
consideração a “história de sua repressão”, pois em culturas como a ocidental,
erotismo e repressão desenvolvem juntos suas histórias.
A autora observa que essa repressão varia
de acordo com a cultura particular de cada povo. O Cristianismo, por exemplo,
condena o erotismo e caracteriza a prática sexual como ato pecaminoso, enquanto
que em religiões da civilização oriental, erotismo e religião caminham juntos,
incluindo guias para a aprendizagem sexual, como o Kama-Sutra, este que é um
manual de artes do amor em estilo hindu com diferenciadas “técnicas sexuais”.
No entanto, este manual contém proibições sexuais direcionadas às mulheres,
estas que devem ser boas esposas e devem ser acima de tudo, submissas.
Através da leitura do artigo O corpo e a voz da mulher brasileira na sua
literatura: o discurso erótico de Márcia Denser (Bailey, 2005) observa-se
que, conforme as mulheres escritoras mostram, o seu discurso contra esse tipo
de tabu (repressão e erotismo
feminino), vão encontrando uma linguagem própria sob as quais se expressam e,
com o passar dos tempos, vão se descobrindo novas mulheres prontas para viverem
e escreverem sobre o que elas gostam e querem como, por exemplo, a protagonista
em discussão: “Venha para a cama comigo!”, “Maria Angélica dava gritinhos na
hora do amor”.
O livro em abordagem, apesar de ter sido
polêmico na época em que foi lançado, acaba por revelar um conteúdo erótico
ingênuo aos olhos contemporâneos, sob os quais o corpo é tratado como um meio/
suporte para prazer e felicidade e não mais como um escândalo ou algo parecido.
Referências:
CASTELLO
BRANCO, Lúcia. O que é erotismo. São
Paulo: Brasiliense, 2004. (Primeiros Passos, 136). LISPECTOR,
Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
BAILEY, Cristina Ferreira-Pinto.
O corpo e a voz da mulher brasileira na sua literatura: o discurso
erótico de Márcia Denser. On line. Disponível em: http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=128.
Acesso em: 12 nov 2010.
3 comentários:
o livro a via crucis do corpo, alem de tratar o erotismo trata temas cotidianos, é isso que faz um livro de leitura facil e um livro na qual a autora consegue trazer para ele toda uma vida real mostrando pontos mais grotescos para a sociedade.
Poliana
Achei interessante ter sido levantado a ideia de Lúcia Castello Branco a respeito da forte ligação entre erotismo e repressão, ou seja, há uma impossibilidade de se falar em erotismo sem fazer menção a história da repressão em cada cultura. Enquanto que no ocidente a repressão se deve ao cristianismo, em algumas regiões orientais o erotismo e a religião estão intimamente relacionados, embora ainda haja algumas proibições as mulheres. Assim, pode-se perceber que a repressão da sexualidade é construída culturalmente. Pelo fato de socialmente o corpo envelhecido ser desvalorizado e também achar que este não mereça ser tomado pelo prazer há inúmeros preconceitos contra a sexualidade dos idosos. Clarice é fantástica de ter levantado essa problematização não só neste conto como também em “Ruído de passos”.
Os contos de Clarice Lispector no livro Via Crucis do Corpo,trata-se de problemas vividos no cotidiano do ser humano.
Clayre
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