Com base na
leitura do texto “Nós, os vitorianos”, de Michel Foucault (1988), proponho
estabelecer a análise de um dos contos de A
via crucis do corpo, de Clarice Lispector, intitulado “Melhor do que
arder”.
Desde a época
clássica, a “colocação do sexo como discurso” teve de enfrentar certo bloqueio
e/ou proibição. Já considerando os três últimos séculos, identifica-se uma
verdadeira explosão discursiva a respeito desse assunto. Não somente foi
ampliado o domínio do que se podia dizer sobre o sexo, mas, sobretudo,
focalizou-se o discurso no sexo, através de um dispositivo completo e de
efeitos variados que não se pode esgotar na simples relação com uma lei de
interdição.
Ao analisar o
conto já mencionado de Clarice Lispector, é possível perceber a submissão por
parte personagem Madre Clara diante da imposição de poder da família e ao mesmo
tempo, da Igreja. Essa mecânica do poder também é abordada por Foucault,
segundo ele “o poder que toma a seu cargo a sexualidade, assume como um dever
roçar os corpos; acaricia-os com os olhos; intensifica regiões; eletriza
superfícies; dramatiza momentos conturbados [...] o poder ganha impulso pelo
seu próprio exercício; o controle vigilante é recompensado por uma emoção que o
reforça, a intensidade da confissão relança a curiosidade do questionário, o
prazer descoberto reflui em direção ao poder que o cerca [...] o poder funciona
como um mecanismo de apelação, atrai, extrai essas estranhezas pelas quais se
desvela. O prazer se difunde através do poder cerceador e este fixa o prazer
que acaba de desvendar” (Foucault,
1988, p. 45).
Considerando as
ações da personagem Clara, é possível estabelecer um paralelo com alguns pontos
citados por Foucault. É evidente que a personagem não apenas se submete a uma
espécie de poder, como aos poucos permite que o prazer, o desejo idealizado,
ganhe impulso pelo próprio exercício desse poder. De certo modo, essa forma de
poder contido no texto também assume como dever acariciar os corpos com os
olhos, como em: “Não podia mais ver o corpo nu do Cristo” e intensifica a
percepção de regiões do corpo: “[o padre] Imaginou que suas pernas deviam ser fortes,
bem torneadas”. Nota-se que Clara se vê tomada pelas estranhezas que o poder é
capaz de proporcionar, a partir do momento em que não suporta mais viver só
entre mulheres, desde então, sustenta o desejo de sair do convento, achar um
homem e casar-se.
“É melhor casar
do que arder”, disse o padre. A visão do casamento em relação a essa afirmação
representa não só um espaço permitido como também marca a passagem de repressão
à liberdade, onde o sexo não está mais condenado a permanecer na obscuridade.
Referências:
FOUCAULT, Michel. História
da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. A
via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
3 comentários:
Interessante esta análise. E mais interessante ainda é a participação atuante da igreja na repressão do erotismo! Além disso,o casamento se torna,como dito aqui, sinônimo de liberdade para a consumação do prazer.
Fernanda Aparecida Peixoto.
Ainda bem que passamos dessa fase!!!kkkkkkkkk
Na época de madre Clara era preciso casar para enfim chegar ao sexo. As mulheres dos tempos atuais podem aproveitar sem ter que lavar, passar e cozinhar.
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