17 novembro 2010

Sexo ou liberdade?



Por Elisângela Barbosa Borges

Com base na leitura do texto “Nós, os vitorianos”, de Michel Foucault (1988), proponho estabelecer a análise de um dos contos de A via crucis do corpo, de Clarice Lispector, intitulado “Melhor do que arder”.

Desde a época clássica, a “colocação do sexo como discurso” teve de enfrentar certo bloqueio e/ou proibição. Já considerando os três últimos séculos, identifica-se uma verdadeira explosão discursiva a respeito desse assunto. Não somente foi ampliado o domínio do que se podia dizer sobre o sexo, mas, sobretudo, focalizou-se o discurso no sexo, através de um dispositivo completo e de efeitos variados que não se pode esgotar na simples relação com uma lei de interdição.

Ao analisar o conto já mencionado de Clarice Lispector, é possível perceber a submissão por parte personagem Madre Clara diante da imposição de poder da família e ao mesmo tempo, da Igreja. Essa mecânica do poder também é abordada por Foucault, segundo ele “o poder que toma a seu cargo a sexualidade, assume como um dever roçar os corpos; acaricia-os com os olhos; intensifica regiões; eletriza superfícies; dramatiza momentos conturbados [...] o poder ganha impulso pelo seu próprio exercício; o controle vigilante é recompensado por uma emoção que o reforça, a intensidade da confissão relança a curiosidade do questionário, o prazer descoberto reflui em direção ao poder que o cerca [...] o poder funciona como um mecanismo de apelação, atrai, extrai essas estranhezas pelas quais se desvela. O prazer se difunde através do poder cerceador e este fixa o prazer que acaba de desvendar” (Foucault, 1988, p. 45).

Considerando as ações da personagem Clara, é possível estabelecer um paralelo com alguns pontos citados por Foucault. É evidente que a personagem não apenas se submete a uma espécie de poder, como aos poucos permite que o prazer, o desejo idealizado, ganhe impulso pelo próprio exercício desse poder. De certo modo, essa forma de poder contido no texto também assume como dever acariciar os corpos com os olhos, como em: “Não podia mais ver o corpo nu do Cristo” e intensifica a percepção de regiões do corpo: “[o padre] Imaginou que suas pernas deviam ser fortes, bem torneadas”. Nota-se que Clara se vê tomada pelas estranhezas que o poder é capaz de proporcionar, a partir do momento em que não suporta mais viver só entre mulheres, desde então, sustenta o desejo de sair do convento, achar um homem e casar-se.

“É melhor casar do que arder”, disse o padre. A visão do casamento em relação a essa afirmação representa não só um espaço permitido como também marca a passagem de repressão à liberdade, onde o sexo não está mais condenado a permanecer na obscuridade.

Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

3 comentários:

Anônimo disse...

Interessante esta análise. E mais interessante ainda é a participação atuante da igreja na repressão do erotismo! Além disso,o casamento se torna,como dito aqui, sinônimo de liberdade para a consumação do prazer.

Fernanda Aparecida Peixoto.

Unknown disse...

Ainda bem que passamos dessa fase!!!kkkkkkkkk

Unknown disse...

Na época de madre Clara era preciso casar para enfim chegar ao sexo. As mulheres dos tempos atuais podem aproveitar sem ter que lavar, passar e cozinhar.