De dos, de Hans Bellmer |
Por Laisa Teixeira e Rafaela Silva
No conto
“Mathilde”, de Anaïs Nin (2005), há um percurso
gradual para se chegar ao primeiríssimo plano, isso constrói o caráter erótico
do conto, pois há um detalhamento, um lirismo, uma preocupação estética no
discurso erótico, há poesia na narração, além de não haver a pura descrição
clínica do ato sexual em si mesmo. Consta-se que o objetivo de Anaïs
Nin não é simplesmente excitar o leitor, como se propõe a
literatura pornográfica, até mesmo porque ao final do texto há o relato de uma
cena nada convencional, pois “Antônio estava observando a ponta do canivete
tocar a entrada do sexo de Mathilde” (p. 36).
Apesar do
lirismo e das metáforas utilizadas no conto, ele também expõe de forma mais
direta, em alguns momentos, a relação sexual, o que conotaria um aspecto mais
pornográfico do conto, como visto neste fragmento: “Agachou-se por cima dela
como um gato gigante e o pênis entrou nela. (...) Ele ergueu a bunda dela com
as duas mãos e arremeteu contra ela sem parar” (p. 33). Entretanto, verifica-se
que a tentativa de classificação do conto em erótico e/ou pornográfico não é
tão importante, pois há uma linha tênue entre esses dois níveis. É necessário
fazer uma análise de temáticas referentes à sexualidade expostas no conto, para
isso, toma-se como referencial o texto O
erotismo, de Bataille (2004).
O consumo de
ópio possui um lugar relevante nas práticas sexuais de Mathilde, visto que na
descrição das relações sexuais há a presença do ópio, sendo que este provocava
uma intensificação das sensações, proporcionava a formação de fantasias,
alucinações e uma dissolução do corpo na busca do prazer. Dessa forma, a
dissolução do corpo e a criação de fantasias eróticas durante o ato sexual,
impulsionadas pelo consumo de ópio podem ser associadas à leitura que Bataille
faz sobre a sexualidade.
Segundo Bataille
(2004), há um abismo e uma descontinuidade entre um ser e outro, fato consumado
na relação sexual. No texto “Mathilde”, verifica-se esta concepção de
descontinuidade dos corpos sobre o ato sexual, o que fica explícito neste
fragmento do texto: “As pernas se abriam de maneira inumana, impossível, como
se estivesse separadas do corpo, para deixar o sexo exposto, aberto, como se
alguém pegasse uma tulipa com a mão e abrisse completamente à força” (p. 28).
De acordo com
Bataille (2004), o dispositivo de passagem do estado normal ao desejo erótico
pressupõe uma dissolução relativa do indivíduo, que por sua vez é um ser
descontínuo. Nesse movimento de dissolução dos seres, o homem possui um papel
ativo e a mulher assume uma posição passiva, visto que a parte feminina é
desagregada, entretanto, ao final, tanto a mulher como o homem se misturam
chegando juntos à dissolução.
Em uma das passagens do texto “Mathilde” essa
dissolução dos corpos no ato sexual é demonstrada, visto que cada movimento de
Martinez no ato sexual servia para abrir completamente o corpo de Mathilde, até
que este se despedaçasse completamente.
Bataille (2004),
em sua filosofia, demonstra que o campo do erotismo é o da violência e violação,
constata-se isso também no conto, pois as várias relações sexuais estavam
envoltas dessas características, isso fica evidente quando Antônio penetra
Mathilde de forma violenta, fazendo com que ela caísse no chão, além disso, no
final do conto o mesmo tenta retalhar a genitália de Mathilde com um canivete.
Dessa forma, o
conto traz à tona diversas questões relacionadas à sexualidade humana, que ora
são tratadas de forma mais lírica e em outros momentos de forma mais explícita.
Conclui-se que o erotismo é marcado pelo campo da violência e violação, além de
ser acompanhado pela dissolução, descontinuidade e continuidade.
Referências:
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
NIN, Anaïs.
Delta de Vênus: histórias
eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.