27 novembro 2010

Melhor do que arder



Por Roberta Ferreira

O conto “Melhor do que arder”, de Clarice Lispector, narra a estória de uma madre, Madre Clara, que é obrigada pela família a ir para um convento, porém, sente desejos sexuais, e acaba por seguir os conselhos de um padre deixando o convento e procurando se casar, já que, segundo a Bíblia, é melhor casar do que arder.

Conforme afirma Foucault (1988, p. 9), até o início do século XVII, não existia tanta repressão com relação ao sexo, foi como passar dos tempos que o assunto virou tabu, algo indigno de ser comentado, e praticável apenas na intimidade dos quartos de casais: é essa repressão que se observa no conto.

No conto, a sexualidade é tratada de modo velado e sutil, em nenhum momento aparecem cenas ou termos que indiquem o ato sexual em si, nenhuma palavra obscena ou chula, ou sequer expressões de duplo sentido.

Apesar disso, o desejo sexual é o assunto principal do conto, repetidas vezes é retratada a necessidade que Madre Clara tem de se relacionar intimamente com um homem, dos desejos e de como ela tenta fugir deles: “Não podia mais ver o corpo quase nu do Cristo”; “Passou a dormir na laje fria”; “Foram passar a ardente lua de mel em Lisboa”.

A estória é permeada por um cunho religioso extremo, dentro do convento a madre é constantemente aconselhada a fugir de seus desejos e “mortificar a carne”, como se o sexo fosse um grande pecado, do qual se devesse fugir a qualquer custo. Mesmo sendo tão inerente à natureza humana, o desejo sexual é visto como se fosse algo de que se devesse envergonhar.

Pode-se notar, contudo, que a própria religião que obrigava a madre a fugir e se envergonhar de seus desejos, dá a ela a solução para suas frustrações, a relação sexual não é proibida quando ocorre sob a benção divina, isto é, entre um casal unido pelos sagrados laços do matrimonio. E é baseado nas palavras de Paulo no livro de Coríntios que o padre do convento aconselha a Madre Clara. “É melhor não casar. Mas é melhor casar do que arder” (lispector, 1998, p. 72).

Neste sentido, apesar de a madre admitir seus desejos e deixar o convento, ela não sai logo em busca de satisfação sexual, a religiosidade está tão clara neste conto que mesmo fora do convento ela manteve um vestuário simples, como o do convento, e o hábito de rezar, pedindo a Deus um homem; e mesmo ao encontrá-lo não cedeu logo aos desejos sexuais, primeiro casou-se.

No conto, não é retratado o ato sexual em si, mas apenas a necessidade que o ser humano tem de se relacionar sexualmente, e ainda que sexo seja o tema, ainda há muito pudor em retratá-lo.

Enfim, há um erotismo comedido no conto, as necessidades e desejos sexuais da personagem são retratados de maneira brilhante pela autora. A narrativa leva o leitor a pensar sobre o sexo, sem contudo ser baixa ou chula, já que erotismo e pornografia estão longe de ser a mesma coisa, já que a pornografia tende a retratar cenas e objetos obscenos e o erotismo apresenta expressões de sexo, sem contudo ser baixo ou chulo.

Sempre há de existir na literatura obras eróticas, que despertem a atenção do público leitor e toquem naquilo que ao longo dos tempos vem sendo tão reprimido, e ao mesmo tempo tão cobiçado, o sexo.

Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988
LISPECTOR, Clarice. Melhor que arder. In: ______. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

3 comentários:

Unknown disse...

Na religiao o sexo so é aceito depois do casamento.Nós sabemos que o desejo sexual existe nos homens e nas mulheres,um sacerdote,uma freira deixariam de menos ou mais religiosos se pudessem casar ou praticar sexo?

Anônimo disse...

Como diria meu "amigo": Melhor do que arder, só F.der! Esses textos provocam reações nunca imaginadas!!!

Flavinha disse...

O desejo sexual é humano. Está no homem e na mulher é claro, desde que o mundo é mundo, a começar por Adão e Eva... Não é por ser um religioso ou religiosa que se está livre de sentir desejos. Assim foi com Madre Clara do conto e assim acontece com muitos religiosos na vida real.

FLAVIANE