Por Roberta Ferreira
O conto “Melhor
do que arder”, de Clarice Lispector, narra a estória de uma madre, Madre Clara,
que é obrigada pela família a ir para um convento, porém, sente desejos
sexuais, e acaba por seguir os conselhos de um padre deixando o convento e
procurando se casar, já que, segundo a Bíblia, é melhor casar do que arder.
Conforme afirma Foucault
(1988, p. 9), até o início do século XVII, não existia tanta repressão com
relação ao sexo, foi como passar dos tempos que o assunto virou tabu, algo
indigno de ser comentado, e praticável apenas na intimidade dos quartos de casais:
é essa repressão que se observa no conto.
No conto, a sexualidade é tratada de modo velado e sutil, em
nenhum momento aparecem cenas ou termos que indiquem o ato sexual em si,
nenhuma palavra obscena ou chula, ou sequer expressões de duplo sentido.
Apesar disso, o desejo
sexual é o assunto principal do conto, repetidas vezes é retratada a
necessidade que Madre Clara tem de se relacionar intimamente com um homem, dos
desejos e de como ela tenta fugir deles: “Não
podia mais ver o corpo quase nu do Cristo”; “Passou a dormir na laje fria”; “Foram
passar a ardente lua de mel em Lisboa”.
A estória é
permeada por um cunho religioso extremo, dentro do convento a madre é
constantemente aconselhada a fugir de seus desejos e “mortificar a carne”, como
se o sexo fosse um grande pecado, do qual se devesse fugir a qualquer custo.
Mesmo sendo tão inerente à natureza humana, o desejo sexual é visto como se
fosse algo de que se devesse envergonhar.
Pode-se notar,
contudo, que a própria religião que obrigava a madre a fugir e se envergonhar
de seus desejos, dá a ela a solução para suas frustrações, a relação sexual não
é proibida quando ocorre sob a benção divina, isto é, entre um casal unido
pelos sagrados laços do matrimonio. E é baseado nas palavras de Paulo no livro
de Coríntios que o padre do convento aconselha a Madre Clara. “É melhor não casar. Mas é melhor casar do
que arder” (lispector, 1998,
p. 72).
Neste sentido, apesar
de a madre admitir seus desejos e deixar o convento, ela não sai logo em busca
de satisfação sexual, a religiosidade está tão clara neste conto que mesmo fora
do convento ela manteve um vestuário simples, como o do convento, e o hábito de
rezar, pedindo a Deus um homem; e mesmo ao encontrá-lo não cedeu logo aos
desejos sexuais, primeiro casou-se.
No conto, não é
retratado o ato sexual em si, mas apenas a necessidade que o ser humano tem de
se relacionar sexualmente, e ainda que sexo seja o tema, ainda há muito pudor
em retratá-lo.
Enfim, há um
erotismo comedido no conto, as necessidades e desejos sexuais da personagem são
retratados de maneira brilhante pela autora. A narrativa leva o leitor a pensar
sobre o sexo, sem contudo ser baixa ou chula, já que erotismo e pornografia
estão longe de ser a mesma coisa, já que a pornografia tende a retratar cenas e
objetos obscenos e o erotismo apresenta expressões de sexo, sem contudo ser
baixo ou chulo.
Sempre há de
existir na literatura obras eróticas, que despertem a atenção do público leitor
e toquem naquilo que ao longo dos tempos vem sendo tão reprimido, e ao mesmo
tempo tão cobiçado, o sexo.
Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1988
LISPECTOR, Clarice. Melhor que
arder. In: ______. A via crucis do corpo.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
3 comentários:
Na religiao o sexo so é aceito depois do casamento.Nós sabemos que o desejo sexual existe nos homens e nas mulheres,um sacerdote,uma freira deixariam de menos ou mais religiosos se pudessem casar ou praticar sexo?
Como diria meu "amigo": Melhor do que arder, só F.der! Esses textos provocam reações nunca imaginadas!!!
O desejo sexual é humano. Está no homem e na mulher é claro, desde que o mundo é mundo, a começar por Adão e Eva... Não é por ser um religioso ou religiosa que se está livre de sentir desejos. Assim foi com Madre Clara do conto e assim acontece com muitos religiosos na vida real.
FLAVIANE
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