06 dezembro 2008

A loucura de um homem pelo prazer: “O Aventureiro Húngaro”

por Luciana Machado
A história de “O Aventureiro Húngaro” perpassa quatro etapas de sua vida, que vai do céu ao inferno. O aventureiro, na verdade, era um homem esperto e sagaz, que viajava constantemente. Apelidado por “Barão” ele era o centro da atenção das mulheres. O barão teve vida sexual muito ativa chegando ao extremo.

A primeira etapa é a mais “normal” aos nossos olhos. O aventureiro conhece diversas mulheres nas suas viagens; porém, uma delas chama-lhe a atenção. É Anita, uma prostituta brasileira que fazia jus a profissão: era conhecida por “pintar o sexo com batom”. Com essa mulher, o Barão ficou mais tempo e teve duas filhas. Depois voltou a percorrer caminhos desconhecidos.

A segunda etapa da vida deste mundano se passa em Roma, em um Grand Hotel. Lá conhece uma família, pai, mãe e duas meninas. As crianças se encantaram pelo Barão e ele também pelas meninas. Brincavam inocentemente com ele, até que começa uma provocação não intencional pelas garotas, mas que agrada ao Barão. Mesmo não sendo explícita, devido à esperteza do húngaro, inicia a partir daí uma situação de pedofilia: as crianças brincavam na maior inocência, enquanto o barão aproveitava para sentir o prazer com seus “Joguinhos Eróticos”.

A terceira mudança foi marcada da seguinte forma: o barão foi para Nova York. Aqui veremos traços da loucura de um homem obcecado por sentir prazer a qualquer preço. Casado e tendo um filho, o aventureiro soube que a dançarina a qual lhe dera duas filhas, havia morrido de tanto se drogar. Lembrou-se das duas filhas que tivera com a dançarina, e que já seriam lindas moças. Pensando em se beneficiar com a situação, levou as duas para morar em Nova York com ele. Não demorou, começou um triângulo carnal (seria ousadia dizer amoroso) entre irmãs e pai, consumando um caso de incesto.

A quarta etapa desta história mostra o que fez a obsessão erótica deste aventureiro húngaro. Não satisfeito com as filhas e com a mulher, a fúria sexual passou ainda mais do limite quando violentou sexualmente o próprio filho. O fim do aventureiro é ser abandonado com sua loucura e velhice.

Erótico ou Pornográfico este texto, meu caro leitor?


O texto de Anaïs Nin pode ser considerado erótico, devido seu conteúdo lingüístico bem elaborado. Temos um texto erótico quando existe uma construção da linguagem, uma situação sexual sempre envolvida em um tipo de situação lingüística, ou seja, poética erótica, atividade subjetiva interior.

Baseando-se no livro Poesia erótica em tradução, de José Paulo Paes, é possível distinguir-se a literatura erótica da pornográfica. “Efeitos imediatos de excitação sexual é tudo quanto, no seu comercialismo rasteiro, pretende a literatura pornográfica. Já a literatura erótica, conquanto possa eventualmente suscitar efeitos desse tipo, não tem neles a sua principal razão de ser. O que ela busca, antes e acima de tudo, é dar representação a uma das formas da experiência humana: a erótica”.
Percebemos este traço de literatura erótica, no trecho do livro de Anaïs (p. 16), quando o aventureiro húngaro conhece a dançarina Anita. Perceba as descrições:

Os olhos alongados de Anita não se fechavam como os das outras mulheres, mas como os olhos dos tigres, pumas e leopardos, com as duas pálpebras juntando-se preguiçosa e lentamente; e estas pareciam levemente unidas próximo do nariz, tornando-se mais estreitas, com um relance lascivo e oblíquo pendendo dos olhos, como o olhar de relance de uma mulher que não quer ver o que estão fazendo em seu corpo. Tudo isso dava a ela um ar de quem estava fazendo amor, o que inflamou o Barão tão logo a conheceu. Quando foi ao camarim para vê-la, Anita estava se vestindo em meio a uma profusão de flores; e, para deleite dos admiradores sentados à sua volta, estava pintando o sexo com batom, sem permitir que eles fizessem qualquer movimento em sua direção.

[...]

O sexo dela era como uma gigantesca flor de estufa, maior do que qualquer um que o Barão já houvesse visto, e o pêlo em volta era abundante, encaracolado, negro acetinado. Eram aqueles lábios que ela pintava como se fossem uma boca, muito requintadamente, de modo que ficaram como uma camélia vermelho-sangue aberta à força, mostrando o botão interior, o cerne mais pálido e de pétalas mais delicadas da flor.

Outro ponto que vale destacar, meu caro leitor, refere-se à obsessão do Barão por sexo. Porque o Barão nunca se sentia satisfeito? O Barão tem traços de um ser pornográfico? Segundo Francesco Alberoni, no livro O erotismo, “a pornografia é uma figura do imaginário masculino. É a satisfação alucinatória de desejos, necessidades, aspirações, medos próprios deste século. Exigências e medos históricos, antigos, mas que persistem até hoje e que ainda são ativos.”

Pode-se dizer então que o Barão viveu na prática essa satisfação alucinatória de desejos e necessidades, marcadas em suas aventuras sexuais que o levaram à loucura. Ainda no livro de José Paulo Paes, encontramos uma afirmação, que vem de encontro à vida do aventureiro húngaro, que diz; “o remorso do pecado e a abjeção da queda são o melhor excitante para as perversões da alma e do corpo que, cristão às avessas, o poeta se compraz em imaginar.”

O Barão é um ser obsceno. Se aprofundarmos a origem da palavra, perceberemos que “o estigma de obsceno, adjetivo que o sexólogo Havelock Ellis fez remontar etimologicamente a obs + cena”, indica o que deve ficar fora de cena. Por isso quando lemos a obra, as atitudes do Barão no decorrer da estória, nos ferem o pudor, pois, nos dizeres de Alexandrian, “rebaixa a carne, associa a ela a sujeira, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras mundanas”.

Você concorda com estas afirmações? Leia o texto!!! Dê a sua opinião em nosso Blog!!!

Aproveite e atice o seu desejo, a sua libido, a sua curiosidade!!

Vamos ler o “Aventureiro Húngaro”?

[Clique aqui para ler o conto de Anaïs Nin]

Referências:

ALBERONI, Francesco. O erotismo. Tradução de Elia Edel. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

ALEXANDRIAN. História da literatura erótica. Tradução de Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

3 comentários:

Anônimo disse...

Luciana, gostei muito do estudo que você fez do conto: "O Aventureiro Húngaro" de Anais Nin, e gostei também da definição de erótico e obsceno.
Mas relembrando o conto por você estudado,o que mais dói é perceber que em nossa civilização, existem tantas pessoas que se comportam como esse aventureiro, pedófilos que molestam até mesmo crianças da própria família,eu abomino esses atos, mas no entanto eles sempre existiram e existirão.

Menina Veneno disse...

Parabéns pelo trabalho, Luciana!Legal também ter disponibilizado o conto através do link para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de lê-lo!
É interessante este conto do aventureiro húngaro... pela repugnância que nos faz sentir, já que parece “ferir” ou “insultar” nossos princípios morais, nossa sanidade mental, nossos conceitos de amor - e também do ponto de vista psicológico: será que ele era doente, era louco? Conceito de loucura, anormalidade é muito relativo. Não é fácil julgar. Acho que seria impossível fazer uma análise que asserte 100 % ou não a resposta à esta pergunta. Mas de qualquer forma é um texto que causa desconforto ao leitor, visto que no mundo em que vivemos há convenções de comportamento, de idéias, de normas. Em determinados momentos (pode-se dizer, na maioria das vezes), senti raiva e asco dele, mas às vezes também tentei entende-lo, entender suas atitudes, seus desejos, a gênese de seu “ser” um tanto quanto incomum....
Mudando de assunto, adorei a linguagem do conto, pois possui tom poético, romântico... às vezes as cenas se parecem a uma pintura, como no trecho que você, amiga Luciana, expôs em seu post no qual descreve a personagem Anita pintando seu sexo com batom. Engraçado você ter escolhido justo este trecho para compor seu post, já que desde que eu o li pela primeira vez, o achei tão lindo que se tornou minha parte predileta.
Parabéns pelo post Lú!Ah, espero que também veja o filme sobre o qual escrevi e depois me conte o que achou!srsrsrsr!bjo! Merry Christmas!

Laisa Gonçalves teixeira disse...

Luciana, gostei muito de ter achado um comentário neste blog sobre o conto "Aventureiro Húngaro" de Anais Nins, pois quando li ele algumas dúvidas me apareceram, seria ele um texto erótico? pornográfico? e/ou obsceno? A princípio fiquei um pouco receosa e cautelosa em pensar essas distinções dentro do conto, mas acho que estava indo pelo caminho certo. No conto podemos perceber o erotismo pela linguagem lírica, poética erótica. Mas também há algo da ordem do obsceno, daquilo que deve ficar fora de cena, que não deve ser mostrado, pois isso choca e fere pudores, como é o caso da explicitude da pedofilia, de incesto, e também um filho ser violentado sexualmente pelo próprio pai. Gostei do seu texto, uma leitura clara e explicativa. Abraços!!!!