29 novembro 2010

“Mathilde", de Anaïs Nin


De dos, de Hans Bellmer


Por Laisa Teixeira e Rafaela Silva

No conto “Mathilde”, de Anaïs Nin (2005), há um percurso gradual para se chegar ao primeiríssimo plano, isso constrói o caráter erótico do conto, pois há um detalhamento, um lirismo, uma preocupação estética no discurso erótico, há poesia na narração, além de não haver a pura descrição clínica do ato sexual em si mesmo. Consta-se que o objetivo de Anaïs Nin não é simplesmente excitar o leitor, como se propõe a literatura pornográfica, até mesmo porque ao final do texto há o relato de uma cena nada convencional, pois “Antônio estava observando a ponta do canivete tocar a entrada do sexo de Mathilde” (p. 36).

Apesar do lirismo e das metáforas utilizadas no conto, ele também expõe de forma mais direta, em alguns momentos, a relação sexual, o que conotaria um aspecto mais pornográfico do conto, como visto neste fragmento: “Agachou-se por cima dela como um gato gigante e o pênis entrou nela. (...) Ele ergueu a bunda dela com as duas mãos e arremeteu contra ela sem parar” (p. 33). Entretanto, verifica-se que a tentativa de classificação do conto em erótico e/ou pornográfico não é tão importante, pois há uma linha tênue entre esses dois níveis. É necessário fazer uma análise de temáticas referentes à sexualidade expostas no conto, para isso, toma-se como referencial o texto O erotismo, de Bataille (2004).

O consumo de ópio possui um lugar relevante nas práticas sexuais de Mathilde, visto que na descrição das relações sexuais há a presença do ópio, sendo que este provocava uma intensificação das sensações, proporcionava a formação de fantasias, alucinações e uma dissolução do corpo na busca do prazer. Dessa forma, a dissolução do corpo e a criação de fantasias eróticas durante o ato sexual, impulsionadas pelo consumo de ópio podem ser associadas à leitura que Bataille faz sobre a sexualidade.

Segundo Bataille (2004), há um abismo e uma descontinuidade entre um ser e outro, fato consumado na relação sexual. No texto “Mathilde”, verifica-se esta concepção de descontinuidade dos corpos sobre o ato sexual, o que fica explícito neste fragmento do texto: “As pernas se abriam de maneira inumana, impossível, como se estivesse separadas do corpo, para deixar o sexo exposto, aberto, como se alguém pegasse uma tulipa com a mão e abrisse completamente à força” (p. 28).

De acordo com Bataille (2004), o dispositivo de passagem do estado normal ao desejo erótico pressupõe uma dissolução relativa do indivíduo, que por sua vez é um ser descontínuo. Nesse movimento de dissolução dos seres, o homem possui um papel ativo e a mulher assume uma posição passiva, visto que a parte feminina é desagregada, entretanto, ao final, tanto a mulher como o homem se misturam chegando juntos à dissolução. 

Em uma das passagens do texto “Mathilde” essa dissolução dos corpos no ato sexual é demonstrada, visto que cada movimento de Martinez no ato sexual servia para abrir completamente o corpo de Mathilde, até que este se despedaçasse completamente.

Bataille (2004), em sua filosofia, demonstra que o campo do erotismo é o da violência e violação, constata-se isso também no conto, pois as várias relações sexuais estavam envoltas dessas características, isso fica evidente quando Antônio penetra Mathilde de forma violenta, fazendo com que ela caísse no chão, além disso, no final do conto o mesmo tenta retalhar a genitália de Mathilde com um canivete.

Dessa forma, o conto traz à tona diversas questões relacionadas à sexualidade humana, que ora são tratadas de forma mais lírica e em outros momentos de forma mais explícita. Conclui-se que o erotismo é marcado pelo campo da violência e violação, além de ser acompanhado pela dissolução, descontinuidade e continuidade.

Referências:
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

Erotismo: O Corpo Manifesto nos Sonetos de Aretino


Ilustração de Giulio Romano em I modi
Por Clayre Cardoso, 
Poliana Silva 
e Raquel Martins 


Na literatura encontram-se muitos autores que através de seus textos eróticos proporcionam o gozo ou a catarsis em seus leitores, pois, de uma forma excitada e excitante produzem literatura erótica, tendo como temática o erótico, o sexo, o prazer, o corpo.

Além de ser um tema complicado, a resposta do mesmo à sociedade depende também da época, das particularidades do escritor, das características da cultura em que foi elaborada, pois antes de ser literatura, o texto erótico passa por uma adaptação ao contexto cultural e, sempre que se fala em erotismo, tem-se a idéia de algo promíscuo, de orgia, de desvio de costumes religiosos. Há também a dificuldade de discernimento entre o erotismo e a pornografia, levando em conta a linguagem libertina, lasciva dos escritores.

Este trabalho tem por finalidade analisar o texto Sonetos Luxuriosos, de Pietro Aretino, com tradução de José Paulo Paes, tendo como embasamento teórico os textos de George Bataille (1987); Otavio Paz (1994); Lucia Castello Branco (2004); Flávio Moreira da Costa (2003) e José Paulo Paes (1990).

Um conceito que se faz confundir com erotismo é o de pornografia, que parece consistir na pura descrição dos prazeres carnais. O erotismo tem essa mesma descrição, porém valoriza a idéia de amor e de vida social com outro foco. Uma das distinções mais habituais que se faz entre esses dois conceitos consiste em enfatizar o conteúdo nobre e grandioso do erotismo em oposição ao caráter grosseiro e vulgar da pornografia, ambos são estrelados pela imagem do corpo.
O corpo era visto como algo pessoal, revelado somente na intimidade, mas os conceitos mudam de acordo com as épocas e os lugares. Segundo Octávio Paz (1994, p. 143-144): “A modernidade dessacralizou o corpo e a publicidade o usou como um instrumento de propaganda. Todos os dias a televisão nos apresenta belos corpos seminus para anunciar uma marca de cerveja, um móvel (...). O erotismo transformou-se num departamento da indústria da publicidade e num ramo do comércio”.

Já Lúcia Castello Branco afirma que o erotismo e a pornografia se dividem em três possibilidades, sendo que, a última diz respeito ao sentido comercial da pornografia e o sentido não-utilitário do prazer no erotismo: “ao contrário do erotismo, que corresponde a uma modalidade não-utilitária de prazer porque propõe a satisfação e o gozo como fins em si, a pornografia estaria vinculada a outros objetivos. Nela o prazer depende do pacto com a ideologia que a mesma veicula” (Castello Branco, 2004a, p. 24).

À luz de todas as teorias, pode-se afirmar que o erotismo é um fenômeno poderoso, na medida em que caminha na união dos seres, à sua imersão na origem na ordem natural do universo. A pornografia, ao contrário, insiste na mutilação dos seres, no gozo parcial e solitário, e na superexposição do corpo com o intuito de despertar desejo sexual no observador.                   
Diante dessa pequena exposição de erotismo e pornografia, considerar-se-á a passagem dos mesmos nos Sonetos Luxuriosos de Aretino, que contenham passagens explicitas ou implícitas, mas que remetam a noção de desejo e sexualidade, ligados direta ou indiretamente ao tema exposto.

Alguns poemas são compostos por diálogos de amantes em pleno ato sexual. Revelam uma mudança do status das práticas sexuais: a sodomia se desloca da relação do homem adul­to com o efebo (como na Grécia) ou com o alumnus (o jovem escravo ro­ma­no) para a relação conjugal; a mulher, ou melhor, a cortesã ganha lu­gar de protagonista – e ambos, homem e mulher, compõem uma micro-sociedade.

Um fato importante, segundo o site www.revistadacultura.com.br, é que os Sonetos Luxuriosos foram editados numa série de gravuras de Marcantonio Raimondi a partir de desenhos feitos por Giulio Romano, em 1524. O conjunto, que ficou conhecido como I modi (é o livro que contém os mesmos sonetos traduzidos de Sonetos Luxuriosos), representa 16 posições amorosas e pode ser considerado o marco inaugural da pornografia.

O italiano Pietro Aretino escreve de forma irônica e provocativa. Estes são sonetos que causam escândalo pelo teor de seu vocabulário marcado por expressões eróticas e pornográficas. Para classificar um texto quanto a sua característica, sexual, pornográfica ou erótica, é preciso observar as escolhas lexicais do autor ou tradutor, estas que podem revelar o espírito libertino e obsceno do soneto.

Os sonetos narram e ilustram, através de versos descritivos, um homem a possuir uma mulher, narrativa esta que expõe a nudez de ambos traçando seus sexos em uma perfeita harmonia. Para dar uma maior ilustração do ato sexual representado, o narrador usa o recurso da repetição de palavras como cona, trepar, cu, caralho, boceta, foder, brutal, pau.

O sexo é materialmente apresentado pelo soneto, tendo o desejo do “caralho” como motivo original inspirador na realização de seu desejo carnal pela “cona” e pelo “cu”. A expressão dessa materialidade surge na dimensão de sentidos, sendo eles: visão: “vede como nos braços a levanta”; tato: “Põe-me o dedo no cú”; manifestação de alegria: “o caralho nos dá tanta alegria”. O trajeto da materialidade do caralho é explicito, visto que este não se restringe a ser humilde, incluindo também a sua crueldade.

Nos sonetos, a vagina e o ânus são órgãos vitais, começo e fim do processo sexual, que mantém o homem vivo. Sem eles, não há satisfação do corpo masculino, não há prazer nem beleza. A imagem, numa menção evidente ao corpo quanto por metáfora, redunda na experiência do erotismo como pulsão para o outro, compartilhamento de corpos e de sentidos, e funda um jogo complexo em que as idéias de gozar, entrar e sair, circulam, levando à constatação de que é entre os corpos que o desejo se consuma.

A condição material do corpo, nesse soneto, é dotada de certa animalidade, pela forma grosseira que é tratado o ato sexual, porém vista pelo universo erótico a sexualidade surge na condição de prazer.

Segundo José Paulo Paes (1990, p. 20) estes sonetos são um marco histórico, não deixando de ser exacerbado pelo fato de mostrar a mulher na figura de uma prostituta, e também por usar ao longo dos textos expressões consideradas palavrões, este que é considerado um linguajar pouco circulável.

Esse estilo de soneto, geralmente, é encarado por conservadores e alguns críticos como textos de teor pornográfico e sacana. Pode-se destacar que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo extrapola este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de corpos se embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a finalidade de “atingir o íntimo do ser aonde o coração nos falta” (Bataille, 1987).

Para finalizar, Paz diz que “não há amor sem erotismo como não há erotismo sem sexualidade. Mas a cadeia se rompe em sentido contrário: amor sem erotismo não é amor e erotismo sem sexo é impensável e impossível” (p. 97).

Referências:
BATAILLE, George. O Erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CASTELLO Branco, Lucia. O que é erotismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos, 136).
COSTA, Flávio Moreira da.  As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
Site consultado:

Welcome to Diana: A sexualidade e o desejo em questão




Por Erli Porto, Gisele Cristiane de Assunção e Patrícia Mendes


Márcia Denser é uma escritora paulistana da contemporaneidade, jornalista por deformação profissional, segundo palavras da própria autora sobre si mesma (Denser, 2005). É ficcionista e pesquisadora de literatura brasileira. Publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Tem obras traduzidas para o alemão, holandês e inglês. Sua escrita inaugura a narrativa de uma nova mulher que rompe com o sistema de gênero onde predominava, mesmo em outras escritoras, a fala de uma heterossexualidade falocêntrica, rompendo, inclusive, com as descrições já aceitas sobre a “literatura sexual” catalogada antes dela como erótica ou pornográfica.  Segundo Cristina Ferreira-Pinto Bailey (2005), sua ficção subverte essa dicotomia, sua escrita é entendida como ficção sexual.

Márcia Denser, sendo uma escritora contemporânea, tem publicado obras que são resultados da transgressão feminina no espaço público e na literatura e dessa maneira, a voz feminina tem ganhado muito destaque nesse campo, justamente por representar uma voz/ identidade que surge para fazer um discurso contra-ideológico no que se refere à autoria feminina. Esse contra-discurso vem para desfazer padrões impostos às mulheres que, de certa forma, afetam a questão da identidade feminina, no que concerne à feminilidade, a beleza, a juventude, bem como a relação com o corpo, a sexualidade e o desejo. Márcia Denser é hoje uma escritora que deu um novo corpus à literatura, expressando o desejo, a representação do corpo e, sobretudo a sexualidade feminina de um jeito autêntico, sob o ponto de vista de uma mulher.

No conto “Welcome to Diana” alguns elementos já demonstram como será a trajetória de sua protagonista: as boas vindas dadas em inglês descreveriam uma mulher cosmopolita e o nome Diana seria uma alusão à deusa da mitologia romana (Ártemis para os gregos) poderosa caçadora e protetora das cidades, algumas das características mais facilmente percebidas na personagem, uma mulher altamente adaptada à vida na cidade grande, uma caçadora que inverte o papel de submissão da mulher frente aos jogos de sedução.

Diana Marini, a personagem principal do livro Diana caçadora está presente em todos os contos é uma mulher independente financeiramente, bem sucedida, culta, de muitas faces, apresentando uma personalidade irônica e cínica que se acentua com o abuso do álcool. Essa postura diante da vida parece significar uma dificuldade em estabelecer vínculos afetivos. Seus atos sexuais geralmente estão na esfera do animalesco, em cenas que se aproximam do grotesco. Para Bataille, “o campo do erotismo é o campo da violência, o campo da violação.” (2004). Tanto Diana como seus parceiros parecem assumir uma postura de violação do corpo do outro em busca do próprio prazer. A violência do ato sexual está em que o outro não existe, pelo menos não como um sujeito.

Em vários momentos o leitor é levado por um fluxo de pensamento dinâmico e difícil de acompanhar, causando um estranhamento das situações vividas por Diana, nas quais ora é mulher decidida e poderosa, ora é a mulher frágil no reflexo do espelho. Tal fragmentação identitária parece indicar o constante conflito entre as instâncias psíquicas do ego, superego e inconsciente. Segundo Freud (1940/1996), o ego seria a parte da vida psíquica responsável por controlar as pulsões do id, que tudo quer e não conhece limites, e os interditos do superego, as regras da moral e dos bons costumes.[1]

No conto, Silas e Fernando são dois homens, dentre vários outros que Diana perdeu-se na contagem. Suas características nos são passadas pelos olhos da protagonista, entretanto, seus papéis no conto nada mais são do que o de caça, troféu de uma mulher que exercita sua sexualidade por puro prazer. O corpo do outro é simples mecanismo para exercício de um prazer sem cara, sem subjetividade, sem afeto, sem compromisso.

A narrativa de Denser é mais complexa, tendo em vista que não se consegue classificá-la como erótica ou pornográfica, o que, segundo Bailey (2005), nos leva a caracterizar essa obra como “ficção sexual”, justamente por não apresentar uma separação específica entre o erótico e o pornográfico, como se tem costume fazer em outras produções de mesma linha temática.

Referências:
BAILEY, Cristina Ferreira-Pinto. O corpo e a voz da mulher brasileira na sua literatura: o discurso erótico de Márcia Denser. Disponível em: http://www.cronopios.com.br /site/ensaios.asp?id=128. Acesso em: 02 out 2010.
FREUD, Sigmund. Esboço de psicanálise. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (vol. XXIII). Rio de Janeiro: Imago, (1940/1996). p. 163-237.
DENSER, Márcia. Diana caçadora; Tango Fantasma: Duas prosas reunidas. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2003.
______. Os últimos dragões (como perder o tesão de escrever). Disponível em: http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id_usuario=24. Acesso em: 02 out 2010. 
______. Um pingo de sensibilidade. On line. Disponível em: http://www.germinaliteratura. com.br/mdenser.htm. Acesso em: 02 out 2010.


[1] Segundo Freud (1940/1996), o id representa a parte animalesca do homem, tudo que é herdado, fonte das pulsões e do desejo, é totalmente inconsciente. O ego é parte do aparelho psíquico que se desenvolveu a partir do id à medida que a pessoa vai tomando consciência de sua própria identidade. É responsável pela saúde, segurança e sanidade mental e tem sob seu comando o movimento voluntário. Faz uso da razão, embora não seja totalmente consciente e nem racional. Já o superego é o depósito dos códigos morais, modelos de conduta e parâmetros das inibições de personalidade. Age como um grande sensor moral e não é consciente.

A escritora Márcia Denser, na década de 1980


27 novembro 2010

Antes da ponte Rio-Niterói, de Clarice Lispector



Por Clayre Cristina Cardoso

Este é um conto um pouco confuso, narrado em primeira pessoa, constituído por várias histórias picantes, com um tom de fofoca que caracteriza a narrativa, e que faz uso de estruturas do cúmulo e da ironia do destino. É um conto considerado kitsch. Herman Brocha (1973) afirma “que o kitsch resulta de uma perversão do sistema da arte realizada por meio de uma racionalidade técnica voltada para o lucro comercial e/ou para a propaganda de sistemas de valor alheios ao campo específico dos valores da arte. No kitsch, haveria uma substituição da categoria ética pela categoria estética degredada em efeitismo”.

Neste conto, Clarice Lispector interage com o livro A hora da estrela, fazendo construção com o dialogismo.  A narradora, usa um tom despojado, da oralidade de quem conta causos e fofocas, frustando o leitor com a idéia de uma realidade traumática,vivida pela suas personagens.

Clarice Lispector descreve em seu conto situações inusitadas e grotescas, trazendo, conflitos amorosos, como traição, no caso do pai que era amante da mulher do médico.
Pois é.  Cujo pai era amante, com seu alfinete de gravata, amante da mulher do médico que tratava da filha, quer dizer, da filha do amante e todos sabiam, e a mulher do médico pendurava uma tolha branca na janela significando que o amante podia entrar. Ou era toalha de cor e ele não entrava (Lispector, 1998. p. 57).
Há também, a vingança e a violência; por ciúmes, a mulher jogou água quente no ouvido de Bastos.  Segundo Bataille (1980, p. 91-92) a violência de um propõe-se a violência do outro. De ambos os lados trata-se de um movimento que obriga a sair para fora de si, para fora da descontinuidade individual.
Bem. A mulher teve ciumes e enquanto Bastos dormia despejou água fervendo do bico a chaleira dentro do ouvido... (Lispector, 1998, p.58).
Para Angelica Soares (1999, p. 27), “sabemos que embora o erotismo seja um dos aspectos da vida interior do ser humano, este busca fora de si um objeto de desejo”.

Podemos perceber então que apesar do erotismo ser uma busca interior do ser humano, o homem não deixa de buscar o físico exterior do outro, pois como cita o conto, por ironia do destino, Bastos que havia terminado seu noivado, porque a noiva havia amputado a perna e ele que não perdoava defeito físico, acabou ficando surdo. Este é um conto que faz uso de uma série de clichês, que são consubstancias às personagens – todas estereótipos.

Clarice Lispector cria um efeito de confusão com as histórias por ela contadas que acaba atraindo o leitor, que acaba o conto dizendo que nao soube de mais notícias, reforçando a idéia de fofoca.

Referências:
SOARES, Angelica. A paixão emancipatória: vozes femininas da liberação do erotismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro: DIFEL, 1999.
ALEXANDRIAN. História da literatura erótica. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Melhor do que arder



Por Eliane Canedo

Este conto conta a história de madre Clara que vivia no convento, por exigência da família, e com o passar do tempo ela foi se descobrindo e viu que não era aquilo que ela queria.

Sonhava com homens e queria mesmo era casar, isso foi mesmo o que aconteceu porque ela tanto fez  que foi embora do convento. E logo conheceu um homem e se casou e teve vários filhos...

O conto nos faz voltar a um tempo em que moças de família eram obrigadas a viver no convento por imposição dos pais, assim escondendo os desejos das moças... Isso podemos relacionar ao que se chamaria hipótese repressiva sobre a qual podem ser levantadas três duvidas. Primeira dúvida:  a repressão do sexo seria, mesmo, uma evidência histórica? O que se revela numa primeira abordagem e que autoriza, por conseguinte, a colocar uma hipótese inicial... Um regime de repressão ao sexo.  

Clara foi levada a um mundo de devoção a Deus, no qual ela fielmente tentou manter-se, mas com o tempo o desejo foi aumentando e ela, não aguentando aquele desejo de sexo, de conhecer um homem, foi levada a abandonar a vida religiosa que nada tinha em comum com ela, era mesmo por causa da família que ela se deixou levar ao convento.

A repressão acontece desde a época das sociedades burguesas do XVII, sempre, às vezes somos obrigados a fazer coisas que não queremos, só para o bem estar de alguns (na maioria família). E até hoje se vê isso, pois nós mulheres somos criadas ou para ser dona de casa e esposa perfeita ou ir para o convento e seguir uma vida religiosa. Ainda bem que a repressão está diminuindo, a mulher de hoje está totalmente independente profissionalmente e aumentando sua autoestima e seu potencial.

Referências:
LISPECTOR, Clarice. Melhor do que arder. In: ______. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

A língua do P

Por Lana Alves

O conto “A língua do “P” pertence ao livro A Via Crucis do Corpo (1974), de Clarice Lispector. Escritora nascida na Ucrânia e que ainda pequena veio para o Brasil com os pais. Em 1943, terminou a Faculdade de Direito e escreveu Perto do Coração Selvagem, seu primeiro romance.

O conto “A lingua do “P”, narra uma experiência incômoda da personagem Cidinha, que faria uma viagem de trem de Minas para o Rio de onde embarcaria para Londres, no entanto, no decorrer da viagem entram no trem dois homens que começam a encará-la e a dizer algo, que ela percebeu que se tratava dela, em uma língua um tanto estranha de início, e que mais tarde ela percebera se tratar da língua do “P”, língua que tentava encobrir o desejo deles por Cidinha. Falavam nessa língua para que ela não compreendesse do que se tratava, ou melhor, para que a vontade deles prevalecesse pois eles, sendo homens, ocupam um lugar privilegiado no âmbito da expressão da sexualidade. Fica bem caricaturizada a forma como as figuras de poder usam do discurso sobre o sexo para seu benefício, isso também acontece em outras esferas, como no que se diz de repressão, que se desdobra na apropriação por parte de quem se diz habilitado a tratar, dominar e passar sua versão sobre algo que considera danoso, que pode desestabilizar a ordem vigente.

Em “Nós, os vitorianos”, Foucault (1988) afirma que “os discursos sobre o sexo não se multiplicam fora do poder, ou contra ele, porém lá onde ele se exercia e como meio para seu exercício”. Quem fala dele dita suas regras, e foi o que aconteceu quando Cidinha agiu como se fosse uma prostituta com o intuito de afastar os homens, ao que eles entenderam como loucura, pois ela não mais estava na posição da mulher erotizada que faziam dela, ela não estava no padrão que planejaram, e como é histórico em se tratando de loucura, Cidinha é levada á prisão.

Na prisão, não tem palavras para explicar o que ocorrera, pois sua conduta, e o lugar de onde fala, de receptora apenas dos desígnios de quem pode tratar do assunto, não a gabaritam para falar sobre sua expressão, mesmo sendo uma expressão de protesto.

A “língua” que transmitiu a mensagem que tanto a aterrorizara, não tinha explicação racional. Essa língua também é a mesma que invade e ao mesmo tempo seduz algo “puro”, inocente, é uma necessidade imposta, um grito a um ser que jazia surdo, essa língua pode ser comparada, em certo nível, às exigência com as quais, em algum ponto, nos deparamos, um “despertar” sexual. Cidinha, sem ter como se explicar, é presa e insultada por três dias, juntamente com seu cigarro que compunha bem uma característica comum de conduta da personagem que outrora adotara.

Quando Cidinha começa a se revelar ao se descobrir, quando se insinua, entra no campo do que foi descrito no domínio da sexualidade como noção de mistério, ao qual Cidinha desafia ao se revelar, assumindo um lugar na noção de obscenidade (Paes, 1990).

Quando saiu, foi de volta ao Rio, de cara lavada, sem a maquiagem da libertina que acabara sendo por algum tempo. Mas se lembrava de que quando os homens falaram em currá-la, ela desejava ser currada, aí se demonstra que ela também tem “desejos”, algo aconteceu com os sentidos de Cidinha naquela ocasião de “perigo”, descobrira-se uma devassa.

Já no Rio, andando pelas ruas de Copacabana com suas novas constatações em mente, passou por uma banca de jornal e comprou um, e lia-se que uma moça foi currada e morta no trem, a mesma moça que a desprezou. E nisso se coloca o paradoxo, a “perversidade” que a moça nega lhe traz a morte e quanto a Cidinha que a aceita, vive com a impressão de que já se sabia assim; a moça, ao negar assumir conduta semelhante a de Cidinha e antes até, de negar a aparência dela, morre, visto que na verdade ela também devia possuir em si os mesmos elementos que Cidinha, mas os nega, pois ainda tem arraigados os parâmetros sociais da mulher que nunca deve ser vulgar.

Por outro ângulo, essa moça que ficava na estação e entrava no trem para ser violentada pode ser vista como a própria imagem de Cidinha, que despreza algo que lhe é comum, a sexualidade, resistência essa que é violentada e morta quando tem que representar a prostituta, que apesar de exagerado, é aí o símbolo de expressão da sexualidade. Cidinha conclui, aos prantos, que o destino é implacável; nisso podemos enquadrar não somente o destino da moça, mas o destino dela própria, que perdeu ali uma parte de si, quando adotou uma postura sensual, acaba “matando” uma parte pudica, e se descobre um tanto perversa por saber fazer trejeitos e usar sua feminilidade para despertar a atenção do sexo oposto, mesmo que nesse caso, não visando a sedução, e sim a repulsa por parte deles.

É notável nesse conto a importância da perversidade dos homens diante de seu objeto erótico, as moças “recatadas”, pois se esse objeto se mostra demais, salta a seus olhos e lhes convida, torna-se desinteressante. Aí se impõe a imagem erótica em lugar da pornográfica em face da perversidade, visto que, para ambos, Cidinha era uma imagem erotizada, incitava o desejo criado pelo interdito que, para Bataille (2004), é a essência do erotismo. Ela não traz em si elementos pornográficos, pois não é aquilo que de imediato lhes causa excitação se mostrando, pode assim ser, quando finge ser prostituta, a visão mais erotizada e não de nível pornográfico e é causa de impulsos perversos nos homens.

Referencias:
BATAILLE, Georges. O Erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco: 1998.



Por Erli Porto

... depois... eu ainda não beijarei sua boca, não agora. Eu irei passear com a ponta de minha língua pelos seus lábios... Lindos lábios como se quisesse sentir o gosto de seu corpo através de sua boca. E lamberei sua face, como fera lambendo sua presa... Doce presa. Você será meu, só nesse momento, um breve momento. Sua orelha... Suplico que seja meu por um instante apenas, não mais que isso. Sou fera nesse momento, não me importa mais o mundo lá fora. Só penso em saborear a minha presa, linda presa. Não tente escapar! Deixe-me sentir seu gosto... O seu cheiro... Quero o seu suor em meu corpo... Minhas mãos tornam-se atrevidas e começam a explorar você. Conhecerei seu peito, suas costas, você... Novamente seus cabelos. Minha boca morderá a sua, devagar... Minha língua procurará a sua... Meu corpo tocará o seu e, então, você sentirá o que é capaz de provocar em mim... Mordo meus lábios para prender o prazer... Que prazer... E... O beijo... Ah esse beijo! Resisto. Por enquanto... Quero prolongar a vontade... Até não resistir mais... Não posso mais... Não agüento mais a vontade do beijo... Minha boca encontrará a sua, lentamente... Quero o beijo... Quero sentir o que provoca em mim...  Quero sentir meu corpo junto ao seu... Toque-me... Deixe-me sentir suas mãos...  Dê-me seu beijo... Somente um beijo... Nada mais lhe peço... Mereço esse beijo... Esperei por ele... Sonhei com ele... Chorei por ele. O beijo louco, proibido, apaixonado, quente, sem culpas, irresponsável... Que me fará sentir mulher... Beije-me.

Hipótese repressiva para a sexualidade no conto “A língua do “P”



Por Marília Nunes Ribeiro

A repressão sexual, que era própria das sociedades chamadas burguesas, foi marcada principalmente no século XVII, chamado a “Idade da Repressão”. Nessa época, existia, principalmente sobre as mulheres, uma moral que reprimia a sexualidade, a sua prática era permitida dentro do casamento e na maioria das vezes era tolerada com sacrifícios pelas mesmas. Com a ascensão da burguesia, a repressão sexual faz funcionar a máquina do capitalismo, pois, para essa sociedade, mantendo o controle sobre o sexo, os interesses sobre as classes dominadas eram mantidos.

A sociedade burguesa faz algumas concessões sobre o sexo, como escreve Foucault (1988): “Se for mesmo preciso dar lugar às sexualidades ilegítimas, que vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser reinscritas, senão nos circuitos da produção, pelo menos nos de lucro...” no caso seriam as casas de prostituição, por ecemplo, as zonas de tolerância onde tudo é permitido; fora desses ambientes, o assunto sexo se torna inexistente. 

No conto “A língua do “P” da autora Clarice Lispector, a personagem Cidinha passa por uma situação difícil e a única saída que encontra é se fingir de prostituta para se livrar dos bandidos. Depois de ter sido presa e solta pela polícia, Cidinha tinha uma preocupação: havia sentido vontade de ser estuprada pelos bandidos e diante desta descoberta a personagem disse: “Eu sou uma puta”, e isto a deixa arrasada, pois como já vimos anteriormente, esses pensamentos e desejos eram considerados como pecado e proibidos diante da sociedade e da igreja.

De acordo com Foucault (1988), “se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, à inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de transgressão deliberada”.

Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. A língua do “P”. In:______. A via Crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Melhor do que arder



Por Roberta Ferreira

O conto “Melhor do que arder”, de Clarice Lispector, narra a estória de uma madre, Madre Clara, que é obrigada pela família a ir para um convento, porém, sente desejos sexuais, e acaba por seguir os conselhos de um padre deixando o convento e procurando se casar, já que, segundo a Bíblia, é melhor casar do que arder.

Conforme afirma Foucault (1988, p. 9), até o início do século XVII, não existia tanta repressão com relação ao sexo, foi como passar dos tempos que o assunto virou tabu, algo indigno de ser comentado, e praticável apenas na intimidade dos quartos de casais: é essa repressão que se observa no conto.

No conto, a sexualidade é tratada de modo velado e sutil, em nenhum momento aparecem cenas ou termos que indiquem o ato sexual em si, nenhuma palavra obscena ou chula, ou sequer expressões de duplo sentido.

Apesar disso, o desejo sexual é o assunto principal do conto, repetidas vezes é retratada a necessidade que Madre Clara tem de se relacionar intimamente com um homem, dos desejos e de como ela tenta fugir deles: “Não podia mais ver o corpo quase nu do Cristo”; “Passou a dormir na laje fria”; “Foram passar a ardente lua de mel em Lisboa”.

A estória é permeada por um cunho religioso extremo, dentro do convento a madre é constantemente aconselhada a fugir de seus desejos e “mortificar a carne”, como se o sexo fosse um grande pecado, do qual se devesse fugir a qualquer custo. Mesmo sendo tão inerente à natureza humana, o desejo sexual é visto como se fosse algo de que se devesse envergonhar.

Pode-se notar, contudo, que a própria religião que obrigava a madre a fugir e se envergonhar de seus desejos, dá a ela a solução para suas frustrações, a relação sexual não é proibida quando ocorre sob a benção divina, isto é, entre um casal unido pelos sagrados laços do matrimonio. E é baseado nas palavras de Paulo no livro de Coríntios que o padre do convento aconselha a Madre Clara. “É melhor não casar. Mas é melhor casar do que arder” (lispector, 1998, p. 72).

Neste sentido, apesar de a madre admitir seus desejos e deixar o convento, ela não sai logo em busca de satisfação sexual, a religiosidade está tão clara neste conto que mesmo fora do convento ela manteve um vestuário simples, como o do convento, e o hábito de rezar, pedindo a Deus um homem; e mesmo ao encontrá-lo não cedeu logo aos desejos sexuais, primeiro casou-se.

No conto, não é retratado o ato sexual em si, mas apenas a necessidade que o ser humano tem de se relacionar sexualmente, e ainda que sexo seja o tema, ainda há muito pudor em retratá-lo.

Enfim, há um erotismo comedido no conto, as necessidades e desejos sexuais da personagem são retratados de maneira brilhante pela autora. A narrativa leva o leitor a pensar sobre o sexo, sem contudo ser baixa ou chula, já que erotismo e pornografia estão longe de ser a mesma coisa, já que a pornografia tende a retratar cenas e objetos obscenos e o erotismo apresenta expressões de sexo, sem contudo ser baixo ou chulo.

Sempre há de existir na literatura obras eróticas, que despertem a atenção do público leitor e toquem naquilo que ao longo dos tempos vem sendo tão reprimido, e ao mesmo tempo tão cobiçado, o sexo.

Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988
LISPECTOR, Clarice. Melhor que arder. In: ______. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O poder da imagem



Por Júlia Graciele da Silva

O conto de Clarice Lispector, “Ele me bebeu”, é uma história que na época em que foi escrita provavelmente deixou muitas pessoas inconformadas, ou melhor, as pessoas não gostariam de ouvir falar, pois, de certa maneira incomodava a sociedade em geral, vista que a homossexualidade sempre foi um grande tabu. 

No conto, a homossexualidade é tratada de uma maneira sutil, a autora faz insinuações a respeito de Affonso Carvalho e Serjoca. Enfim, a narrativa leva-nos a entender que ambos se gostaram.

Em se tratando da personagem de Aurélia Nascimento, a autora nos apresenta uma mulher fútil, a qual está sempre preocupada com a aparência e status, deixando-se levar pelo outro, porém ao perceber que o homem pelo qual está interessada é cortejado por “outro”, que é seu amigo e maquiador, esta se sente muito mal.

O mal-estar de Aurélia no conto talvez aconteça por não entender o que está acontecendo a sua volta, pois o homem a quem quer conquistar preferiu seu amigo. Ou talvez por ser naquele momento que realmente descobriu quem era, sem maquiagem e sozinha.

O fato é que Aurélia não aceita este relacionamento, e tenta achar respostas em si mesma, quando tudo acontece ela percebe que nunca existira, que o que viveu foi uma farsa, a partir daquele momento ela se reencontra consigo mesma.

O título do conto pode ser explicado sob a seguinte lógica: Aurélia entende que Serjoca, ao maquiá-la, quer apagar a mulher que realmente existe e infundir outra em seu lugar.

Para Bataille (2004), a paixão é um sentimento que nos leva ao sofrimento, sendo a busca incessante pelo impossível, a personagem Aurélia é a prova desta afirmação. Ao ter convicção que não conseguiria conquistar o ser amado ela sofre e tem uma dupla decepção, uma causada pelo ser amado e outra por seu amigo e maquiador.

Referências:
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 

20 novembro 2010

O Corpo



O corpo é um conto que pertence ao livro A via crucis do corpo, de Clarice Lispector, no qual se retrata um triângulo amoroso que é bastante estável. Xavier, comerciante bem sucedido, vive na mesma casa com duas mulheres, que se respeitam e aceitam a situação com bastante naturalidade. A estabilidade das relações amorosas entre Xavier, Carmem e Beatriz é rompida quando elas descobrem que existe outra mulher na vida de Xavier: uma prostituta que ele visitava periodicamente. A partir de então, Carmem e Beatriz vão se afastando – pouco a pouco – de Xavier, ao mesmo tempo em que vão se tornando mais unidas. A monotonia do cotidiano aliada à decepção sofrida pelas duas mulheres faz com que elas, depois de uma reflexão sobre a impossibilidade de transcender a morte, decidam antecipar o inevitável, e terminam por deliberar a morte de Xavier – plano executado pelas próprias mulheres. Depois de alguns dias do desaparecimento de Xavier, a polícia é chamada e descobre que ele fora enterrado no jardim de sua própria casa. Surpreendentemente, os policiais decidem que o melhor a fazer é esquecer tudo aquilo e sugerem à Carmem e Beatriz que arrumem suas malas e se mudem para o Uruguai.

Serão mostrados, nesse texto, alguns elementos característicos da obra, sendo que, neste livro, é importante tornar visível outra autora, uma Clarice que as pessoas não conhecem, escrevendo contos eróticos, com outro uso de linguagem, a forma naturalista e as ações do corpo. No conto O corpo, o erotismo é um elemento que segue a construção da sexualidade feminina e masculina, sendo que o erotismo será discutido através da ação das personagens, podemos perceber que além do sentido erótico que os corpos têm, existe outra característica que torna o conto com um aspecto grotesco que vão desde a caracterização física dos personagens e permeia até os aspectos psicológicos, atingindo os pontos mais altos na ação dos personagens, ou seja, nos excessos, a exemplo do exagero do sexo, da comida, etc.

Segundo Mikail Bakhtin (1999, p. 22) [...] as imagens grotescas conservam uma natureza original, diferenciam-se claramente das imagens da vida cotidiana, preestabelecidas e perfeitas. São imagens ambivalentes e contraditórias que parecem disformes, monstruosas e horrendas, se consideradas do ponto de vista da estética “clássica”, na qual isto vem pertencer à estética da vida cotidiana preestabelecida e completa. Como podemos observar, o grotesco está diretamente relacionado à imagem do corpo.

No conto O corpo, o erotismo pode ser encontrado não somente na narrativa, mas também na caracterização das personagens masculinas e femininas, no ambiente e na linguagem; não se trata de uma obra sobre sexo, mas de um texto que nos leva a outras discussões, partindo inicialmente das implicações do eu, para posteriormente entrar em diálogo com o outro. Outro ponto que se relaciona ao erotismo no conto O corpo, é a questão da sexualidade não como o foco principal desta obra, mas sim como todo um jogo de sedução e desejos produzidos pelas personagens. Ou seja, o erotismo não só é um processo individual, mas também através das influências sócio-culturais adquiriu características diferentes para o sexo masculino e feminino. Percebemos que o erotismo perpassa em quase todos os sentidos do corpo humano. Segundo Georges Bataille: “[...] o olfato, a audição, a visão, mesmo o gosto percebem signos objetivos, distintos da atividade que eles determinarão. São signos anunciadores da crise. Nos limites humanos, esses signos anunciadores têm um valor erótico intenso. Uma jovem nua é às vezes a imagem do erotismo” (1987, p. 122).

Pode dizer que o erotismo feminino se revela através do toque, da beleza, do olhar, do falar, enfim da sedução, que pode ser apenas uma sensação ou até mesmo a concretização do ato da conquista.


Pode-se falar em linguagem erótica porque o erotismo circunscreve-se no social, é codificado por meio de regras, combinação de elementos – os signos – que significam uma convenção e realiza-se como expressão de elementos que se combinam no corpo e representam modos de pensá-lo e de significá-lo (Camargo et al., 2002, p. 40). Sabemos que estes signos podem variar de acordo com determinadas culturas, porém o erótico, em todos os lugares do mundo, é conhecido e vivenciado de alguma forma pelos sujeitos. Como toda linguagem, a erótica também é passível de mudanças, altera-se conforme as transformações sociais. Entretanto, seu caráter universal permanece imutável ao longo da história da humanidade. O que muda são as interpretações a respeito do mesmo fenômeno (Camargo et al., 2002, p. 41).

Assim como afirma Bataille: “o erotismo só pode ser objeto de estudo se, em sua abordagem, for o homem o abordado” (1987, p. 8). Ou seja, primeiramente, o erotismo se faz de modo particular para depois se expandir para o coletivo.

Referencias:
ALBERONI. Francesco. O erotismo: fantasias e realidades do amor e da sedução. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília: Universidade de Brasília, 1999.
BATAILLE. Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CAMARGO, Francisco Carlos; HOFF, Tânia Márcia Cezar. Erotismo e mídia. São Paulo: Expressão &  Arte, 2002.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.