20 julho 2011

Mais poemas eróticos de Janaína Assunção


 


 Te possuir 

Como te descrever, meu delírio, ao possuir-te...
Tu, fêmea escultural, que de meus olhos nunca escapa
Que da minha boca não se desaguarra
Que dos meus desejos nunca se separa.


Fêmea desejosa que provocantemente me enlouquece
Com este ar de superioridade, me faz perder o sono
As madrugadas espero por você ( um macho insaciável!)
Espero atar-te no meu corpo e fazer-te absolutamente minha!


Como me conter, se ao passar-te por meus olhos, me provoca astuciosamente...
De propósito me faz pulsar o sangue dormente.
Tu, fêmea fugaz, me incentiva a querer viajar nesse corpo
Que, parece despercebidamente, me atrair.



Se não fosse tu, fêmea louca, eu não sentiria esse gozo
Esse contentamento e esperança de um dia ser teu
De um dia e para sempre possuir-te por completa
Enlouquecendo-te com meu corpo como tu, fêmea, o faz com o meu!



 


 


 


 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

Nosso lugar 


Só existe lugar para você e eu...
Um lugar ocupado por nossos corpos unidos, atados, colados
Onde o fazer amor é tão somente uma sublime recompensa
Onde nenhum de nós procura pronunciar uma palavra sequer...


Estamos grudados um no outro e não há tentativas de separar-nos
Teu corpo, tão bem encaixado no meu, só pede amor
Meu corpo, tão bem encarnado no teu, delira de dor.
Estamos a sós...Ninguém para nos incomodar...


Para mim, o melhor lugar para se estar é no teu corpo
É onde me realizo, me solto, me consumo de prazer...
Para você, o melhor lugar também é o meu corpo
Que te respira, te suga, te alimenta em te-me...


Enfim, renuncio-me a ti, me ofereço como uma carne suculenta,
Esvazio-me de receios, de pudores somente para melhor satisfazer-te.
Você, embrutecidamente ao mesmo tempo que suavemente, se esguia em mim:
Contorce-se, aconchega-se, entrelaça-se faminto para me possuir!


E enfim...Nos possuímos, nos devoramos mutuamente.
Você, com a carne ardente em desejos incontidos
Devora-me como se fosse a última vez...
Eu, uma fêmea carente de ti, entrego-me sem reservas...


O lugar, enfim, não nos cabe, não nos preenche...
Em dado momento, tudo se torna incompreensível.
Não existem palavras...somente gemidos
De um amor misturado com dor por nos possuirmos!
 

13 junho 2011

Dois poemas eróticos de Janaína Assunção

Enlouquecer

Já não percebo o chão, o cheiro, a chave da sua porta que me abre para o amor...
Enlouquecido por seus beijos infames, traiçoeiros e eróticos, desnudo-me para ti.
Com tua saliva abundante em meu corpo - o melhor dos meus banhos!
Com dentes suplicantes por uma promessa de eternizar o momento, devora-me!

Como a carne mais frêsca, cheirosa, convidativa ao seu caçador veloz,
Rendo-me, renuncio-me, alimento-te.
Doce carne com pimenta aromática decorada de saliva e suor.
Enlouqueço-me como um predador de amores furtivos e incontidos!


Com a dança que estremece o ventre adornado de enfeites mil,
Tu, fêmea encantadora de meus inexplicáveis prazeres, enlouque-me.
As muralhas de minha razão, meus limites todos , tu fazes cair.
E nem mesmo a melhor das minhas imaginações surpreendem-me por ti!

Tudo o que você parece desejar ao cantar no meu corpo é enlouquecedor.
Não há mais pêlos para arrepiar, não há mais o que conter : nem gritos, nem sussurros...
A mulher do meu sonho, do meu corpo, do meu prazer, da minha vida,
É das fêmeas, a mais atrevida e pura, incontida e nua, pervertida e crua...

Com esta mulher enlouquecer é morrer várias vezes para a morte e renascer mais que mil para a vida.
Com ela enlouquecer é tirar o corpo de mim mesmo e doar-me sem reservas para somente ser dela.
Com esta fêmea desejo caçar as madrugadas sedentas de todo prazer fugaz.
Enlouquecê-la de beijos, salivas, suores, mordidas...cantá-la afinando-a nas cordas do meu corpo de amor!


Poemeto erótico


Eu me delicio no teu suposto corpo tão desejado por mim
E me embrenho nestas densas matas quase que inexploradas...
São tantas sensações prazerosas, que atingimos o ápice sem parar,
Como que num movimento não só corporal, mas também psicológico...

Em me arrebento de entregas múltiplas e sensacionais no teu colo
E me entrego à melhor das viagens no teu corpo suado, molhado, atado ao meu.
São gotas de lágrimas entrelaçadas às células incontidas de nossos corpos.
Fervemos, esmorecemos e posteriormente, recompensamo-nos...

Mutuamente sou você em mim e você sou eu novamente em você.
Intuitivamente procuramo-nos, alternamo-nos, enlaçamo-nos inúmeras e incontidas vezes...
E eu já não sei o que sou (se sou), como sou em você.
E você já não se vê, não se sente, não se percebe toda de uma única vez em mim.

Poemas de Janaína Assunção


Moça
 
No ápice de nossos corpos
Está você, moça, que suga minhas energias...
Que com tão suave toque,
Me conduz ao mais supremo dos prazeres!
 
No entrelaçamento de nossos corpos
Onde não há mais espaço, 
Ofegante como uma presa à caça,
Você, moça, desesperadamente me ama!
 
No mais sublime gemido de renúncia
Em que já não há mais palavras,
Ficamos unânimes em um êxtase
Que perdura sobre nossos corpos!

Moça, o corpo que é só teu
Pode agora ser também só meu...
Na união frenética e possessa
De nossos enlaçacos corpos!


Sede e fome

Tenho sede... esta mulher cheia de contornos,
É a delícia dos meus prazeres sem fim.
É a mais apetitosa água
Que escorre pelos meus lábios e dedos e pernas...


Tenho fome... esta criatura tão sensível
É o único motivo pelo qual não resisto!
É o mais doce dos favos de mel
Que umedece meu corpo desejoso...

Tenho sede e tenho fome desta candura sensual
É a mais bela obra dos meus prazeres
É a mais esculpida dos corpos que já apalpei...

Sede e fome desta efêmera rosa avermelhada
Incontida entre lençóis...
Que, roçando entre meus membros, me conduz ao infinito prazer!

22 maio 2011

Dois Poemas Eróticos de Janaína Assunção


Gosto do teu cheiro de suor grudado no meu corpo
Gosto do teu beijo açucarado de tanto doce desejo
Gosto dos teus membros inferiores roçando meu ventre
E os teus superiores deslizando em meus cabelos...
 
Busco lembrar-me, segundos depois, da sua incontinência
Busco recordar de cada momento e movimento
Busco desesperadamente sentir de novo tamanho prazer
E pelo sono e cansaço rondo-me em meio a tanta euforia.
 
Chamo teu nome a todo instante nos meus sonhos ardentes
Chamo você de novo para mais uma vez nos amarmos
Chamo teu corpo, teu cheiro, teu suor, teu gosto quentes
E quando os possuo me derramo de orvalho...
 
Quero anciosamente possuir-te nos meus braços
Quero novamente sentir-te ao meu lado
Quero loucamente envolver-te no meu corpo
E descobrir-te e descobrir-me por inteiro...
 



Sensualidade

Suaves dedos angelicais que passeiam pelo meu corpo arrepiado
Longos cabelos cacheados que permeiam meu rosto
Delicados lábios ardentes que se fartam do meu suor
Sedosos braços brancos que me prendem ao teu corpo.
 
Precioso gosto de uma fruta desconhecida
Cujo aroma me é apetitoso
Cujo aspecto me é atrativo
Cujo desejo me é necessário...
 
Saboroso gosto de pêra, nêspera, pêssego
Aveludados, temperados e ainda avermelhados...
Delicados cachos de uvas amadurecidas
Cuja fertilidade anuncia outra primavera...
 
Mulher fértil, abastecida de adornos incomparáveis
Que, despida, é toda delícia dos frutos
E vestida, toda cobiça do meu pomar
Mulher carnal, nua e também sensual...
 
Gosto do teu rosto macio e corado, mulher angelical
Gosto das tuas tranças desfeitas envoltas nas minhas pernas
Gosto das lábias que tem os teus lábios para me seduzir
Mas gosto mais ainda de você completa, minha e nua!


16 dezembro 2010

A temática erótica de “Era te ver”



Por Raquel Martins

Erotismo
A origem de Eros advém da união entre Ares, deus da guerra e Afrodite, deusa da beleza e do amor. Afrodite, com inveja da beleza da jovem Psiquê, incumbe o filho de fazer com que a moça se apaixone pela mais desprezível criatura da terra e, por um acidente, Eros fere-se em suas próprias flechas e apaixona-se por Psiquê. Descoberto o envolvimento, Zeus, supremo do Olimpo, ordena que vivam separados e Psiquê passa a conviver com a dor da tristeza, à espera de Eros. Ou seja, a alma vive incompleta, infeliz enquanto não encontra o amor. Em O que é erotismo, Lucia Castello Branco diz que “o mito grego nos diz que Eros é o deus que aproxima, mescla, une, multiplica e varia as espécies vivas” (BRANCO, 2004, p. 8).

Platão explica a busca pelo amor, quando Aristófano relata que no começo todos os seres humanos eram de dupla sexualidade e, por castigo de Zeus, foram mutilados, separados e condenados a vagar pela terra, na ânsia se encontrar a metade perdida. A partir dessa visão mitológica da bipartição dos homens é que se explica a essência do erotismo para alguns escritores, como por exemplo, George Bataille. Em sua obra O erotismo (p. 15), o autor defende que este se articula em volta de movimentos contrários: a busca de continuidade dos seres humanos, a tentativa de permanência além de um momento fugaz, ao contrario do caráter mortal dos indivíduos, sua incapacidade de superar a morte. Para Bataille, os indivíduos se lançam nessa busca de permanência porque carregam consigo uma espécie de isolamento, acompanhada de certa nostalgia pela continuidade de sua metade perdida.

A ideia de erotismo como uma simples evidência de desejo sexual é banida por muitos autores que discutem o tema. Para eles o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que o erotismo vai além desse conceito, consistindo nas manifestações de desejo como um todo, sendo de exclusividade humana. Talvez o que se pretende explicitar é que o erotismo não se limita aos mecanismos da genitalidade do sexo, ele vai muito além, superando essas barreiras, pois não se trata de uma simples atração da espécie e sim da possível “sede” dos corpos. É inerente ao ser humano desejar e essa característica faz com que todos os seres humanos sejam eróticos.

Pertencente a uma corrente de poetas-críticos contemporâneos, Affonso Romano de Sant’Anna aborda o erotismo em muitos de seus poemas, estes que são feitos com palavras populares, uma linguagem coloquial que proporciona maior integridade com o público, expressando tanto o lado humano do erótico quanto o lado poético.

 ERA TE VER

Era te ver, e meu pau se erguia
Como a cobra à magia do canto
Em tua boca,
E te seguia como a enguia
Busca a loca, como a águia busca o ninho
E a raposa encontra a toca

Meu pau se erguia, e se parecia ao cisne
No alvoroço do seu canto moço
Ou à andorinha que na boca da noite
De vertigem ficou louca

No poema “Era te ver” podemos perceber que o poeta compara o seu estado de prazer com elementos altamente poéticos. Para Paz “a relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal” (p. 12).

Ao mesmo tempo em que usa termos poéticos, o poeta usa termos “chulos”, como, no momento em que ele faz comparação de seu “pau”, no momento da ereção, com a cobra que se ergue à “magia do canto”; e a perseguição que este faz à amada, com a “enguia que busca a loca”; “como a águia que busca o ninho”, no momento em que ele está buscando o corpo da amada para realização do seu desejo e “como a raposa que encontra a toca”, para ilustrar o momento da penetração. Seu genital é igualmente comparado ao “cisne no seu canto moço ou à andorinha que na boca da noite de vertigem ficou louca” para representar o clímax desse desejo, o orgasmo. A repetição da expressão “meu pau se erguia”, reafirma o intenso desejo que o amante sente ao ter a visão do corpo desejado.

Affonso é considerado o poeta dos contrários, indeciso, irônico em relação à existência humana. Seus poemas contêm muito de metonímias e metáforas e não são organizados de acordo com regras pré-estabelecidas de ritmo, metro e estrofes. O poeta intercala discurso direto com linguagem figurada.

Em relação ao corpo, Paz (p. 182) diz que o encontro erótico começa com a visão do corpo que se torna uma presença, que por um instante contém todas as formas do mundo. E ao abraçarmos essa forma deixamos de vê-la e ela deixa de ser presença. O que vemos são apenas “olhos que nos miram, uma garganta iluminada pela luz de uma lâmpada, o brilho de um músculo, a sombra que desce do umbigo ao sexo. Cada um desses fragmentos refere-se a uma totalidade do corpo” (PAZ, 1994, p.182). O corpo da companheira deixa de ser uma forma e torna um lugar onde ele se perde e se recobre. Perde como pessoa e recobre como sensações.

Pode-se destacar que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo extrapola este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de corpos se embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a finalidade de “atingir o intimo do ser aonde o coração nos falta” (BATAILLE, 1987).

Referências:
BATAILLE, George. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CASTELLO Branco, Lucia. O que é erotismo.  São Paulo: Brasiliense, 2004.  (Coleção Primeiros Passos, 136).
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1985.
PAZ, Octavio. A dupla chama. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
SANT’ANNA, Affonso Romano, 1937. Poesia reunida: 1965-1999. Porto Alegre: L&PM, 2004. 2 v; 18 cm (L&PM Pocket).
http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1067     

O erotismo no conto “O Internato”



Por Flaviane Tereza e Marília Nunes

Baseando-nos nas orientações teóricas de Octávio Paz (1994), em A dupla chama: amor e erotismo, e Michel Foucault (2004), em “Nós, vitorianos”, faremos uma breve análise sobre o tema do Erotismo, e em seguida, analisaremos o conto “O Internato” da autora Anaïs Nin (2005), observando seus aspectos eróticos.
Segundo Octávio Paz (1994), o erotismo que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração recíproca por longo tempo está no olhar apaixonado e na admiração pelas qualidades que se consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre a primeira vez. 

O sentimento é uma exceção dentro dessa grande exceção que é o erotismo diante da sexualidade, mas é uma exceção que aparece, porém, em todas as sociedades e épocas. Não há amor sem erotismo como não há erotismo sem sexualidade, o amor por sua vez também é cerimônia e representação, mas é alguma coisa mais: uma purificação que transforma o sujeito e o objeto do encontro erótico em pessoas únicas. O amor é a metáfora final da sexualidade, a sexualidade é animal, o erotismo é humano. Ainda segundo o autor, o encontro erótico começa com a visão do corpo desejado, vestido ou desnudo o corpo é uma presença, uma forma que, por um instante são todas as formas do mundo.

Essa questão do erotismo pela visão do corpo desejado é presente no conto “O Internato” que está no livro Delta de Vênus: histórias eróticas, da Anaïs Nin (2005) e conta uma história que aconteceu em um internato para meninos, dirigido por padres jesuítas. Entre esses padres, havia um que era meio indígena e que se excitava com frequência ao observar os meninos, em especial, um lourinho com pele de garota. No confessionário, esse padre fazia perguntas tão obscenas como: “já se acariciou?”, “tem ereção?”, “já olhou outro menino nu?”, que logo os meninos aprendiam sobre “sexo”. Esse fato exemplifica bem o que diz Foucault (2004) sobre o papel da confissão para a construção de um saber sobre o sexo. Segundo o autor, a confissão foi e ainda é a matriz geral que rege a produção do discurso verdadeiro sobre o sexo, discurso este, em que se reconstitui o que foi feito pela confidência dos prazeres individuais. Atiçados por tais perguntas, os meninos começaram a sentir desejos sexuais e durante uma excursão, alguns deles se perderam e entre eles estava o lourinho, que depois de algum tempo foi jogado no chão e abusado sexualmente pelos outros garotos.

O conto apresenta várias cenas eróticas, como por exemplo, o momento em que o padre ficava observando o corpo nu de um dos meninos e também quando ele se excitava perante o lourinho. E assim percebemos que o texto contém passagens explícitas e implícitas, que remetem à noção de desejo e sexualidade reprimida, visto que o ambiente é um internato e, portanto, eles não tem convivência com mulheres. A história é permeada por um cunho religioso, um lugar opressor e cheio de regras, onde o corpo é visto como algo do qual os meninos deveriam se envergonhar, porém, com o tempo, o que eles aprendiam era a ter sonhos e pensamentos eróticos: “E sonhava que fazia amor com vicunhas, e acordava todo molhado manhã após manhã.

Segundo Octávio Paz (1994), a chamada literatura erótica que se propõe a estudar o prazer, o corpo e suas expressões, ainda é vista como algo desnecessário, que deve permanecer velado. O papel da literatura erótica é muito mais do que simplesmente excitar o leitor. Ela cumpre a função de fazer pensar sobre questões diversas do comportamento humano no nível emocional, social e cultural. No conto em questão, a linguagem erótica emite sentidos e idéias que nos remetem aos verdadeiros sentimentos e necessidades daquele padre e principalmente daqueles meninos que, ao abusarem do lourinho, experimentaram a sensação do prazer e da satisfação sexual.




Referências:
 NIN, Anaïs. O Internato. In: ______. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: LP&M, 2005.
PAZ, Octávio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2001.
______. Sexualidade e poder. In: ______. Ética, Sexualidade e Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. (Ditos e Escritos V). 

Expressão periférica da sexualidade em "Resinas para Aurélia"


Por Lana Alves

Em Terra de Palavras (2008), estão reunidos contos de diversos autores com temas como o negro, a mulher, a criança de rua, a morte, o doente, aquele que está para morrer, o solitário e no conto “Resinas para Aurélia”, de Mayra Santos-Febres, escritora porto-riquenha, algo de ordem sensual também aparece, do que, em uma entrevista ela mesma fala sobre:
A sensualidade é a maneira mais direta de se conectar com o mundo. Sem os sentidos não vemos, não cheiramos, não tocamos, não ouvimos, nem gostamos do mundo. O resto é derivado. O pensamento é a trilha dos sentidos e às vezes sua armadilha. Por querer escapar da armadilha, volto à sensualidade. Talvez assim possamos repensar o mundo de uma maneira mais íntegra. Embora, tampouco seja ingênua. Sei que o corpo é um espelho oblíquo e que os sentidos tampouco são o lugar da pureza, nem do acesso direto a verdade. Mas eu nunca aspirei à pureza e muito menos a verdade.  Na verdade, rejeito. Não creio que sirvam para muito, nem a do corpo, nem a da escrita, nem a da razão. A pureza e a verdade são assépticas. E o asséptico não é bom caldo de cultivo.
O conto inicia com uma letra de uma cantiga porto-riquenha e logo nos apresenta Lucas, personagem principal do conto, que parava seu ofício para ver passar as “putas” da Patagônia com suas tornozeleiras que lhes identificava o oficio. Lucas morava com sua avó Nana e seu afeto por ela era muito grande, com ela aprendera tudo sobre seu trabalho.

Nana pedia a Lucas que fosse ao Conde Rojo, prostíbulo próximo, “para buscar merda de putas jovens misturada com sangue menstrual” crendo ser um bom fertilizante. Dessa forma, Lucas se acostumara às “putas” desde pequeno, frequentemente se deitava com elas que o faziam entrar e se trocavam se arrumavam em sua frente, essa conduta que paira ao “aliciamento” por parte das prostitutas, foi vista como ameaçadora à moral da sociedade e como pode ser percebido a partir da leitura de Do cabaré ao lar (1985) na França, um regimento previa que as casas de tolerância (e o que ali se praticava) deveriam ser registradas na polícia, as meretrizes possuíssem uma carteira sanitária de identificação e passassem por exames médicos obrigatórios; dessa forma, tenta-se dominar “o mau necessário”, colocando-o facilmente sob controle, tudo isso pautado em um discurso médico-social de prevenção do bem público.

É destacado, no conto, que ninguém além das putas encarava Lucas, ninguém se dava conta de suas feições, mas as boas senhoras, por vezes encantadas pela habilidade de Lucas e com seus dedos firmes, imaginavam que eles lhes fossem capazes de tirar-lhes de dentro toda secura e fazer-lhes desmanchar em rios de âmbar suculento, coisas das quais elas se protegiam para assegurar sua respeitabilidade.

Também em Do cabaré ao lar (1985) é delineado o padrão de mulher que por muito tempo se estendeu e ainda lança raízes em nossa sociedade que prega uma sexualidade um tanto livre. No livro tem-se uma descrição de uma esposa-dona-de-casa-mãe-de-família, que não deve nem sentir prazer, ou seja, deve manter sua castidade mesmo casada, pois o orgasmo de uma mãe é vergonhoso, e suas obrigações como mãe são pautadas em um discurso da natureza de ser mãe. A mulher que não segue esse padrão se insere no campo sombrio da anormalidade do pecado e do crime, ou ainda da prostituição. A esposa privada de seu prazer tem um cônjuge que, biologicamente possui maior desejo sexual e dessa forma, “respeita” sua esposa, mas deve reafirmar cotidianamente sua sexualidade, e dessa forma, procura a prostituta. A questão do controle da expressão da sexualidade pode também ser vista em Foucalt (1988) que se refere à dinâmica do poder como controle das sexualidades, ditando onde e quando o sexo é permitido e insere também a necessidade da confissão como um de seus mecanismos. Esse poder toma posse de discursos diversos, dentre os quais o médico-biológico e o religioso, para, de acordo com a cultura e a susceptibilidade de crença das pessoas, controlar suas expressões. 

Uma enchente inundou a cidade e a avó de Lucas morrera, Lucas tinha ido ao Conde Rojo e lá conheceu Aurélia, com quem passou a noite e por quem se apaixonou. Ele compara a cor da moça à substância amarela, mel, que acabara de destilar do coração das árvores e nisso pode-se perceber uma característica que se confunde com o fetichismo. No entanto, apesar de a todo o momento comparar a mulher e a relação com os objetos com os quais mantém grande contato, a constituição perversa não está aí, seu dismorfismo se coloca mais em face de uma desorganização atual, de ordem afetiva, que possivelmente possuía uma predisposição estrutural, visto que Lucas não possui uma vida afetiva satisfatória, e seus relacionamentos sociais eram precários, limitando-se à sua avó e as meretizes.

Quatro dias depois, foi buscar a mulher amarela no que sobrou do prostíbulo. Não encontrou. Lucas fora chamado para resgatar cadáveres que ninguém quis recolher por medo de contaminação, os cadáveres de “putas”. Imaginava como ninguém as ia buscar e como as jogariam no depósito, cremadas, sem uma única carícia de despedida, aqueles corpos que o povo inteiro tinha manuseado e dos quais agora queriam se desinteressar.

Um dia, Lucas caminhava pelas margens do rio e de repente viu algo do outro lado da água, tirou a camisa e se jogou no rio, depois de algum tempo percebeu ser Aurélia. Levou-a para casa e começou a despi-la, lavou seu cabelo com sabão e perfumou com água de rosas. Foi até a oficina e pegou a mesma solução que houvera usado com Nana, tinha mais que o suficiente para cobrir aquele corpo de passarinho.

Relaxou-lhes os músculos, até que sentiu que a fricção e outras coisas lhe devolveram calor à pele, sentia certo calor que vinha de dentro da carne da moça. Em determinado momento, Lucas não pode mais, despiu-se colocou um pouco de resina na pélvis, no púbis e em seu membro, com os dedos destravou a vulva de sua amada e ali mesmo, foi penetrando na doce Aurélia de âmbar e resinas.
Gozou dentro dela contraindo todos os músculos das costas, se esvaiu como um saco de leite entre as pernas, lhe gritou ao ouvido que a amava, que a queria para sempre, adormeceu sobre o cadáver e sonhou que a mulherzinha amarela o rodeava com seus braços e lhe dava beijinhos de amor.
Ao despertar foi ao povoado e voltou com dois grandes blocos de gelo, um facão e potes de latão, dos que usava para recolher resina, pediu dispensa do serviço de resgatar “putas” afogadas, ia com menos frequência aos prostíbulos e três vezes por semana se trancava na oficina com uma lata cheia de unguentos e uma garrafa de água de flores e não saía até de madrugada, sorridente e cheio de suores pegajosos em toda a pele.

Bem (2005) afirma que a experiência popular é reorganizada por discursos dentre esses o popular e o nacional e acrescenta um terceiro que gira em torno do corpo, saúde e sexo. Fala de uma identidade física que baseada nos dois outros discursos organiza os discursos sobre o corpo, que estão grandemente relacionados ao racismo e consequentemente à discriminação. É através do discurso público que se mantém a segregação, seja por base em condutas que são ditas imorais ou até antinaturais, seja por diferenças físicas, econômicas, religiosas. Os olhares das pessoas se fixavam nas mãos de Lucas, assim como só focavam nas tornozeleiras das “putas”. Essa simbolização da identificação das classes periféricas da sociedade é muito interessante, pois tanto com Lucas quanto com as “putas”, algo os identifica e os separa do “normal”, algo os coloca em “seus lugares”, para que não se misturem e ameacem o padrão. E esse “algo” é sustentado pelo discurso popular que excluirá esses corpos servis.

Nesse conto, tem-se a representação da união de segmentos periféricos da sociedade baseados nesses discursos da experiência popular, Lucas não era sequer encarado, era um simples jardineiro que se prestava a serviços periféricos que ninguém faria, aí também se detêm a colocação das prostitutas, que em seus prostíbulos foram reconhecidas como necessárias, mas que no cotidiano, são negadas e recriminadas. Essa união se dá com a colocação de Lucas à margem da sociedade, não aceito por ela e assim sem relacionamentos amorosos com constituintes aceitos dessa sociedade, relacionando-se com prostitutas, outra subclasse. Lucas cresce tendo contato com as “putas” e as fezes delas, coisas que a sociedade recrimina, logo, se insere nesse lugar de recriminado, e o que faz não deve ser bem visto por ela, seu ofício e as suas demais condutas, incluindo sua sexualidade.

Em certo ponto, pode-se pensar em uma sexualidade perversa em Lucas, mas isso não pode ser afirmado ao levar em conta que antes da morte de Aurélia, seu objeto de desejo era “normal”, tendo desejo por mulheres fora da “necrofilia”. Talvez ele agora tenha se fixado a um objeto além da morte, isso seria perversão no sentido de desrespeito à moral instituída, visto que a necrofilia, que ele adota, é crime, assim sendo, ele acaba de assumir uma conduta perversa de sexualidade, mas que não é uma sexualidade perversa em sua constituição.


Referências: 
BEM, Arim Soares do. A dialética do turismo sexual. São Paulo: Papirus, 2005. (Coleção Turismo).
FELISBERTO, Fernanda. Terra de palavras: contos. Rio de Janeiro: Pallas: Afirma, 2008.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.
MORGADO, Marcia. Literatura para curar el asma. Entrevista com Mayra Santos-Febres. Disponível em: http://barcelonareview.com/17/s_ent_msf.htm
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930/ Luzia Margareth Rago. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 198
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