06 dezembro 2008

Charles Bukowski: Considerações sobre libertinagem em “Notas de um Velho Safado”


por Carlos Roberto Oliveira


Biografia libertina


Como pensar a América, mais especificamente os Estados Unidos, de maneira onde a indecência, a decadência, a libertinagem, a depravação e tudo mais se encontram? Bem, pensando assim, é difícil imaginar alguém que realmente faça ou que tenha feito isso na literatura norte-americana, mas houve sim alguém com todas essas características e mais, que soube se utilizar disso de forma engraçada e simples. O escritor em questão pode ser encontrado na figura de Henry Charles Bukowski, ou simplesmente, Charles Bukowski.


Bukowski, durante sua carreira literária, ficou conhecido como o “velho safado”, pois sua obra realmente começou a ser reconhecida somente depois dos seus 40 anos, e sua escrita revelava personagens marginais, bêbados, fracassados, degenerados, miseráveis, incluindo o próprio Bukowski na figura de seu alter-ego mais famoso, “Henry Chinaski”, de outros alter-egos e até como ele mesmo, nas histórias.


Relatando casos de várias espécies sobre esses personagens, suas histórias revelam o lado mais libertino da América, mas ao mesmo tempo criticam de forma bem humorada os costumes e hábitos dos cidadãos americanos. Alemão, nascido em 1920, foi para os Estados Unidos ainda muito pequeno, em 1923, e viveu toda sua vida lá até 1994, quando morreu aos 73 anos, vitimado por uma leucemia. O status de “velho safado” não é por menos, o escritor realmente viveu uma vida depravada, miserável, marginal e utilizou toda sua vida como inspiração para suas obras literárias. Não poupava nada e nem ninguém em suas histórias sujas, conseguiu muitos problemas e arranjou muitos inimigos também, pois a escrita de Bukowski sempre era inspirada no mundo marginal, libertino, por vezes miserável e até mesmo perigoso, mas sempre contando com a simplicidade, o humor direto e objetivo.


O autor realmente viveu meio marginalizado, cresceu nas ruas dos Estados Unidos, viveu com um pai extremamente autoritário e bêbado, saiu de casa muito jovem, estudou jornalismo, sem se formar e viveu trabalhando em empregos temporários até conseguir ser reconhecido na Literatura. Lembrando-se também que Bukowski era um sujeito feio, que durante sua juventude sofreu com sérios problemas de pele, o que o fez se tornar anti-social e alcoólatra: diz-se que é daí que vem toda a inspiração de suas histórias.


A respeito do alcoolismo do autor, este detalhe não pode passar despercebido, o próprio dizia que depois que ele descobriu o álcool e os livros, tudo ficou um pouco mais tolerável. As histórias realmente são contadas geralmente com o autor envolvido em bebedeiras, farras, todas sempre terminadas de formas violentas e depravadas. Essas características na escrita de Bukowski fizeram-no ficar conhecido como um escritor maldito, por vezes considerado um escritor beatnik honorário, coisa que o próprio autor renegava por não achar que houvesse afinidades com tal grupo. De certo o autor estava correto em não se enquadrar a um grupo literário; sua escrita, de aspecto sensacional e obsceno, desmascara muito da própria literatura americana e seus autores.


Mas a escrita do “velho safado”, o lado libertino e obsceno de contar as coisas, o aproximam muito dos grupos de libertinos do século XVII, mais precisamente aos chamados “libertinos de costumes” como assinala a teórica Elaine Robert de Moraes: “...quando se diz que os libertinos de costumes são personagens do século XVII, isso significa que neste momento um tipo de conduta não só adquire visibilidade social, mas também constitui um grupo reconhecido por características particulares: desafio à moral e à religião, desprezo pelos preconceitos vulgares e prática de atos cruéis...”. Em obras como Mulheres, Misto Quente, Cartas na Rua, entre muitas outras que vão desde o poema ao romance, o autor conserva o mesmo tom irônico, crítico, marginal, que se iguala a qualquer característica libertina.


As Notas de um Velho Safado


Charles Bukowski possui a alcunha de velho safado justamente por descrever em suas narrativas e versos o submundo dos cidadãos norte-americanos, sempre com ironia e cinismo, mas nunca se esquecendo de um bom senso de humor. Escreveu tanto poesia quanto narrativas, sendo que esta última só começou possuir reconhecimento pelo público após seus 40 anos.


Bukowski publicou cerca de 30 livros. Marginal e marginalizado, obsceno, crítico e cínico, sempre alcoolizado, mas sempre engraçado, o escritor, por vezes, foi considerado um escritor beatnik, pelo despojamento formal na escrita, quanto pelo estilo de vida destes. No entanto, podemos relacionar também a literatura bukowskiana com a literatura libertina do século XVII, onde a busca pela liberdade ao extremo, desafia tanto a moral, quanto a religião. Tais autores libertinos, denunciando e também atuando em delitos graves, sempre acompanhados por figuras loucas, marginais, pretendem, dessa forma, denunciar o mundo onde vivem. Assim assinala Eliana Robert Moraes: “diferentes naturezas, diferentes volúpias libertinas”.


Principalmente na coletânea de crônicas Notas de um velho safado, que tem sua 1ª edição datada de 1969, que podemos perceber claramente a aproximação que o autor possui com a libertinagem. O livro é uma série de crônicas que o autor publicou em aproximadamente 14 meses, em um jornal alternativo de Los Angeles. Até mesmo a concepção dos textos possui caráter libertino. As crônicas não apresentam nenhum formalismo acadêmico, não possuem títulos, sendo que umas são separadas das outras apenas por um grande ponto.


O autor sempre está bêbado e nas situações mais absurdas e perigosas. A liberdade para a escrita do Velho Safado é percebida logo no prefácio do livro, onde afirma:


Parecia não existirem pressões: Era só sentar próximo à janela, erguer uma cerveja e deixar que viesse. Tudo que quisesse aparecer, apareceria [...]. Pense nisso você mesmo: liberdade absoluta para escrever qualquer coisa que você quiser” (p. 06).


Mas essa liberdade não estava apenas relacionada à escrita, havia também a vida que não era politicamente correta, as loucuras de bêbados, falando abertamente de bebedeiras, marginais, artistas, assassinatos, política. Uma característica importante no livro é que a linguagem do velho safado sempre termina bem, os personagens oscilam entre o próprio Bukowski, seu alter-ego, Henry Chinaski e outros personagens. Observa o tradutor Pedro Gonzaga, no prefácio do romance “Misto Quente”, obra autobiográfica do autor: os palavrões, a escatologia, os porres homéricos são mentiras que nos convencem da verdade, mentiras que nos fazem acreditar, mentiras que tornam nossas próprias mais suportáveis, mentiras que são base primeira da literatura” (p. 06).


A literatura de Bukowski busca justamente, dizer com simplicidade as coisas mais complicadas da condição humana, em versos como:


“Quando o Amor se transforma num comando, o Ódio pode transformar-se num prazer.”


“Se você não jogar, jamais irá vencer.”


“Pensamentos bonitos e mulheres bonitas jamais perduram.”


“Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de uma maneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil de uma maneira simples” (p. 215-217).


Assim, buscando essa liberdade e simplicidade, o autor faz as coisas difíceis, os momentos duros parecerem mais leves pois, após a leitura, percebemos que há vidas tão corriqueiras como a do próprio leitor.


Leia mais sobre Bukowski

Referências:

BUKOWSKI, Charles. Misto-Quente. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre: L&PM, 2006.


______. Notas de um velho safado. Tradução de Albino Poli Jr. Porto Alegre: L&PM, 2006.


MORAES, Eliane Robert. Marquês de Sade: um libertino no jardim dos filósofos. São Paulo: Educ, 1992.

A loucura de um homem pelo prazer: “O Aventureiro Húngaro”

por Luciana Machado
A história de “O Aventureiro Húngaro” perpassa quatro etapas de sua vida, que vai do céu ao inferno. O aventureiro, na verdade, era um homem esperto e sagaz, que viajava constantemente. Apelidado por “Barão” ele era o centro da atenção das mulheres. O barão teve vida sexual muito ativa chegando ao extremo.

A primeira etapa é a mais “normal” aos nossos olhos. O aventureiro conhece diversas mulheres nas suas viagens; porém, uma delas chama-lhe a atenção. É Anita, uma prostituta brasileira que fazia jus a profissão: era conhecida por “pintar o sexo com batom”. Com essa mulher, o Barão ficou mais tempo e teve duas filhas. Depois voltou a percorrer caminhos desconhecidos.

A segunda etapa da vida deste mundano se passa em Roma, em um Grand Hotel. Lá conhece uma família, pai, mãe e duas meninas. As crianças se encantaram pelo Barão e ele também pelas meninas. Brincavam inocentemente com ele, até que começa uma provocação não intencional pelas garotas, mas que agrada ao Barão. Mesmo não sendo explícita, devido à esperteza do húngaro, inicia a partir daí uma situação de pedofilia: as crianças brincavam na maior inocência, enquanto o barão aproveitava para sentir o prazer com seus “Joguinhos Eróticos”.

A terceira mudança foi marcada da seguinte forma: o barão foi para Nova York. Aqui veremos traços da loucura de um homem obcecado por sentir prazer a qualquer preço. Casado e tendo um filho, o aventureiro soube que a dançarina a qual lhe dera duas filhas, havia morrido de tanto se drogar. Lembrou-se das duas filhas que tivera com a dançarina, e que já seriam lindas moças. Pensando em se beneficiar com a situação, levou as duas para morar em Nova York com ele. Não demorou, começou um triângulo carnal (seria ousadia dizer amoroso) entre irmãs e pai, consumando um caso de incesto.

A quarta etapa desta história mostra o que fez a obsessão erótica deste aventureiro húngaro. Não satisfeito com as filhas e com a mulher, a fúria sexual passou ainda mais do limite quando violentou sexualmente o próprio filho. O fim do aventureiro é ser abandonado com sua loucura e velhice.

Erótico ou Pornográfico este texto, meu caro leitor?


O texto de Anaïs Nin pode ser considerado erótico, devido seu conteúdo lingüístico bem elaborado. Temos um texto erótico quando existe uma construção da linguagem, uma situação sexual sempre envolvida em um tipo de situação lingüística, ou seja, poética erótica, atividade subjetiva interior.

Baseando-se no livro Poesia erótica em tradução, de José Paulo Paes, é possível distinguir-se a literatura erótica da pornográfica. “Efeitos imediatos de excitação sexual é tudo quanto, no seu comercialismo rasteiro, pretende a literatura pornográfica. Já a literatura erótica, conquanto possa eventualmente suscitar efeitos desse tipo, não tem neles a sua principal razão de ser. O que ela busca, antes e acima de tudo, é dar representação a uma das formas da experiência humana: a erótica”.
Percebemos este traço de literatura erótica, no trecho do livro de Anaïs (p. 16), quando o aventureiro húngaro conhece a dançarina Anita. Perceba as descrições:

Os olhos alongados de Anita não se fechavam como os das outras mulheres, mas como os olhos dos tigres, pumas e leopardos, com as duas pálpebras juntando-se preguiçosa e lentamente; e estas pareciam levemente unidas próximo do nariz, tornando-se mais estreitas, com um relance lascivo e oblíquo pendendo dos olhos, como o olhar de relance de uma mulher que não quer ver o que estão fazendo em seu corpo. Tudo isso dava a ela um ar de quem estava fazendo amor, o que inflamou o Barão tão logo a conheceu. Quando foi ao camarim para vê-la, Anita estava se vestindo em meio a uma profusão de flores; e, para deleite dos admiradores sentados à sua volta, estava pintando o sexo com batom, sem permitir que eles fizessem qualquer movimento em sua direção.

[...]

O sexo dela era como uma gigantesca flor de estufa, maior do que qualquer um que o Barão já houvesse visto, e o pêlo em volta era abundante, encaracolado, negro acetinado. Eram aqueles lábios que ela pintava como se fossem uma boca, muito requintadamente, de modo que ficaram como uma camélia vermelho-sangue aberta à força, mostrando o botão interior, o cerne mais pálido e de pétalas mais delicadas da flor.

Outro ponto que vale destacar, meu caro leitor, refere-se à obsessão do Barão por sexo. Porque o Barão nunca se sentia satisfeito? O Barão tem traços de um ser pornográfico? Segundo Francesco Alberoni, no livro O erotismo, “a pornografia é uma figura do imaginário masculino. É a satisfação alucinatória de desejos, necessidades, aspirações, medos próprios deste século. Exigências e medos históricos, antigos, mas que persistem até hoje e que ainda são ativos.”

Pode-se dizer então que o Barão viveu na prática essa satisfação alucinatória de desejos e necessidades, marcadas em suas aventuras sexuais que o levaram à loucura. Ainda no livro de José Paulo Paes, encontramos uma afirmação, que vem de encontro à vida do aventureiro húngaro, que diz; “o remorso do pecado e a abjeção da queda são o melhor excitante para as perversões da alma e do corpo que, cristão às avessas, o poeta se compraz em imaginar.”

O Barão é um ser obsceno. Se aprofundarmos a origem da palavra, perceberemos que “o estigma de obsceno, adjetivo que o sexólogo Havelock Ellis fez remontar etimologicamente a obs + cena”, indica o que deve ficar fora de cena. Por isso quando lemos a obra, as atitudes do Barão no decorrer da estória, nos ferem o pudor, pois, nos dizeres de Alexandrian, “rebaixa a carne, associa a ela a sujeira, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras mundanas”.

Você concorda com estas afirmações? Leia o texto!!! Dê a sua opinião em nosso Blog!!!

Aproveite e atice o seu desejo, a sua libido, a sua curiosidade!!

Vamos ler o “Aventureiro Húngaro”?

[Clique aqui para ler o conto de Anaïs Nin]

Referências:

ALBERONI, Francesco. O erotismo. Tradução de Elia Edel. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

ALEXANDRIAN. História da literatura erótica. Tradução de Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Cia das Letras, 1990.