20 dezembro 2008

Tímido Poema, de Lucas Gilnei


por Lucas Gilnei

Início



Se entre as dançantes luzes olha-me.
Recuo. Não sei desses labirintos.
Seduz com o olhar faceiro.
Cruza as pernas.
Realça o entre abrir da blusa.
Recuo. Não sei desses labirintos.

Mas, tomo tento e fico esperto.
Se insistir, digo: - Ensina-me?
Põe tua mão sobre a minha.
Leva-me a passear pelo seu corpo.
Mostra à minha boca.
Mostra às minhas mãos.
O caminho para sentir-te inteira.


Lucas Gilnei é aluno da especialização em Letras na UFG - Campus Catalão e atendente comercial. Canceriano e leitor, agora, também, tem um blog: VERBORRAGIAS.


Eros Enunciado: a poesia erótica de Marina Colasanti


por Silvana Augusta Barbosa Carrijo

Murmúrios, gemidos, lamentações, ladainhas de orações constituíram, por muito tempo, o quinhão discursivo atribuído e concedido às mulheres. No Novo Testamento, Paulo, dirigindo-se a Timóteo, afirmava incisivamente que a mulherdeveria ouvir a instrução em silêncio e submissão. No âmbito da criação literária, propriamente dito, tal interdição se fez historicamente presente vez que, durante séculos, o sujeito masculino constituiu voz enunciadora quase exclusiva. A partir da segunda metade do século XX, porém, obras de escritoras várias são descobertas e trazidas à baila como objeto de investigação científica, asseverando o exercício feminino de rompimento das fissuras de interditos lingüístico-literários às mulheres. Ao enunciar de maneira resoluta e desembaraçada sobre a temática do erotismo em alguns poemas de Rota de colisão (1993) e de Gargantas abertas (1998), Marina Colasanti não só assevera seu direito de enunciação como também elege como mote literário um tema tabu por muito tempo interdito às mulheres. Superando o reinado do sussuro, do não-dito, do implícito, Marina contempla os amantes no espetáculo amoroso. Frutos e flores, seios e dedos, olhos e bocas são alguns dos signos enunciados pela escritora em sua poética do erotismo, poética em que descortina artisticamente o espetáculo amoroso aos olhos do leitor:

Teu sexo

Teu sexo em minha boca
me preenche
como se pela boca
penetrasse a vagina.
Teu sexo em minha boca
me engravida
Me põe túrgida
prenhe
mel coando dos peitos
sobre a cama.

Entre um jogo e outro

Ter você nu na cama
que deleite.
E como a gente brinca
e rola e ri
para depois sentar
nos lençóis descompostos
o corpo ainda suado
e continuando sempre
o mesmo jogo
falar a sério
de literatura.

Te beijo no cangote
e quieta penso:
um outro amante assim
Senhor
que trabalho terias
pra me arrumar
se me tomasses este.


De líquida carne

Meus seios tomam a forma
do momento que os contém.
Se colhidos pela boca
alongam ardidas pontas.
Se aprisionados na mão
acrescem à própria curva
a curva doce da palma.
E quando soltos ao vento
no meu corpo em correria
ondejam
como a maré que a água faz na bacia.

Frutos e flores

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me transpassa.

Assim, por via do exercício pleno da sexualidade, da contemplação resoluta do erotismo, a mulher, em contato com o homem, floresce e com ele empreende a tentativa de, pela perpetuação da espécie, dominar as faces horrendas e implacáveis de Cronos. Assim, mulher e homem fazem com que Eros, descortinado e contemplado, vença Tânatos. E o reinado do erótico se infiltra no domínio do poético, mais especificamente do poético de autoria feminina. Rompendo séculos de interditos à sua voz, a mulher enuncia alto, em bom som e com maestria literária sobre o exercício da sexualidade. Assim, Eros é femininamente enunciado.

Silvana Augusta Barbosa Carrijo é professora de Literatura na UFG - Campus Catalão. O artigo completo sobre a poesia erótica de Marina Colasanti encontra-se no livro: Formas e Dilemas da Representação da Mulher na Literatura Contemporânea, organizado por Maria Isabel Edom Pires e publicado pela editora da UnB, em 2008.

Dois Poemas de Ulysses Rocha Filho



por Ulysses Rocha Filho


Coisa de Minuto


Vem, me pega, me morde
Me joga na parede
me faz lagartixa
que o homem vem
que a sogra espreita
que a adrenalina subiu
que o cio pede
e eu desejo ardentemente!

Vem, me xinga
me pega de jeito
de qualquer jeito
à qualquer hora
quando puder
e quando quiser...

Tô fazendo justiça com mãos
matando cachorro a grito
Metendo os pés na jaca
No minuto do sexo sem nexo
Pra dizer que te quero!

Quirodáctilo

Toquei o dedo no meio
Do nada do sexo
E comecei acariciando
O mais belo favo de mel...

Viajei por outros caminhos
Desci aos infernos da solidão
(Percebendo presença de multidão)
Mas alcancei um prazer supremo....

Como nunca imaginara,
Descobri na dor do prazer,
entre o dedo indicador e o anelar,
A falsa realização do sonho...

Em cada palavra – mentiras!
Em cada olhar – verdades!
Em outros sonhos – ilusão!
Em cada dedo, no sexo – um não!

Ulysses Rocha Filho é professor, mora em Catalão-Go, escreve seus contos e poemas, relaciona literatura e cinema além de tentar ser pai e marido exemplar e manusear um blog: ULYSSITUDES.

12 dezembro 2008

Duas telas de Maisa Pacheco

Feminilidade
Sensualidade

Maisa Pacheco é artista plástica e reside em Catalão. Iniciou suas atividades artísticas na Fundação Cultural Maria das Dores Campos e atualmente é aluna no Atelier do Prof. Sérgio. Cursa Letras e Artes Visuais (EAD). Estas duas telas exploram aspectos do feminino, ressaltando símbolos relacionados à sedução feminina e à sexualidade.

O que é na verdade o Kama Sutra?


por Luciana Machado

Quem já ouviu falar do Kama Sutra? Muitos, não é mesmo? Para alguns a palavra pode soar como sinônimo do pornográfico ou do imoral. Pode ser também sinônimo de catálogo de posições sexuais.


O que poucos sabem é que o Kama Sutra, na verdade, buscou descobrir quais as melhores maneiras de se conquistar a felicidade e o prazer: “a arte indiana do amor”. O Kama Sutra foi escrito originalmente em sânscrito (por volta de 100 e 400 d.C) como Vatsyayana Kamasutram (ou "Aforismos sobre o amor, de Vatsyayana"), cujo autor era o próprio Mallanaga Vatsyayana.


Seria, então, arte, cultura, poesia, religião, ciência? Um pouco de tudo. Segundo a tradução da versão clássica da obra por Richard Burton, pode-se dizer que o Kama Sutra, apesar de parecer blasfemo, é uma obra sobre a ciência e a realização divina, que abrange três esferas: Kama, Dharma e Artha. Traduzindo seria:


Kama – é o amor, o prazer, a satisfação sensual.


Dharma – aquisição do mérito religioso.


Artha – aquisição de riquezas e bens.


Estes seriam os princípios de uma ciência. O homem que a pratica consegue grandes conquistas em sua vivência, pois, na junção desses aspectos – a virtude, a riqueza e o amor – encontra-se a verdadeira satisfação e a verdadeira felicidade. Sendo Kama técnica que pode ser aprendida, o Kama Sutra funciona como um meio de aperfeiçoá-la tendo em vista a verdadeira felicidade.


O verdadeiro Kama Sutra, obra sobre a arte indiana do sexo e do amor, analisa técnicas sexuais e dá “conselhos” a homens e mulheres. O Kama Sutra passou a ter grande influência sobre a vida literária e artística em geral na Índia, tornando-se posteriormente uma obra clássica.


A obra foi escrita em partes que falam de diferentes assuntos, como: abraços, arranhões, beijos, união entre fêmeas e machos, esposas, maridos, cortesãs, e claro sobre a arte da sedução.


Você sabe o poder de um beijo? Quer aprender um pouco mais sobre as técnicas do beijo com o Kama Sutra? Então, delicie-se com este trecho da obra.

Boa leitura!

LEIA O CAPÍTULO SOBRE O BEIJO [pdf]

Referências:

VATSYAYANA, Mallanaga. Kama Sutra. Traduzido da versão clássica de Richard Burton por Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorges Zahar, 1988.

Curiosidades sexuais: Castigo da Anágua


por Blenda Vieira

A rebeldia dos jovens, principalmente homens, não é de hoje. E essa rebeldia sempre incomodou os familiares, mas, as inglesas e as escocesas usaram a técnica do “castigo da anágua” para controlar essa rebeldia. O castigo era simples. O grau de transformação dependia da rebeldia do menino. Para alguns o uso de gravata borboleta, calças curtas, ou tecido de veludo já eram suficientes. Para outros laços nos sapatos, pernas depiladas, roupas intimas femininas e o direito das mulheres friccionarem suas genitálias. O castigo era muito temido pelos jovens porque as mulheres sempre fizeram parte de uma classe inferior da sociedade. Os jovens se sentiam literalmente rebaixados.
LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima
Rodrigues. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

10 dezembro 2008

Liberação da mulher por meio da obra poética de Gilka Machado


por Rubia Lanie Vaz


A finalidade deste post é apresentar a obra poética de Gilka Machado, visto que a mesma representou um marco importante para a liberação da mulher por meio de seus poemas.

Ao analisar a poesia de Gilka Machado, percebe-se que esta quebra as expectativas em relação à poesia produzida por mulheres, tanto em função dos temas abordados como da qualidade dos versos, levando em conta os critérios dos críticos mais conservadores a respeito da forma. Os poemas audaciosos desafiavam os preceitos e a conduta moral de sua época, colocando pânico nos falsos moralistas do século, visto que a mesma era uma mulher avançada em relação a seu tempo. Emerge então um eu-lírico dividido pelos discursos sobre a atuação sexual das mulheres, que se desenvolvia em direções diferentes, como apresenta o poema que se segue:

A que busca em mim, que vivo em meio
de nós, e nos unindo nos separa,
não sei bem aonde vai, de onde me veio,
trago-a no sangue assim como uma tara.

Dou-te a carne que sou... mas teu anseio
fora possuí-la – a espiritual, a rara,
essa que tem o olhar ao mundo alheio,
essa que tão somente astros encara.

Porque não sou como as demais mulheres?
Sinto que, me possuindo, em mim preferes
aquela que é meu íntimo avantesma...

E, ó meu amor, que ciúme dessa estranha,
dessa rival que os dias me acompanha,
para ruína gloriosa de mim mesma!

No poema, trava-se uma luta entre duas faces de um eu-lírico no feminino: por um lado, deveria agir de acordo com o modelo de mulher assexuada enunciado pelos discursos conservadores, a qual jamais deveria admitir o desejo e por outro, a face que não é aquilo que se espera dentro desses discursos sobre o papel das mulheres de bem.

Surge, nesse poema, uma espécie de separação entre aquilo que se deveria ser e aquilo que se gostaria de ser. Baseado em um sistema de oposições binárias: corpo e alma, mulher e homem, típica da maioria das sociedades que se conhece, a expressão da sensualidade nas mulheres é vista como o oposto da decência (“Trago-a no sangue assim como uma tara”, “para a ruína gloriosa de mim mesma”).

Sob esse ponto de vista, as diferenças entre pessoas só é idealizada sob a crença em essências feminina e masculina, ou seja, entre homens e mulheres, embora o eu-lírico considere-se diferente das outras mulheres pela rebeldia, pelo fato de que não pode conter o desejo, não importando, nesse caso, qual papel o amante prefira que ela represente.

O eu-lírico recusa a passividade que se costuma exigir das mulheres em relação à atividade erótica. As imagens eróticas são recriadas por diferentes vozes femininas, fazendo emergir uma constante tensão entre a consciência literária do erotismo e a consciência erótica do literário. Nesse sentido, a temática erótica traz uma forte densidade literária, visto que ao reatualizar a verdade mítica, simultaneamente, é transmitida uma atitude autocrítica, por se tratar de uma produção poética feminina.

No entanto, é preciso ter uma consciência plena de que a mulher que reflete e expõe o erotismo livremente é a mesma que pensa e diz o seu papel, enquanto construtora da sociedade. São faces do mesmo processo. O autoconhecimento erótico leva ao conhecimento do outro e do mundo e à consciência do poder de transformá-lo com vontade própria.

Os textos escritos sob a consciência literária do erotismo são ricos em referências poéticas, e consequentemente, estes contribuem na construção da identidade com a vivência do desejo, visto que os mesmo percorrem um caminho que vai da aprendizagem para a descoberta, e concomitantemente para o saber, percorrido em contato com a Natureza.

Os poemas, de algum modo, nos sugerem que não é a satisfação compartilhada do desejo apenas ponto de chegada da experiência erótica, mas também marco de partida para o equilíbrio global e para a edificação de concretas utopias. É importante observar como poesia e pensamento estão juntos, mais uma vez, encaminhando-nos para a produção de uma existência solidária e, por isso, radicalmente humana. A qual nos leva a perceber que a Poesia não é apenas um texto construído, acabado, estruturado, mas, sobretudo força geradora de sentidos. Por esse motivo, o poema incorpora o dinamismo da criação, permitindo diferentes leituras.

Referências:

SOARES, Angélica. A paixão emancipatória: vozes femininas da liberação do erotismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1999.

O erótico-obsceno na música sertaneja


por Marilda Barbosa Alves

A linguagem erótico-obscena tem sido intensamente difundida em todos os meios de comunicação de massa. Dentre eles, destacamos a música sertaneja que, por ser tão reproduzida em nossa região, contribuirá no perfeito entendimento de nossos estudos.

Tecemos algumas considerações sobre este léxico e, para tanto, escolhemos a canção “A fruta-vida”, interpretada por Gino e Geno, e a canção “Fogo no rabo”, interpretada por Teodoro e Sampaio.

Em ambas as canções, encontramos uma gama imensa de vocábulos e estruturas que buscam dizer sem dizer. São letras que evocam e fazem apologia ao erótico-obsceno, ou seja, trabalham com palavras que tem sentido duplo e que no contexto geral da música, remetem às genitálias e ao ato sexual. Nas canções citadas, exploram, quase que invariavelmente, a figura feminina, abordando sempre uma linguagem erótico-obscena que, atualmente, se popularizou graças à mídia e à censura que se tornou mais flexível. Ressalta-se que tal modalidade lingüística sempre existiu e hoje, não restringe sua utilização apenas à parcela de falantes considerada menos culta.

O uso de metáforas é bastante recorrente nas canções mencionadas, isto porque, existe um tabu para o uso dos nomes que denominam os órgãos genitais e, para tal, são utilizadas outras palavras que são escolhidas através de associações, que podem ser: pela cor, pelo cheiro, pelo formato. Como por exemplo, na canção “A fruta-vida”, interpretada por Gino e Geno, já no primeiro verso “A fruta que eu mais gosto como até o caroço...”, encontramos a palavra fruta utilizada em um novo contexto, diferente do significado que o signo em primeira instância nos remete: aqui a palavra se refere ao órgão sexual feminino. Ao longo da canção, outros vocábulos são utilizados para complementar o que o autor se dispôs a fazer: assim forquilha nos remete ao vértice das pernas, à região pélvica, onde se encontra a vagina, anteriormente definida como fruta. Ainda encontramos os vocábulos grudadinha, peladinha e cabeluda, mostrando as características da genitália feminina.

Só dá uma no pé.
Grudadinha na forquilha.

Ela tem vários nomes.
E a aparência as vezes muda.
Algumas são peladinhas.
E outras são cabeludas.

Já na canção de Teodoro e Sampaio “Fogo no rabo”, a metáfora se dá com as palavras pistola e cabo, fazendo referência ao órgão sexual masculino. Os objetos mencionados, por sua aparência cilíndrica, servem de referencial e comparação com o pênis, além de supor que este pênis esteja em estado de ereção devido à consistência de tais objetos.

O termo pistola faz menção a uma arma de fogo que expulsa um projétil com grande velocidade através de um orifício em sua extremidade. De semelhante modo, o pênis lança o esperma quando ejacula. O cabo, analisando sua utilização, refere-se a uma parte da madeira ou outro objeto cilíndrico e duro que acopla em uma ferramenta por meio de um orifício próprio, conforme se faz com o pênis durante o ato sexual. Nos dois casos, “pistola” e “cabo”, as palavras que substituem os nomes das genitálias são utilizadas tomando como referência a forma que elas possuem e que lembram o órgão genital masculino quando ereto.

Vou levar minha pistola
E já vou com a mão no cabo
Nós vamos lá pro motel

Vamos fazer um trembel
E apagar o fogo do rabo.


Fica evidente que, aos autores e intérpretes destas músicas, interessa principalmente a popularização da canção por questões comerciais, já que falta muito de apuro literário e sobra vulgarização do tema, composto em versos apelativos e estrofes e ritmos de fácil memorização. O presente trabalho tem o propósito de trazer à tona dados relevantes que contribuam para se entender melhor à produção do léxico erótico-obsceno na música sertaneja.

Referências:

SAVAGLIA, Claúdia & ORSI, Vivian. O léxico erótico-obsceno em italiano e português: algumas considerações.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do léxico. In: ISQUERDO, Aparecida Alegri & OLIVEIRA, Maria Pinto Pires (org.). As ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia. 2ª Ed. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001.

09 dezembro 2008

Curiosidades sexuais: festas de fertilidade


por Blenda Vieira

Numa das civilizações mais antigas do mundo, a dos sumérios [5 a 6000 A.C.], na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, venerou-se a deusa da Terra, Inini, como criadora do amor e “abridora do ventre das mulheres”. Os sumérios realizavam festas de fertilidade onde as mulheres casadas poderiam fazer sexo com qualquer homem, além do marido, desde que se cumprisse uma regra: deixar cair na terra o sêmen do homem que não era seu marido, a fim de não fecundá-la, pois, do contrário, faltaria com o respeito ao marido.

Fato curioso: a população dos sumérios era governada pelos sacerdotes como reis
do Estado, e eram eles os escolhidos pelos maridos para tirar a virgindade de
suas futuras esposas.

ROCHA, José Martinho da. Virgindade Sexo Família. Editora Rio: 1972. 253 p.

07 dezembro 2008

Desvairados


Por Fernando Cândido
Eu? Gosto mesmo é de sentir seu cheiro
Sugar-te hei. Inteira para dentro de mim
Este é o meu prazer.

Quando nossos corpos então em ebulição
Impregnamos um ao outro antes do fim
Para depois me encontrar no fundo de ti.

Pergunta-me:
– Será normal tal conduta?
Respondo-te:
– E de que se importa ser normal?
Se nossa religião é o prazer.

Fernando Cândido nasceu em Ouvidor, mora em Catalão, mas a cabeça é do mundo. É formado em Administração de Empresas, com pós-graduação em finanças, cursando atualmente Letras pela UFG. É artista plástico, fotógrafo e escritor titular da cadeira número 29 da Academia Catalana de Letras. Publica semanalmente ensaios sobre fotografia e crônicas cotidianas no Jornal Diário de Catalão.


06 dezembro 2008

Charles Bukowski: Considerações sobre libertinagem em “Notas de um Velho Safado”


por Carlos Roberto Oliveira


Biografia libertina


Como pensar a América, mais especificamente os Estados Unidos, de maneira onde a indecência, a decadência, a libertinagem, a depravação e tudo mais se encontram? Bem, pensando assim, é difícil imaginar alguém que realmente faça ou que tenha feito isso na literatura norte-americana, mas houve sim alguém com todas essas características e mais, que soube se utilizar disso de forma engraçada e simples. O escritor em questão pode ser encontrado na figura de Henry Charles Bukowski, ou simplesmente, Charles Bukowski.


Bukowski, durante sua carreira literária, ficou conhecido como o “velho safado”, pois sua obra realmente começou a ser reconhecida somente depois dos seus 40 anos, e sua escrita revelava personagens marginais, bêbados, fracassados, degenerados, miseráveis, incluindo o próprio Bukowski na figura de seu alter-ego mais famoso, “Henry Chinaski”, de outros alter-egos e até como ele mesmo, nas histórias.


Relatando casos de várias espécies sobre esses personagens, suas histórias revelam o lado mais libertino da América, mas ao mesmo tempo criticam de forma bem humorada os costumes e hábitos dos cidadãos americanos. Alemão, nascido em 1920, foi para os Estados Unidos ainda muito pequeno, em 1923, e viveu toda sua vida lá até 1994, quando morreu aos 73 anos, vitimado por uma leucemia. O status de “velho safado” não é por menos, o escritor realmente viveu uma vida depravada, miserável, marginal e utilizou toda sua vida como inspiração para suas obras literárias. Não poupava nada e nem ninguém em suas histórias sujas, conseguiu muitos problemas e arranjou muitos inimigos também, pois a escrita de Bukowski sempre era inspirada no mundo marginal, libertino, por vezes miserável e até mesmo perigoso, mas sempre contando com a simplicidade, o humor direto e objetivo.


O autor realmente viveu meio marginalizado, cresceu nas ruas dos Estados Unidos, viveu com um pai extremamente autoritário e bêbado, saiu de casa muito jovem, estudou jornalismo, sem se formar e viveu trabalhando em empregos temporários até conseguir ser reconhecido na Literatura. Lembrando-se também que Bukowski era um sujeito feio, que durante sua juventude sofreu com sérios problemas de pele, o que o fez se tornar anti-social e alcoólatra: diz-se que é daí que vem toda a inspiração de suas histórias.


A respeito do alcoolismo do autor, este detalhe não pode passar despercebido, o próprio dizia que depois que ele descobriu o álcool e os livros, tudo ficou um pouco mais tolerável. As histórias realmente são contadas geralmente com o autor envolvido em bebedeiras, farras, todas sempre terminadas de formas violentas e depravadas. Essas características na escrita de Bukowski fizeram-no ficar conhecido como um escritor maldito, por vezes considerado um escritor beatnik honorário, coisa que o próprio autor renegava por não achar que houvesse afinidades com tal grupo. De certo o autor estava correto em não se enquadrar a um grupo literário; sua escrita, de aspecto sensacional e obsceno, desmascara muito da própria literatura americana e seus autores.


Mas a escrita do “velho safado”, o lado libertino e obsceno de contar as coisas, o aproximam muito dos grupos de libertinos do século XVII, mais precisamente aos chamados “libertinos de costumes” como assinala a teórica Elaine Robert de Moraes: “...quando se diz que os libertinos de costumes são personagens do século XVII, isso significa que neste momento um tipo de conduta não só adquire visibilidade social, mas também constitui um grupo reconhecido por características particulares: desafio à moral e à religião, desprezo pelos preconceitos vulgares e prática de atos cruéis...”. Em obras como Mulheres, Misto Quente, Cartas na Rua, entre muitas outras que vão desde o poema ao romance, o autor conserva o mesmo tom irônico, crítico, marginal, que se iguala a qualquer característica libertina.


As Notas de um Velho Safado


Charles Bukowski possui a alcunha de velho safado justamente por descrever em suas narrativas e versos o submundo dos cidadãos norte-americanos, sempre com ironia e cinismo, mas nunca se esquecendo de um bom senso de humor. Escreveu tanto poesia quanto narrativas, sendo que esta última só começou possuir reconhecimento pelo público após seus 40 anos.


Bukowski publicou cerca de 30 livros. Marginal e marginalizado, obsceno, crítico e cínico, sempre alcoolizado, mas sempre engraçado, o escritor, por vezes, foi considerado um escritor beatnik, pelo despojamento formal na escrita, quanto pelo estilo de vida destes. No entanto, podemos relacionar também a literatura bukowskiana com a literatura libertina do século XVII, onde a busca pela liberdade ao extremo, desafia tanto a moral, quanto a religião. Tais autores libertinos, denunciando e também atuando em delitos graves, sempre acompanhados por figuras loucas, marginais, pretendem, dessa forma, denunciar o mundo onde vivem. Assim assinala Eliana Robert Moraes: “diferentes naturezas, diferentes volúpias libertinas”.


Principalmente na coletânea de crônicas Notas de um velho safado, que tem sua 1ª edição datada de 1969, que podemos perceber claramente a aproximação que o autor possui com a libertinagem. O livro é uma série de crônicas que o autor publicou em aproximadamente 14 meses, em um jornal alternativo de Los Angeles. Até mesmo a concepção dos textos possui caráter libertino. As crônicas não apresentam nenhum formalismo acadêmico, não possuem títulos, sendo que umas são separadas das outras apenas por um grande ponto.


O autor sempre está bêbado e nas situações mais absurdas e perigosas. A liberdade para a escrita do Velho Safado é percebida logo no prefácio do livro, onde afirma:


Parecia não existirem pressões: Era só sentar próximo à janela, erguer uma cerveja e deixar que viesse. Tudo que quisesse aparecer, apareceria [...]. Pense nisso você mesmo: liberdade absoluta para escrever qualquer coisa que você quiser” (p. 06).


Mas essa liberdade não estava apenas relacionada à escrita, havia também a vida que não era politicamente correta, as loucuras de bêbados, falando abertamente de bebedeiras, marginais, artistas, assassinatos, política. Uma característica importante no livro é que a linguagem do velho safado sempre termina bem, os personagens oscilam entre o próprio Bukowski, seu alter-ego, Henry Chinaski e outros personagens. Observa o tradutor Pedro Gonzaga, no prefácio do romance “Misto Quente”, obra autobiográfica do autor: os palavrões, a escatologia, os porres homéricos são mentiras que nos convencem da verdade, mentiras que nos fazem acreditar, mentiras que tornam nossas próprias mais suportáveis, mentiras que são base primeira da literatura” (p. 06).


A literatura de Bukowski busca justamente, dizer com simplicidade as coisas mais complicadas da condição humana, em versos como:


“Quando o Amor se transforma num comando, o Ódio pode transformar-se num prazer.”


“Se você não jogar, jamais irá vencer.”


“Pensamentos bonitos e mulheres bonitas jamais perduram.”


“Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de uma maneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil de uma maneira simples” (p. 215-217).


Assim, buscando essa liberdade e simplicidade, o autor faz as coisas difíceis, os momentos duros parecerem mais leves pois, após a leitura, percebemos que há vidas tão corriqueiras como a do próprio leitor.


Leia mais sobre Bukowski

Referências:

BUKOWSKI, Charles. Misto-Quente. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre: L&PM, 2006.


______. Notas de um velho safado. Tradução de Albino Poli Jr. Porto Alegre: L&PM, 2006.


MORAES, Eliane Robert. Marquês de Sade: um libertino no jardim dos filósofos. São Paulo: Educ, 1992.

A loucura de um homem pelo prazer: “O Aventureiro Húngaro”

por Luciana Machado
A história de “O Aventureiro Húngaro” perpassa quatro etapas de sua vida, que vai do céu ao inferno. O aventureiro, na verdade, era um homem esperto e sagaz, que viajava constantemente. Apelidado por “Barão” ele era o centro da atenção das mulheres. O barão teve vida sexual muito ativa chegando ao extremo.

A primeira etapa é a mais “normal” aos nossos olhos. O aventureiro conhece diversas mulheres nas suas viagens; porém, uma delas chama-lhe a atenção. É Anita, uma prostituta brasileira que fazia jus a profissão: era conhecida por “pintar o sexo com batom”. Com essa mulher, o Barão ficou mais tempo e teve duas filhas. Depois voltou a percorrer caminhos desconhecidos.

A segunda etapa da vida deste mundano se passa em Roma, em um Grand Hotel. Lá conhece uma família, pai, mãe e duas meninas. As crianças se encantaram pelo Barão e ele também pelas meninas. Brincavam inocentemente com ele, até que começa uma provocação não intencional pelas garotas, mas que agrada ao Barão. Mesmo não sendo explícita, devido à esperteza do húngaro, inicia a partir daí uma situação de pedofilia: as crianças brincavam na maior inocência, enquanto o barão aproveitava para sentir o prazer com seus “Joguinhos Eróticos”.

A terceira mudança foi marcada da seguinte forma: o barão foi para Nova York. Aqui veremos traços da loucura de um homem obcecado por sentir prazer a qualquer preço. Casado e tendo um filho, o aventureiro soube que a dançarina a qual lhe dera duas filhas, havia morrido de tanto se drogar. Lembrou-se das duas filhas que tivera com a dançarina, e que já seriam lindas moças. Pensando em se beneficiar com a situação, levou as duas para morar em Nova York com ele. Não demorou, começou um triângulo carnal (seria ousadia dizer amoroso) entre irmãs e pai, consumando um caso de incesto.

A quarta etapa desta história mostra o que fez a obsessão erótica deste aventureiro húngaro. Não satisfeito com as filhas e com a mulher, a fúria sexual passou ainda mais do limite quando violentou sexualmente o próprio filho. O fim do aventureiro é ser abandonado com sua loucura e velhice.

Erótico ou Pornográfico este texto, meu caro leitor?


O texto de Anaïs Nin pode ser considerado erótico, devido seu conteúdo lingüístico bem elaborado. Temos um texto erótico quando existe uma construção da linguagem, uma situação sexual sempre envolvida em um tipo de situação lingüística, ou seja, poética erótica, atividade subjetiva interior.

Baseando-se no livro Poesia erótica em tradução, de José Paulo Paes, é possível distinguir-se a literatura erótica da pornográfica. “Efeitos imediatos de excitação sexual é tudo quanto, no seu comercialismo rasteiro, pretende a literatura pornográfica. Já a literatura erótica, conquanto possa eventualmente suscitar efeitos desse tipo, não tem neles a sua principal razão de ser. O que ela busca, antes e acima de tudo, é dar representação a uma das formas da experiência humana: a erótica”.
Percebemos este traço de literatura erótica, no trecho do livro de Anaïs (p. 16), quando o aventureiro húngaro conhece a dançarina Anita. Perceba as descrições:

Os olhos alongados de Anita não se fechavam como os das outras mulheres, mas como os olhos dos tigres, pumas e leopardos, com as duas pálpebras juntando-se preguiçosa e lentamente; e estas pareciam levemente unidas próximo do nariz, tornando-se mais estreitas, com um relance lascivo e oblíquo pendendo dos olhos, como o olhar de relance de uma mulher que não quer ver o que estão fazendo em seu corpo. Tudo isso dava a ela um ar de quem estava fazendo amor, o que inflamou o Barão tão logo a conheceu. Quando foi ao camarim para vê-la, Anita estava se vestindo em meio a uma profusão de flores; e, para deleite dos admiradores sentados à sua volta, estava pintando o sexo com batom, sem permitir que eles fizessem qualquer movimento em sua direção.

[...]

O sexo dela era como uma gigantesca flor de estufa, maior do que qualquer um que o Barão já houvesse visto, e o pêlo em volta era abundante, encaracolado, negro acetinado. Eram aqueles lábios que ela pintava como se fossem uma boca, muito requintadamente, de modo que ficaram como uma camélia vermelho-sangue aberta à força, mostrando o botão interior, o cerne mais pálido e de pétalas mais delicadas da flor.

Outro ponto que vale destacar, meu caro leitor, refere-se à obsessão do Barão por sexo. Porque o Barão nunca se sentia satisfeito? O Barão tem traços de um ser pornográfico? Segundo Francesco Alberoni, no livro O erotismo, “a pornografia é uma figura do imaginário masculino. É a satisfação alucinatória de desejos, necessidades, aspirações, medos próprios deste século. Exigências e medos históricos, antigos, mas que persistem até hoje e que ainda são ativos.”

Pode-se dizer então que o Barão viveu na prática essa satisfação alucinatória de desejos e necessidades, marcadas em suas aventuras sexuais que o levaram à loucura. Ainda no livro de José Paulo Paes, encontramos uma afirmação, que vem de encontro à vida do aventureiro húngaro, que diz; “o remorso do pecado e a abjeção da queda são o melhor excitante para as perversões da alma e do corpo que, cristão às avessas, o poeta se compraz em imaginar.”

O Barão é um ser obsceno. Se aprofundarmos a origem da palavra, perceberemos que “o estigma de obsceno, adjetivo que o sexólogo Havelock Ellis fez remontar etimologicamente a obs + cena”, indica o que deve ficar fora de cena. Por isso quando lemos a obra, as atitudes do Barão no decorrer da estória, nos ferem o pudor, pois, nos dizeres de Alexandrian, “rebaixa a carne, associa a ela a sujeira, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras mundanas”.

Você concorda com estas afirmações? Leia o texto!!! Dê a sua opinião em nosso Blog!!!

Aproveite e atice o seu desejo, a sua libido, a sua curiosidade!!

Vamos ler o “Aventureiro Húngaro”?

[Clique aqui para ler o conto de Anaïs Nin]

Referências:

ALBERONI, Francesco. O erotismo. Tradução de Elia Edel. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

ALEXANDRIAN. História da literatura erótica. Tradução de Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

04 dezembro 2008

Curiosidades sexuais: tricofilia


por Blenda Vieira

A tricofilia é a prática sexual ligada ao desejo por pêlos [pubefilia]. As crianças geralmente têm uma fixação por pêlos, e algumas desenvolvem uma preferência forte ou fetiche por certo estilo, comprimento e cor. O pêlo pubiano varia de mulher para mulher. Há registros de uma mulher cujo pêlo projetava-se até os joelhos, e um outro caso que os pêlos eram cacheados e subiam até o umbigo.


Além da atração por pêlos pubianos, há quem tenha atrações por cabelo, e há vários casos de pessoas que foram presas por cortarem cabelos de uma desconhecida e guardá-lo. No filme “As Panteras – Detonando” o vilão da história arranca uma mecha de cabelo de uma das panteras, cheira-a e depois guarda essa mecha dentro do bolso. A revista Times publicou, em 18 de maio de 1992, um artigo contando o caso de um juiz que foi preso pela polícia estadual: “ele ofereceu indulgência ao réu se ele deixasse o juiz lavar seu cabelo”.


LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima Rodrigues. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

Dois P(r)o(s)emas de Dheyne de Souza

por Dheyne de Souza

A amante

Então ela disse a ele:

(Estavam num quarto comum de hotel.)


– Eu não quero que diga nada. Eu quero que se desvencilhe do que te prende a mente e deixe o teu corpo comigo. Solte seus maxilares e deixe teus lábios descansarem um pouco do que o mundo, os singulares, os apegos lhe deixam. Não, eu não só não quero, como isso é uma grande ordem. Mas não entenda assim tão forte essa pequena e única amarra que ponho em teus olhos, desassossegue teus punhos, largue à cama os teus conceitos, isso, que te fazem humano. Quero-te líquido, límpido, quero te despir sem anseio. Não, não há relógios, não olhe, dos teus sentidos eu quero nada, um mergulho pense só nisso, nesse corpo de plumas abaixo e sobre teu peito. Desfaço esses botões não como quem te arranca vazios, antes te sopra ares quentes, sim, solte estes teus dedos, deixe-me que com eles falo só. Vejo a poesia dos teus pêlos darem ritmo às balizas do meu toque, canto, arremedos de fios percorrem agora teus calcanhares, teus joelhos, o escombro dos teus cotovelos, o nicho de teu umbigo. Descobrem-se todos cassinos no risco que minhas mãos, sim, cala sem te calar, fecha os olhos sem trancas, não fuja, deitado meu dente te invade mamilos, portas, tendões. Uma chuva inesperada e distante aproximo-me de teu hálito, deixe-o; na morada de teus vulcões entro só, permaneça, não mais, me deito larva em tua boca, corrôo agora teu ventre, tuas emoções seitas ali, derramo tamanhas guelras num rio que te me faz estiagem, inundo-te pêlos e peles, pelas frestas sulco cais, inauguro ilhas, portos, pequenas montanhas que sobrevivem as minhas águas, que peixe te fazes manso e o que te envolves é senão liquidez de tato e miragem.

Abandonou seu corpo e deixou teus olhos no teto.

(Estavam num quarto comum de hotel.)

______________

Pequenos fins ou Uma canção de desapego

Quero cobrir-te o rosto de adeuses, riscar nas linhas de tuas maçãs pecados nunca inclusos, roçar tão de leve tuas resistências e partir tão suave teus soluços de infância, tuas queixas dormidas em becos escuros, tuas angústias franzidas em velas de alecrim, tuas ironias frágeis, oscilantes, os vãos dos objetos caídos de teu colo, como pérolas no leite, folhas secas no outono, feito camaleão na tua pele escorregarei baixinho despedidas bem sutis. Para que não te apercebas do sono vívido e do calor solitário que a madrugada traz, o frescor inválido mas frescor, a luminosidade que às vezes a lua veste, tão sorrateira correrei tuas veias como um rio que vigia esperas, comuns lírios pregueando teus cílios, como madeixas te soprando o dorso. E não verás em meu rosto teus olhos fechados, e não terás imagens nem poesia nem noite senão uma lembrança apagada e insônia. E mesmo quando, por último, te colar os lábios derramando fins em um silêncio gordo, não ouvirás nem leve o meu sussurro mudo gritando aos urros a falta de aldravas, cairei à porta
exausta
de desapego.

Dheyne de Souza nasceu em uma madrugada, ou meio-dia, de julho, segundo dia, com certeza, de 1983. Cristalândia, Vianópolis, agora em Goiânia. Fez Letras, começou Artes Visuais. Escreve há um tempo, pinta há um pouco menos, com um pouco bem menos de regularidade que escreve. Assim mesmo, às vezes, sem. Completar. Não quer muito falar por que escreve, por que pinta e quem exatamente e quanto lê. Nada anormal. Mas fala com vacas, ah sim. E por que não? Reflexos, reflexões, refletidas. São os olhos dela. São as cercas, o cheiro de estrume, o capim e aquele extraordinário ruminar. Ruínas extremas no céu estupidamente azul benzendo o chão vil enquanto. Ela não consegue muita prosa, falar então tem sido menos. Mas tenta. Tenta muito, muitos dias, muitas horas, muito minuto. Assim um no outro em desespero, desenfreio, embaraço. Prefere o não-falar de vacas, ruminemos. Está também no Histórias Possíveis.

03 dezembro 2008

Curiosidades sexuais: podofilia



por Blenda Vieira


Segundo Howard S. Levy, os chineses provavelmente foram os maiores amantes dos pés [podofilia]. Eles adotaram medidas extremas para criar efeitos eróticos. Essa cultura, do século X, praticou a imobilização dos pés das meninas, que ficavam dos 5 aos 18 anos imobilizados, e deveriam ter, no máximo, 5cm de altura e 10cm de comprimento.

Alguns países como Japão Tibete, Indonésia, Coréia e Mongólia adotaram a mesma cultura, só que em menores proporções. As mulheres, às vezes, masturbavam-se roçando seus pés. As lésbicas masturbavam-se mutuamente introduzindo o dedo grande na vagina da parceira. Os homens gostavam de pressionar o pênis no meio dos dedos da parceira ou na fenda criada nas solas dos pés.

Fato curioso: Em 1992, um homem foi preso acusado de abuso sexual: ele tirava os sapatos das jovens e lhes chupava os dedos.

LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima Rodrigues. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

01 dezembro 2008

Travessia



por Paulo Pazz

Final de verão! Certas pequenas nuvens teimam em flutuar no horizonte que o calor tem endoidecido com seu bafo pegajoso e irritante. Nenhum vento aparecia para amenizar aquele estado de letargia do próprio mundo ante a inclemência do sol de verão. Havia em sua mão uma rosa amarela! E o moço não sabia o código das cores. Para ele uma rosa era uma rosa... o presente fugaz que deixa marcas indeléveis na alma feminina que o recebe. Sabia disto, tanto quanto sabia de amor uma criança que na verdade era. Carregava aquela rosa como quem carregava o mundo. Era um cuidado que o obrigava a manter os dedos delicadamente firmes... Por isto o suor a lhe empapar as axilas.

_ Não dará certo! _Falta coragem! _Ela não entenderá nada de nada! _Afinal, quem sou eu pra me dar o direito de ao menos tentar algo assim! Medo, Dúvidas, Rasgos na alma infante, Lanhos profundos castigavam-no por dentro e por fora. O mundo estava, ali, pronto para ridicularizá-lo ou julgá-lo como juiz irredutível e alheio às suas imensas vontades ante tão parcos recursos.

A rosa amarela e murcha sobre o banco ausente do jardim seria testemunha e cúmplice de mais um dos muitos amantes ocultos, de mais um desertor diante da primeira batalha a que o cortejar se assemelha. Fora inútil o existir daquela rosa? Teria nascido apenas para perecer desidratada sobre o banco de cimento? Inutilizada pelo covarde algoz, estava fadada a ser esquecida sem que tivesse participação efetiva no que o ser humano, na sua infinita arrogância e megalomania, impusera a ela como projeto de vida.

***

Ela acabara de sair do banho e, no entanto, a transpiração se dera até mesmo sob a ducha fria escorrendo luzidia pelo corpo, em deslizar macio e silencioso, arrepiando-a pela sensação do prazer indescritível. A água descendo pelo seu corpo foi um alívio para um dia cansativo e extremamente causticante. Daí a sua vontade de eternizar o momento, enquanto percorrera suas mãos aveludadas e amadoras por toda a extensão do corpo esguio. Os bicos dos seios despertaram! Seus dedos quase que poderiam contar cada ponto de sua pele, eriçado pelo dedilhar amedrontado e silencioso. Tivera consciência de que o pecado esterilizaria sua alma apinhada de tabus até então mantidos como palavra de ordem. Mas fora tudo tão bom que valera pelo gosto que lhe secara os lábios vermelhos e carnudos. Sua língua percorrera a fileira de dentes perfeitos que ora trincaram, ora pareceram querer devorar omundo.

Por culpa ou pudor, sei lá, não emitira um gemido sequer. Contivera a voz, engolira qualquer sussurro que certamente lhe devolveria ao mundo real e cruel. Suas pernas se abriram involuntariamente, como se recebesse o amante sempre esperado para possuir a mulher, na ampla acepção da palavra. Trêmula, dirigira o jato da ducha contra o vértice das pernas e a sensação se tornou doridamente indescritível.
_ Aaaaaahhhhhh! Explodira, enfim!

Depois dos incertos e desconexos movimentos que promovera e não pudera mais controlar, uma letargia preguiçosa a possuíra, obrigando-a a permanecer prostrada dentro da banheira. Seus pensamentos flutuaram sem destino, revolvendo sua própria história de medos e ritos. Pouco depois o secador lambia-lhe os cabelos castanhos, longos e cheirosos, abraçados à escova, supondo um contato de frescor remissível. De frente para a porta espelhada do guarda-roupas, seus gestos evoluíam naquele trabalho de tentar aperfeiçoar o que já nascera único e intraduzível em palavras que referissem ao belo. A medida de seu esforço contribuíra para que o roupão branco se rebelasse e permitisse uma abertura frontal, permissiva e pecaminosa.

Eis a imagem perfeita: a languidez daquele pequeno seio se insinuando, meio encoberto pelo tecido, apontando para o alto, capturando sonhos de luxúria. Haveria algum poeta, ou pintor, ou escultor que se aventurasse a exprimir com absoluta fidelidade a ventura daquelas formas divinas e... demoníacas? Finalmente, terminada a ocupação com os cabelos, levantou-se, deixando tudo espalhado sobre a cama. Encaminhou-se para o guarda-roupas e vasculhou os cabides com resoluta suavidade, analisando e desdenhando cada peça testada por cima do roupão.
_Ufa! Até que enfim!

Um conjuntinho palha: blusa de alcinhas e saia justa que chegava quase aos joelhos se prestariam ao prazeroso trabalho de beijar - enquanto cobrisse - aquele corpo a emprestar silhueta perfeita a tudo que o veta para o mundo. Com gestos naturalmente sensuais e falsamente descuidados deixou que o roupão deslizasse até o carpete, revelando todo o fascínio havido no corpo feminino. Era uma verdadeira poesia, o seu corpo. Aquela poesia colorida e vibrante, terna e quente, simétrica e envolvente. Seu pescoço longo e nu, recoberto por penugem dourada, era a própria ventura encarnada. A languidez do pescoço terminava em ombros igualmente perfeitos e poéticos que pareciam querer suportar -e podiam!- toda a luxuria que exala de uma mulher.

Antes que vestisse a peça de roupa escolhida, seu corpo estivera livre de qualquer agasalho, aprisionado pelo véu do olhar de seu admirador secreto que transformara a frincha da porta em umbral para o paraíso. Por todo aquele tempo não estivera sozinha como supunha! As mãos do admirador, do intruso, esgueiraram-se para o meio das próprias pernas quase sem pelos e instalou-se a guerra surda entre o frêmito voraz e a cumplicidade do pecado que lhe corrompera as entranhas.

A pele morena, os cabelos, os ombros, as costas, as coxas... tudo que via - mais o que não via, porém complementava com a imaginação - se encaixava perfeitamente bem naquele momentâneo silencioso de vigília a que se propusera voluntariamente. O instante se valera pelo imaginário e pela presença viva e pulsante do membro que atraíra e capturara, rasgando... despedaçando a lógica da razão em favor de uma realidade antes inaceitável, porém freudianamente admissível e explicável. Sua mão se traíra, buscando o aconchego macio do ventre liso. O arrepio, inevitável! A cada deslizar de dedos um novo prazer se enfeixara aos outros, avolumando a necessidade de explodir em gozo que - se mal direcionado - se lançara pela direção correta das mãos a acariciarem.

O sangue latejara-lhe nas veias, enquanto músculos, pouco a pouco, recompuseram-se ante seu olhar baço e pecador. Não tivera até então a noção exata de sua atitude. Tudo fora se avermelhando à sua volta em profusão de desejos. A carne adoçara sua saliva viscosa em lábios inocentes. A neblina libidinosa descerrara o véu da volúpia sobre seus olhos púberes que, inéditos percebedores das formas e da concepção de beleza feminina, ignoraram tudo o mais que não se referisse à sua musa e definira este tudo como veleidade a ser abandonada no lugar comum das coisas vãs e secundárias. Toda a química e a transformação natural do corpo se revelaram naquela primeira ejaculação rala e amarela a escorrer pelos pequenos dedos ainda segurando o membro mal desenvolvido e alheio a toda complexidade do momento, aninhado na palma da mãozinha trêmula.

Sonhara tanto durante o seu enlevo! Sonhara até mesmo ser um poeta.

Encantamento

Cada pensamento meu,
Mesmo que pareça vão,
Dita-me o chorar ou o sorrir
Quando você ri ou chora,
Ou quando você não ou não.
Pensar em você torna-se crucial
Pelos intermináveis instantes
Em que não a tenho comigo,
Ninando-me, desenhando-me.
E por ser tão repetitivo de gestos
Perco-me pelas minhas mãos
Querendo moldá-la em mim.
Mas eis que inútil pretensão!
Você já é completa por si,
Repleta de si e de mim
E de meus sonhos
E de tantos outros sonhos
Que não são meus!
Querer estar com você
Não é penitência.
É sublimação!
É razão aliada à loucura
De querer ser santo,
Quando sou apenas homem...
De querer ser deus
Quando sou criatura!

Eclodira o ovo de sua puberdade! A partir de então passaria a negar toda forma de inocência. Brinquedos, antes cuidados com esmero incomum, perceber-se-iam desleixados e empoeirados na sua inutilidade. Os olhos passariam a ser furtivos, angulares e maliciosos, na plenitude viril da nova e excitante etapa de vida. A vergonha e o medo do pecado repousariam à sombra envolvente do desejo recentemente descoberto. Mais detalhista, passaria a vislumbrar novas formas e cores por onde andasse. E todas elas se convergiriam para o instante primeiro do desejo suscitado, quando os estímulos dispararam o coração e enrijeceram músculos então com vida própria e extremamente dominadores.

O momento de voltar da escola seria único e aguardado com ansiedade. A escadaria, a portaria, o elevador, o quarto, a porta entreaberta, o barulho da ducha e do secador... puro erotismo e sedução com hora e lugar marcados, rotineiramente. Transformar-se-ia em rito! Mesmo depois de muitos anos, com certeza, haveria de repetir, um por um, os passos e gestos executados no quarto de fêmea que a fresta revelara. O filme se passaria religiosamente igual, sempre compassado. E o arrependimento presumível não emergiria da calda leitosa do êxtase sufocante. O instante valeria pela crua exposição e pouco se importaria se um dia tivesse de solicitar uma expurgação. Pouco lhe importaria as marcas indeléveis do pecado que ninguém haveria de aceitar ou permitir que dele se redimisse.

Um dia, quiçá, lá estaria ele, olhos e membros visitando o que poderia haver de mais íntimo. Pele e suor violando o sacrário feminino, golpeando a consciência, desmistificando leis celestiais em tépido leito terreno. Antropófago, se revolveria e se revigoraria nas vísceras do prazer que a carne da fêmea suscita. Se tudo, um dia, fosse convertido em apenas lembranças de seu primeiro de tantos pecados, seria o sinal de que atravessara aquela fase do inconsciente revoltando-se contra os ritos e mitos e misticismos que serviam somente para evocar o arrependimento que não regara. Nem consciência ou sensatez cultivaria mais!

Seu mundo absorveria o mínimo que lhe sobrasse daquele culto silencioso à mulher amada na surdina. O cheiro, o tato, o gosto e o gozo, naqueles dias remotos, mesmo sendo frutos de sua imaginação, converter-se-iam em pitadas de sal para o batizado do homem remido de uma inocência hipócrita e inútil.

Paulo Pazz, formado em Letras no ano de 2001, pela UFG, representante comercial, apaixonado pela literatura em lingua portuguesa, 44 anos, autor do livro de poemas "Palavra Lavrada".

Monella, de Tinto Brass


por Denise Fernandes


Uma ótima dica de filme: quem gosta de comédia erótica, ao estilo pornochanchada, pode se divertir com o filme “Mão nela”, ops! Monella (em inglês, Frivolous Lola). Apesar de a narrativa do filme ser uma água com açúcar, as cenas fazem rir muito, ou porque são realmente engraçadas, ou porque são extremamente ridículas. A história, adaptada de um romance homônimo, se passa em uma vila da Itália, na década de 50 e conta as travessuras de uma jovem cabeluda (meu Deus, quanto cabelo! Não existia lâmina de depilar? rsrsrsrs), virgem (aham...sei.), que estava noiva de um padeiro, o qual pensava que o casal só deveria fazer sexo depois do casamento. Mas como o fogo da garota era muito grande (até brincar de bem-me-quer, mal-me-quer com os quilômetros de pêlos pubianos era brincava!), no desenrolar da trama, ela briga com o noivo e se contamina com pensamentos eróticos envolvendo seu suposto padrasto(detalhe: Lola não sabia se o homem era seu pai ou não!).

Seria um dos objetivos da história nos fazer pensar em incesto? Ou nos fazer refletir sobre o conceito de virgindade? De moralidade? São hipóteses plausíveis. Mas o que mais se destaca nesta história é a desconstrução do estereótipo da mulher virgem. Entende-se por “estereótipo”, a imagem e/ou idéia pré-concebida para com uma pessoa, grupo social, raça, classe, coisa ou situação; ou, de acordo com Regina Célia de Souza, autora do artigo “Atitude, Preconceito e Estereótipo”,

É um conjunto de características presumidamente partilhadas por todos os membros de uma categoria social. É um esquema simplista, mas mantido de maneira muito intensa e que não se baseia necessariamente em muita experiência direta. Pode envolver praticamente qualquer aspecto distintivo de uma pessoa – idade, raça, sexo, profissão, local de residência ou grupo ao qual é associada. Quando nossa primeira impressão sobre uma pessoa é orientada por um estereótipo, tendemos a deduzir coisas sobre a pessoa de maneira seletiva ou imprecisa, perpetuando, assim, nosso estereótipo inicial.

O estereótipo de uma moça virgem é o de uma moça recatada, frágil, tímida, doce, subordinada à classe masculina, que se faz respeitar. Ser uma “virgem impura”, nas décadas de 20 e 30 preocupava os moralistas, pois a perda da virgindade antes do casamento, significava a desonra da família, a perda de um casamento rentável, etc.. O hímen era como uma porta valiosíssima, de ouro, a qual só podia ser arrombada depois do casamento. Este pequeno pedaço de pele, o hímen, era a chave para uma vida com o futuro digno de uma dona de casa. Dele dependiam as relações entre as famílias da sociedade, relações comerciais etc. Porém, atualmente, esta idéia do “hímen intacto antes de casar = futura vida de mulher digna” que, antigamente, era admitida nas relações sociais, foi se deteriorando com o passar dos anos e também devido a momentos históricos importantes, como o movimento feminista. Na Itália, no século XVII, três intelectuais se tornaram precursoras do feminismo: Lucrécia Marinelli, que produziu, em 1601, “La Nobilità e l’Eccelenza delle Donne” (A Nobreza e a Excelência da Mulher); Moderata Fonte, que produziu, em 1600, “Merito delle Donne” (Valor da Mulher) e Arcângela Tarabotti, que escreveu “Antisatira” (Anti-sátira), “Difesa delle Donne contro Horatio Plata” (Defesa da Mulher contra Horácio Plata) e “La Tirannia Paterna”.

O movimento feminista não se baseou somente na queima de sutiãs em praças públicas, mas sim na luta pela emancipação feminina, na luta pela igualdade entre os sexos, na liberdade de expressão do pensamento e do corpo da mulher, do direito de a mulher ter sua autonomia. No filme supracitado, a personagem Lola pode, em certos telespectadores, causar certo “estranhamento”, já que suas atitudes são completamente opostas às atitudes das mulheres da década de 50, visto que a mesma revela abertamente o desejo de fazer sexo, se mostra uma moça que questiona, que retruca, que expõe seus desejos carnais. Este “estranhamento” se dá pelo fato de haver resquícios do pensamento vigente dos “puristas” da época. A pessoa que o sentir irá pensar que a personagem está agindo não como uma típica mulher e ainda por cima, virgem. Irá pensar que esta está tendo atitudes de homem, devido à sua liberdade de atos e pensamentos.

A história da literatura traz imagens contraditórias como as da Nossa Senhora, da mulher idealizada, da bruxa, da jovem inocente, da sedutora, da mãe dedicada ou da femme fatale. A diversidade das imagens estereotípicas, porém, se junta numa estrutura dualista: elas dividem o feminino numa forma idealizada e demoníaca. Até há pouco tempo atrás, a maioria das mulheres recebia uma educação voltada apenas para os afazeres domésticos, não tendo acesso à cultura e às informações. Não tinham direito ao voto e não podiam trabalhar fora de casa. Além disso, era preciso que se mantivesse casta, para isso sendo vigiada durante a vida toda, primeiramente pelo pai, e, mais tarde, pelo marido, na falta deste, pelos filhos (Reisner, 1999).

Na verdade, Lola apresenta um comportamento que poderíamos chamar de amoral, a partir do momento em que ignora as convenções sexuais e o pudor, trata com naturalidade a exposição do corpo, inclusive das partes genitais e não se importa com as convenções sociais.

Ficou curioso? Quer saber se o padrasto de Monella é mesmo o pai dela? Quer saber se ela conseguirá se manter virgem até o casamento? Não vou dizer. Vou parar por aqui, afinal, esta sessão é de Dicas de Filmes e Livros... e não contarei o final da história...




Ficha Técnica:

Título Original: Monella / Frivolous Lola

Gênero: Comédia Erótica

Origem/Ano: ITÁ/1998

Duração: 99 min

Direção: Tinto Brass


Amores de Estela



por Wilton Cardoso

a coisa explodiu em mim
como conter a energia
que derrama-se e me arrasta
deixando um rastro de mim
e era eu quem me dera
continuar sendo assim
tão eu tão minha eu em mim
a coisa foi um estrondo
mas só o corpo sentiu
restou a pele que eu era
e ainda crêem que sou
por baixo dos poros de mim
as fibras derretem-se e formam
uma mesma e massiva amorfia
alada tensa intensa
toda borda transbordo-me toda
me despejo em desejo e tesão

***

me lave em lava
favo de fel e mel
me leve a mal
***

duplamente feminino
o amor entre nós duas
é o mais íntimo
e singelo de todos os amores

fêmea em todas as metades
e poros a paixão me queima
e quer e teima na tarde
do meu ser que se dissipa
em seu espelho adolescente

iara florescente em teu silente
corpo me deixo e arrasto em canto
me arremesso e me ofereço
à tua torrente turva
em que sou parca e onde me perco
incendida e quase morta
minha doce amiga das águas
de mim
ressurjo
das cinzas de mim

Wilton Cardoso apareceu em Morrinhos/GO - 1971. Compulsão crônicaguda por escrever: poemas, ensaios… Leitor obcecado. E obsessivo. Mas preguiçoso. E indisciplinado. Mora em Goiânia. Caipira, caipora, funcionário público. Vive ao léu, como todo mundo. Nos dizeres do poeta, Estela é seu vulcão, um espírito, uma pomba-gira que baixa sobre ele e que transborda desejo.




O erotismo romântico em “Solfieri”, de Álvares de Azevedo



por Fabiana Aires da Silva Rosa

História de Solfieri

Solfieri era um rapaz que foi a Roma passear e viu na rua uma linda mulher desconhecida que o fez retornar a Roma um ano depois, à sua procura. Certa noite, ao passar em frente a uma igreja entrou, viu uma mulher dentro de um caixão e, para sua surpresa, era a mesma que procurava. Pegou-a no colo, beijou-a e a despiu, pensando estar realizando um ato sexual com um cadáver. O que ele não sabia era que ela não estava morta, estava desmaiada, pois tinha catalepsia.

Ele levou a até sua casa, colocou-a em seu quarto para que seus amigos não a vissem, porém, ela morreu depois de dois dias e duas noites em que passou com uma febre devastadora. Solfieri a enterrou no chão de seu quarto, mas antes mandou fazer dela uma estátua. Como este conto é integrante do volume Noite na taverna, Solfieri estava contando sua história aos amigos, mas eles não acreditaram. Solfieri então mostrou a eles uma grinalda seca, espécie de amuleto que tinha guardado de recordação.

O erotismo romântico e a teoria de Bataille sobre o erotismo

Bataille, em seu texto O erotismo (2004), nos fala que os seres humanos fizeram da atividade sexual uma atividade erótica. O que ele pretende dizer é que as pessoas mantêm relações sexuais e amorosas umas com as outras, e a atividade sexual é um dos pontos principais para a existência, porque os seres humanos põem a sexualidade como algo íntimo de cada ser, subjetivo, e o próprio desejo é uma experiência subjetiva.

Por outro lado, no jogo erótico, o desejo pelo corpo nu já é uma pré-disposição ao ato sexual. Solfieri, além de se sentir atraído pela mulher, já a havia a idealizado. Sonhando com sua beleza, ele a vê morta e se sente excitado por ela, pois não existe somente a atração, existe um provável sentimento. Bataille nos fala também que existe uma relação entre a morte e a excitação sexual. As relações sexuais entre as pessoas nos levam a refletir que existem diversas formas de desejo, de excitações sexuais, seja pelo corpo nu ou ainda pelo cadáver, entre outras coisas, que vão da vida até a morte, como disse Bataille. A esta excitação e desejo por cadáveres (no caso do conto, uma mulher) damos o nome de necrofilia.

Bataille fala em seu texto sobre três formas do erotismo. O primeiro é o erotismo dos corpos onde o que se pensa em algo material, o corpo. No conto, Solfieri sente desejo pelo corpo morto da mulher e, com isso, expressa uma fantasia de passividade feminina muito freqüente nos textos românticos. Nesses textos, apresenta-se uma concepção de atividade masculina e passividade feminina, pois, de acordo com a visão tradicional, no ato sexual, quando os corpos se encontram, o homem tem um papel mais ativo, enquanto a mulher se apresenta no ato como uma virgem passiva, que espera o homem dar o primeiro passo. A amante morta é o exagero dessa fantasia da passividade feminina ao mesmo tempo em que expressa estreita ligação entre erotismo, vida e morte.

O segundo tipo de que nos fala Bataille é o erotismo dos corações. Aqui temos a ligação psíquica, e esta, no nível do sentimento, liga-se afetivamente ao amor platônico. No conto, Solfieri sente algo que podemos deduzir ser um provável amor platônico, pois foi capaz de nunca sentir algo por nenhuma mulher a não ser por aquela que ele havia visto em Roma, foi capaz de retornar a Roma apenas para tentar encontrá-la.

O ultimo erotismo de que Bataille nos fala é o erotismo sagrado, este se relaciona ao místico, ao sagrado, ao cosmo, e à separação. Solfieri encontra a mulher, porém, ela morre depois de dois dias e duas noites, eles são separados ficando apenas com suas lembranças. A grinalda que ele guarda como amuleto funciona como meio da união mística com a amante morta, agora transformada em um crânio seco.

O conto, como é possível ver, está dentro dos moldes românticos. O romantismo foi um movimento histórico-literário que proclamava a liberdade de criação e de expressão de sentimentos, com predomínio da sensibilidade e da imaginação, sobrepondo a paixão sobre a razão. Percebe-se que Solfieri idealiza, sonha com uma mulher que viu em Roma e ao vê-la no caixão tem a capacidade de ir contra a razão: ele a beija e se relaciona sexualmente com aquele suposto cadáver que era da mulher com que ele sonhava, e da qual nunca se esquecia. A idealização da mulher e o predomínio do sentimento contra a razão são características do romantismo. Outra característica romântica presente no conto é a ambientação: ele acontece em lugares exóticos, em ambientes noturnos, no caso, a taverna, o cemitério e a igreja durante a noite.

Portanto, o conto Solfieri, de Álvares de Azevedo, nos conta a história de Solfieri, que sente amor e também excitação pela mulher misteriosa pela qual havia se apaixonado. Este amor entre eles foi consagrado pela atração e realização do ato sexual. No erotismo, essa atração de dois corpos é uma forma de realização da fantasia do prazer. Entretanto, vê-se que no conto prevalece o erotismo romântico até mesmo na forma da linguagem, que não partilha da explicitude que se poderia esperar de um texto erótico, pois, mesmo narrando acontecimentos aterrorizantes como a necrofilia, apresenta a cena erótica de modo bastante camuflado.

LEIA O CONTO "SOLFIERI", DE ÁLVARES DE AZEVEDO

Referências:

AZEVEDO, Álvares de. Solfieri. In: COSTA, Flavio M. (Org.). As cem melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.

30 novembro 2008

Curiosidades sexuais: hierofilia




por Blenda Vieira

A hierofilia pode ser uma prática ofensiva para uns, mas conta Austin (Texas, 1969), em um depoimento pessoal, que gosta da prática. Hierofilia refere-se aqueles que se excitam com objetos sagrados, como por exemplo, a masturbação com cruz, ou nos bancos de igrejas. O caso de Austin foi um pouco mais longe, ele arrombou uma igreja na madrugada, para fazer sexo no altar.

Fato curioso: em 04 de junho deste ano, segundo o site “Tudo agora”, um casal de italianos foi preso fazendo sexo oral no confessionário. Os policiais de Cesena, na Itália, acharam que tudo não passava de uma brincadeira quando, na manhã de domingo, receberam o telefonema de um funcionário de uma igreja da cidade que dizia: "Estou ouvindo gemidos e barulhos suspeitos que vêm de um dos confessionários". Mas não era uma brincadeira. Os policiais foram até o local e surpreenderam uma educadora de 32 anos e um operário de 31 fazendo sexo oral. O casal foi imediatamente levado para uma delegacia. "Somos ateus e, para nós, fazer sexo na igreja é como transar em qualquer outro lugar", alegaram.

Fato curioso: a atriz global Carol Castro passou, em agosto de 2008, por um processo de repressão. Tudo isso aconteceu porque Carol usou um crucifixo junto ao pescoço em um ensaio nu para a revista Playboy [versão brasileira]. A Arquidiocese de São Paulo e outras entidades tentaram proibir a exibição da foto e alegaram ser um desrespeito com os católicos. O escândalo só serviu para aumentar a venda da revista Playboy, que bateu recordes no mês de Carol Castro na capa...

Fato curioso: Madonna, sempre cercada de polêmicas, em 1989 foi “condenada” pela Igreja Católica por ter feito um clipe de sua música “Like a Prayer” dentro de uma igreja. Além disso, Madonna aparece dançando com um santo negro e beijando-o. Para a Igreja, Madonna “passou dos limites”.

Referência:

LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima Rodrigues. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

Sadismo




por Juliana Cristina Gonçalves


Todos nós certamente já ouvimos pelo menos uma vez na vida o termo Sadismo. Este termo foi primeiramente usado pelo psiquiatra Krafft-Ebing, sexólogo do século XIX, e foi inspirado no nome do aristocrata francês Donatien Alphonse Françóis ou O marquês de Sade (Paris, 2 de junho de 1740 – Saint-Maurice, 2 de dezembro de 1814) e designa o prazer sexual em infligir dor física ou moral a outrem. Criado pelo Abade de Sade, um tio seu, Donatien, em sua vida adulta, tornou-se adepto da libertinagem, levando uma vida desregrada e imoral e passando por isso grande parte de sua vida na prisão. Preso pela primeira vez em 1788, permaneceu dessa forma por 27 anos, sendo seu último cárcere o hospício de Charenton. A prisão teve grande importância na prosa sadiana, pois foi neste período que começou a escrever, tornando-se a partir daí uma das figuras mais polêmicas da história da literatura universal. O principal tema das obras sadianas, em plena revolução francesa, foi a libertação do indivíduo pela corrupção dos costumes. Segundo Elaine Robert Moraes em seu livro Lições de Sade, Sade foi um escritor que por toda sua vida dedicou-se com rigor e paixão a provar que a liberdade humana só se realiza no mal. Desta forma, foi considerado em sua época um escritor maldito e sua obra foi enquadrada em um estilo literário concebido no século XVI: a literatura libertina, um estilo onde os escritores aliavam o maior grau de egoísmo ao máximo de prazer e crueldade. O marquês buscava a todo custo revelar a verdade sobre o homem e o que ele mais percebeu na natureza humana foi o egoísmo e a maldade.

Otávio Paz, em um estudo que faz da obra de Sade, reconhece neste um libertino ateu que cedia à natureza o lugar de Deus. Para Sade "as virtudes calcadas na moral religiosa, são contra a natureza humana, impedindo-nos de sermos felizes", desta forma, defendendo que durante o ato sexual tudo era permitido para chegar ao gozo, encontra na crueldade com o outro a maior fonte do prazer. Elegendo para protagonizar suas obras a figura do libertino, faz apologias ao crime e ao mal. Incrédulo e totalmente contra o clero da época, denunciava também em suas produções os atos nefandos de freiras, bispos, padres depravados procurando enfatizar de um lado a crítica à moral e aos costumes (principalmente os de origem cristã) e do outro a convicção de que o prazer, esse sentimento negado aos eclesiásticos, não é apenas uma necessidade biológica, mas também a fonte da felicidade.

Uma de suas maiores obras, Os 120 dias de Sodoma narram seiscentas perversões sexuais, um catálogo de práticas e inclinações estranhas ou ferozes. Para Paz, o mais assombroso da obra sadiana não são as inúmeras descrições sexuais perversas e sim o fato de Sade tê-las imaginado na solidão de suas celas. Justine é outra grandiosa obra de Sade.

A seguir veremos resumidamente um trecho desta obra intitulado “De monges e virgens”. Neste episódio, Sophie é uma jovem que como suas companheiras foram raptadas e enclausuradas em uma torre onde tinham que atender forçosamente a todos os desejos perversos dos monges libertinos. Segundo a vítima, essas jovens eram trocadas por outras após certo período e não se sabia ao certo onde as substituídas iam parar; esta suspeitava que seria em outra torre, para satisfazer os deleites de outros sacerdotes.

Os monges cometiam com essas jovens todas as perversões que se possa imaginar, dentre elas a sodomia (para que estas continuassem virgens) e o açoitamento das vítimas. Do começo ao fim deste trecho, Sophie usa algumas expressões que comprovam que Sade escolhia pra protagonizar suas obras a figura do libertino. Eis algumas destas expressões: monstruosos, cruéis, odiosos, monstros, horríveis, crimes horríveis, cruéis métodos, infames celerados, atrozes, depravados, horrendos, bárbaros, pérfidos, insignes...

A seguir alguns trechos da obra Justine, que comprovam como os monges eram "sádicos":

Octavie, que era filha de um grande comerciante de Lyon, que acabava de completar sua educação em Paris e que voltava para casa de seus pais com uma governanta, quando, atacada à noite entre Auxerre e Veneton, havia sido raptada e levada aquela casa... Certamente nunca se viu pele mais branca, jamais penugem mais suave, contudo tanto frescor, tanta inocência e delicadeza iriam se tornar presa daqueles bárbaros... Octávie chora, não é ouvida; o fogo brilha nos olhos daquele execrável italiano... nenhum artifício, nenhum preparativo é empregado... um grito enternecedor da vítima anuncia enfim sua derrota. Mas nada enternece seu orgulhoso vencedor; mais ela parece implorar sua graça, mais ele investe com ferocidade, e a infeliz, a meu exemplo é ignominiosamente aviltada sem deixar de ser virgem...

_ Que eu tome a partir daí_ disse Antoin sem deixá-la se reerguer. _ Há mais de uma brecha no bastião e apenas uma foi tomada. Ele falou e avançando orgulhosamente para o combate, em um minuto é o senhor do local. Novos gemidos se ouvem... _ Deus seja louvado_ disse aquele monstro horrível.

_ Eu teria duvidado da derrota sem as queixas da vencida, e só estimo meu triunfo quando me custaram lágrimas.

_ Na verdade_ disse Jêrome, avançando com o açoite na mão _ , eu também não perturbarei esta doce atitude, ela favorece ainda mais meus intuitos... Nada detém o pérfido monge, mais a estudante se lastima, mais explode a severidade do reitor... Tudo é tratado da mesma maneira, nada obtêm sua mercê; logo não mais existe uma única parte daquele belo corpo que não porte a marca de sua barbárie e é enfim sobre os sangrentos vestígios de seus ódios prazeres que o pérfido extingue seu fogo.

Como alude Paz, na concepção de Sade, “prazer e dor formam uma dupla surpreendente e suas relações são paradoxais. À medida que cresce e se faz mais intenso, o prazer roça a zona da dor, o verdadeiro prazer, o prazer mais forte, intenso e duradouro é dor exasperada que, por sua própria violência, se transforma de novo em prazer”. E Sade ainda Reconhece que esse prazer é inumano não só porque se atinge por meio do sofrimento alheio, mas também por que para ser capaz de praticá-lo é necessária uma valentia sobre-humana.

Para Paz, a obra de Sade não é só uma longa censura contra as morais impostas à espécie humana, é também uma tentativa de dissipar os enganos que nublam nossas opiniões. Muitos estudiosos, hoje, reconhecem: por mais absurdas que sejam as narrativas de Sade, tudo que ele relatou nada mais é que a verdadeira face de muitos de nós.

Referências:

MORAES, Eliane Robert. Lições de Sade: ensaios sobre a imaginação libertina. São Paulo: Iluminuras, 2006.v.1.

PAZ, Octávio. Um mais além erótico: Sade. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Mandarim, 1999.

SADE. De monges e virgens. In: Costa, Flávio Moreira. (Org.). As cem melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p.p. 177-182.

"Ruído de Passos", de Clarice Lispector


por Gisiane Cristina Marques


O século XIX representou uma intensificação da repressão à sexualidade do casal atribuindo a esta a função única de reproduzir. O texto História da sexualidade, de Michel Foucault, trata de forma teórica sobre essa repressão e de como, ainda hoje, tratamos a sexualidade de forma contida e muda.

Segundo Foucault, falar sobre sexo e o próprio ato sexual fora do casamento era considerado um desvio às regras de uma família conjugal. O que não é regulado se torna expulso, negado e reduzido ao silêncio para aquelas pessoas que ainda não haviam recebido a bênção do casamento diante de deus. Não obstante, quanto mais se proíbe determinado assunto, mais se fala sobre ele. O não-dito é sempre valorizado como "segredo" e acaba se fazendo presente nos discursos das pessoas, porém, como tipos circunscritos e codificados.

Depois de dois longos séculos em que a história da sexualidade foi mantida sob um regime de repressão, ainda estamos muito pouco liberados para tratar desse assunto. É notável que vários tabus "estão" sendo quebrados devido ao fato das novas gerações enxergarem a sexualidade de forma mais natural, mas ainda não estamos livres de uma herança repressiva vinda de séculos passados, como podemos notar no conto "Ruídos de passos", de Clarice Lispector, que conta a história de Dona Cândida Raposo.

Essa senhora, aos oitenta e um anos “tinha a vertigem de viver” e se sentia mal principalmente quando passeava na fazenda, via as árvores, a chuva, as rosas, tudo isso fazia com que se lembrasse de seu passado quando ainda era muito bonita. Ela, com esta idade, convivia com um problema: o “desejo de prazer”. Ela queria saber quando iria passar essa vontade do prazer sexual, então, resolveu procurar um ginecologista, porém, teve uma notícia desagradável ao que queria ouvir: o médico disse que não passaria nunca, aquele desejo era até a morte. A senhora Raposo tentou encontrar uma solução para resolver seu problema, disse que poderia pagar um homem para lhe dar prazer, mas o médico pediu que se lembrasse que tinha oitenta e um anos, então teve a idéia de se arranjar sozinha, masturbando, e assim fez. Durante o orgasmo, ouviu “mudos fogos de artifício” e depois chorou. Passado esse momento, pensou ter ouvido ruído de passos, os passos de seu falecido marido Antenor Raposo.

Clarice Lispector trata de dois tabus nesse conto: velhice e sexualidade, juntas. A pessoa idosa, e em especial a mulher velha, devido à cobrança que a sociedade faz em relação ao corpo jovem e bonito da mulher, é freqüentemente vista como alguém que não mais sente prazer e não pode mais ser desejada. Tratar sobre a sexualidade na velhice causa certo desconforto ao leitor, pois esse assunto gera risos, chacotas e comentários. O exercício da sexualidade na velhice se torna algo obsceno. Há um curta-metragem desse conto com a direção de Denise Gonçalves. Ela esclarece a dificuldade que teve em encontrar uma atriz para representar o papel de Dona Cândida Raposo, devido à cena de semi-nudez que deveria aparecer no final do filme. Não é fácil fazer com que uma senhora se disponha a isso nessa idade. A sociedade é preconceituosa e privilegia somente a imagem exterior que está associada com a juventude.

No momento em que a personagem se masturba para satisfazer-se, sente muita vergonha de fazê-lo, mas liberta o corpo para o prazer, pois se lembra de seu marido em meio à solidão da viuvez e traz para o cenário, no final da história, o ruído dos passos dele.

No livro o em que o conto se insere, A via crucis do corpo, de 1974, a autora explica nas primeiras páginas, no prefácio, as circunstâncias que a levaram a escrevê-lo. Foi um livro feito por encomenda de seu editor, o poeta Álvaro Pacheco, ela afirma não ter aceitado por dinheiro e sim, porque gosta de desafios, ficou chocada com a realidade diante da indecência das histórias, mas quem mais sofreu com essa descoberta foi ela mesma. Clarice queria publicar sob forma de pseudônimo, pois temia a reação de seus filhos quando lessem assuntos tão perigosos, mas o editor não aceitou, disse que ela devia ter a liberdade de escrever. Assim, a autora tentando vencer seu próprio pudor, publicou a coletânea de contos assinando seu próprio nome.

Referências:

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.

GOTLIB, Nádia B. Dona Cândida Raposo: sexualidade e velhice. In: DUARTE, Constância Lima et al. (org.). Anais do IX Seminário Internacional Mulher e Literatura do GT da ANPOLL A Mulher na Literatura. UFMG, Belo Horizonte, Ago/ 2001.

LIMA, Susana Moreira. A obscenidade da velhice feminina: o rompimento do olhar na literatura. Anais do VII Seminário Internacional Fazendo Gênero. UFSC, Florianópolis, Ago/ 2006. On line. Disponível em http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/S/Susana_Moreira_de_Lima_13_A.pdf.

LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.