10 dezembro 2008

Liberação da mulher por meio da obra poética de Gilka Machado


por Rubia Lanie Vaz


A finalidade deste post é apresentar a obra poética de Gilka Machado, visto que a mesma representou um marco importante para a liberação da mulher por meio de seus poemas.

Ao analisar a poesia de Gilka Machado, percebe-se que esta quebra as expectativas em relação à poesia produzida por mulheres, tanto em função dos temas abordados como da qualidade dos versos, levando em conta os critérios dos críticos mais conservadores a respeito da forma. Os poemas audaciosos desafiavam os preceitos e a conduta moral de sua época, colocando pânico nos falsos moralistas do século, visto que a mesma era uma mulher avançada em relação a seu tempo. Emerge então um eu-lírico dividido pelos discursos sobre a atuação sexual das mulheres, que se desenvolvia em direções diferentes, como apresenta o poema que se segue:

A que busca em mim, que vivo em meio
de nós, e nos unindo nos separa,
não sei bem aonde vai, de onde me veio,
trago-a no sangue assim como uma tara.

Dou-te a carne que sou... mas teu anseio
fora possuí-la – a espiritual, a rara,
essa que tem o olhar ao mundo alheio,
essa que tão somente astros encara.

Porque não sou como as demais mulheres?
Sinto que, me possuindo, em mim preferes
aquela que é meu íntimo avantesma...

E, ó meu amor, que ciúme dessa estranha,
dessa rival que os dias me acompanha,
para ruína gloriosa de mim mesma!

No poema, trava-se uma luta entre duas faces de um eu-lírico no feminino: por um lado, deveria agir de acordo com o modelo de mulher assexuada enunciado pelos discursos conservadores, a qual jamais deveria admitir o desejo e por outro, a face que não é aquilo que se espera dentro desses discursos sobre o papel das mulheres de bem.

Surge, nesse poema, uma espécie de separação entre aquilo que se deveria ser e aquilo que se gostaria de ser. Baseado em um sistema de oposições binárias: corpo e alma, mulher e homem, típica da maioria das sociedades que se conhece, a expressão da sensualidade nas mulheres é vista como o oposto da decência (“Trago-a no sangue assim como uma tara”, “para a ruína gloriosa de mim mesma”).

Sob esse ponto de vista, as diferenças entre pessoas só é idealizada sob a crença em essências feminina e masculina, ou seja, entre homens e mulheres, embora o eu-lírico considere-se diferente das outras mulheres pela rebeldia, pelo fato de que não pode conter o desejo, não importando, nesse caso, qual papel o amante prefira que ela represente.

O eu-lírico recusa a passividade que se costuma exigir das mulheres em relação à atividade erótica. As imagens eróticas são recriadas por diferentes vozes femininas, fazendo emergir uma constante tensão entre a consciência literária do erotismo e a consciência erótica do literário. Nesse sentido, a temática erótica traz uma forte densidade literária, visto que ao reatualizar a verdade mítica, simultaneamente, é transmitida uma atitude autocrítica, por se tratar de uma produção poética feminina.

No entanto, é preciso ter uma consciência plena de que a mulher que reflete e expõe o erotismo livremente é a mesma que pensa e diz o seu papel, enquanto construtora da sociedade. São faces do mesmo processo. O autoconhecimento erótico leva ao conhecimento do outro e do mundo e à consciência do poder de transformá-lo com vontade própria.

Os textos escritos sob a consciência literária do erotismo são ricos em referências poéticas, e consequentemente, estes contribuem na construção da identidade com a vivência do desejo, visto que os mesmo percorrem um caminho que vai da aprendizagem para a descoberta, e concomitantemente para o saber, percorrido em contato com a Natureza.

Os poemas, de algum modo, nos sugerem que não é a satisfação compartilhada do desejo apenas ponto de chegada da experiência erótica, mas também marco de partida para o equilíbrio global e para a edificação de concretas utopias. É importante observar como poesia e pensamento estão juntos, mais uma vez, encaminhando-nos para a produção de uma existência solidária e, por isso, radicalmente humana. A qual nos leva a perceber que a Poesia não é apenas um texto construído, acabado, estruturado, mas, sobretudo força geradora de sentidos. Por esse motivo, o poema incorpora o dinamismo da criação, permitindo diferentes leituras.

Referências:

SOARES, Angélica. A paixão emancipatória: vozes femininas da liberação do erotismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1999.

O erótico-obsceno na música sertaneja


por Marilda Barbosa Alves

A linguagem erótico-obscena tem sido intensamente difundida em todos os meios de comunicação de massa. Dentre eles, destacamos a música sertaneja que, por ser tão reproduzida em nossa região, contribuirá no perfeito entendimento de nossos estudos.

Tecemos algumas considerações sobre este léxico e, para tanto, escolhemos a canção “A fruta-vida”, interpretada por Gino e Geno, e a canção “Fogo no rabo”, interpretada por Teodoro e Sampaio.

Em ambas as canções, encontramos uma gama imensa de vocábulos e estruturas que buscam dizer sem dizer. São letras que evocam e fazem apologia ao erótico-obsceno, ou seja, trabalham com palavras que tem sentido duplo e que no contexto geral da música, remetem às genitálias e ao ato sexual. Nas canções citadas, exploram, quase que invariavelmente, a figura feminina, abordando sempre uma linguagem erótico-obscena que, atualmente, se popularizou graças à mídia e à censura que se tornou mais flexível. Ressalta-se que tal modalidade lingüística sempre existiu e hoje, não restringe sua utilização apenas à parcela de falantes considerada menos culta.

O uso de metáforas é bastante recorrente nas canções mencionadas, isto porque, existe um tabu para o uso dos nomes que denominam os órgãos genitais e, para tal, são utilizadas outras palavras que são escolhidas através de associações, que podem ser: pela cor, pelo cheiro, pelo formato. Como por exemplo, na canção “A fruta-vida”, interpretada por Gino e Geno, já no primeiro verso “A fruta que eu mais gosto como até o caroço...”, encontramos a palavra fruta utilizada em um novo contexto, diferente do significado que o signo em primeira instância nos remete: aqui a palavra se refere ao órgão sexual feminino. Ao longo da canção, outros vocábulos são utilizados para complementar o que o autor se dispôs a fazer: assim forquilha nos remete ao vértice das pernas, à região pélvica, onde se encontra a vagina, anteriormente definida como fruta. Ainda encontramos os vocábulos grudadinha, peladinha e cabeluda, mostrando as características da genitália feminina.

Só dá uma no pé.
Grudadinha na forquilha.

Ela tem vários nomes.
E a aparência as vezes muda.
Algumas são peladinhas.
E outras são cabeludas.

Já na canção de Teodoro e Sampaio “Fogo no rabo”, a metáfora se dá com as palavras pistola e cabo, fazendo referência ao órgão sexual masculino. Os objetos mencionados, por sua aparência cilíndrica, servem de referencial e comparação com o pênis, além de supor que este pênis esteja em estado de ereção devido à consistência de tais objetos.

O termo pistola faz menção a uma arma de fogo que expulsa um projétil com grande velocidade através de um orifício em sua extremidade. De semelhante modo, o pênis lança o esperma quando ejacula. O cabo, analisando sua utilização, refere-se a uma parte da madeira ou outro objeto cilíndrico e duro que acopla em uma ferramenta por meio de um orifício próprio, conforme se faz com o pênis durante o ato sexual. Nos dois casos, “pistola” e “cabo”, as palavras que substituem os nomes das genitálias são utilizadas tomando como referência a forma que elas possuem e que lembram o órgão genital masculino quando ereto.

Vou levar minha pistola
E já vou com a mão no cabo
Nós vamos lá pro motel

Vamos fazer um trembel
E apagar o fogo do rabo.


Fica evidente que, aos autores e intérpretes destas músicas, interessa principalmente a popularização da canção por questões comerciais, já que falta muito de apuro literário e sobra vulgarização do tema, composto em versos apelativos e estrofes e ritmos de fácil memorização. O presente trabalho tem o propósito de trazer à tona dados relevantes que contribuam para se entender melhor à produção do léxico erótico-obsceno na música sertaneja.

Referências:

SAVAGLIA, Claúdia & ORSI, Vivian. O léxico erótico-obsceno em italiano e português: algumas considerações.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do léxico. In: ISQUERDO, Aparecida Alegri & OLIVEIRA, Maria Pinto Pires (org.). As ciências do léxico: Lexicologia, Lexicografia, Terminologia. 2ª Ed. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001.