30 novembro 2008

Curiosidades sexuais: hierofilia




por Blenda Vieira

A hierofilia pode ser uma prática ofensiva para uns, mas conta Austin (Texas, 1969), em um depoimento pessoal, que gosta da prática. Hierofilia refere-se aqueles que se excitam com objetos sagrados, como por exemplo, a masturbação com cruz, ou nos bancos de igrejas. O caso de Austin foi um pouco mais longe, ele arrombou uma igreja na madrugada, para fazer sexo no altar.

Fato curioso: em 04 de junho deste ano, segundo o site “Tudo agora”, um casal de italianos foi preso fazendo sexo oral no confessionário. Os policiais de Cesena, na Itália, acharam que tudo não passava de uma brincadeira quando, na manhã de domingo, receberam o telefonema de um funcionário de uma igreja da cidade que dizia: "Estou ouvindo gemidos e barulhos suspeitos que vêm de um dos confessionários". Mas não era uma brincadeira. Os policiais foram até o local e surpreenderam uma educadora de 32 anos e um operário de 31 fazendo sexo oral. O casal foi imediatamente levado para uma delegacia. "Somos ateus e, para nós, fazer sexo na igreja é como transar em qualquer outro lugar", alegaram.

Fato curioso: a atriz global Carol Castro passou, em agosto de 2008, por um processo de repressão. Tudo isso aconteceu porque Carol usou um crucifixo junto ao pescoço em um ensaio nu para a revista Playboy [versão brasileira]. A Arquidiocese de São Paulo e outras entidades tentaram proibir a exibição da foto e alegaram ser um desrespeito com os católicos. O escândalo só serviu para aumentar a venda da revista Playboy, que bateu recordes no mês de Carol Castro na capa...

Fato curioso: Madonna, sempre cercada de polêmicas, em 1989 foi “condenada” pela Igreja Católica por ter feito um clipe de sua música “Like a Prayer” dentro de uma igreja. Além disso, Madonna aparece dançando com um santo negro e beijando-o. Para a Igreja, Madonna “passou dos limites”.

Referência:

LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima Rodrigues. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

Sadismo




por Juliana Cristina Gonçalves


Todos nós certamente já ouvimos pelo menos uma vez na vida o termo Sadismo. Este termo foi primeiramente usado pelo psiquiatra Krafft-Ebing, sexólogo do século XIX, e foi inspirado no nome do aristocrata francês Donatien Alphonse Françóis ou O marquês de Sade (Paris, 2 de junho de 1740 – Saint-Maurice, 2 de dezembro de 1814) e designa o prazer sexual em infligir dor física ou moral a outrem. Criado pelo Abade de Sade, um tio seu, Donatien, em sua vida adulta, tornou-se adepto da libertinagem, levando uma vida desregrada e imoral e passando por isso grande parte de sua vida na prisão. Preso pela primeira vez em 1788, permaneceu dessa forma por 27 anos, sendo seu último cárcere o hospício de Charenton. A prisão teve grande importância na prosa sadiana, pois foi neste período que começou a escrever, tornando-se a partir daí uma das figuras mais polêmicas da história da literatura universal. O principal tema das obras sadianas, em plena revolução francesa, foi a libertação do indivíduo pela corrupção dos costumes. Segundo Elaine Robert Moraes em seu livro Lições de Sade, Sade foi um escritor que por toda sua vida dedicou-se com rigor e paixão a provar que a liberdade humana só se realiza no mal. Desta forma, foi considerado em sua época um escritor maldito e sua obra foi enquadrada em um estilo literário concebido no século XVI: a literatura libertina, um estilo onde os escritores aliavam o maior grau de egoísmo ao máximo de prazer e crueldade. O marquês buscava a todo custo revelar a verdade sobre o homem e o que ele mais percebeu na natureza humana foi o egoísmo e a maldade.

Otávio Paz, em um estudo que faz da obra de Sade, reconhece neste um libertino ateu que cedia à natureza o lugar de Deus. Para Sade "as virtudes calcadas na moral religiosa, são contra a natureza humana, impedindo-nos de sermos felizes", desta forma, defendendo que durante o ato sexual tudo era permitido para chegar ao gozo, encontra na crueldade com o outro a maior fonte do prazer. Elegendo para protagonizar suas obras a figura do libertino, faz apologias ao crime e ao mal. Incrédulo e totalmente contra o clero da época, denunciava também em suas produções os atos nefandos de freiras, bispos, padres depravados procurando enfatizar de um lado a crítica à moral e aos costumes (principalmente os de origem cristã) e do outro a convicção de que o prazer, esse sentimento negado aos eclesiásticos, não é apenas uma necessidade biológica, mas também a fonte da felicidade.

Uma de suas maiores obras, Os 120 dias de Sodoma narram seiscentas perversões sexuais, um catálogo de práticas e inclinações estranhas ou ferozes. Para Paz, o mais assombroso da obra sadiana não são as inúmeras descrições sexuais perversas e sim o fato de Sade tê-las imaginado na solidão de suas celas. Justine é outra grandiosa obra de Sade.

A seguir veremos resumidamente um trecho desta obra intitulado “De monges e virgens”. Neste episódio, Sophie é uma jovem que como suas companheiras foram raptadas e enclausuradas em uma torre onde tinham que atender forçosamente a todos os desejos perversos dos monges libertinos. Segundo a vítima, essas jovens eram trocadas por outras após certo período e não se sabia ao certo onde as substituídas iam parar; esta suspeitava que seria em outra torre, para satisfazer os deleites de outros sacerdotes.

Os monges cometiam com essas jovens todas as perversões que se possa imaginar, dentre elas a sodomia (para que estas continuassem virgens) e o açoitamento das vítimas. Do começo ao fim deste trecho, Sophie usa algumas expressões que comprovam que Sade escolhia pra protagonizar suas obras a figura do libertino. Eis algumas destas expressões: monstruosos, cruéis, odiosos, monstros, horríveis, crimes horríveis, cruéis métodos, infames celerados, atrozes, depravados, horrendos, bárbaros, pérfidos, insignes...

A seguir alguns trechos da obra Justine, que comprovam como os monges eram "sádicos":

Octavie, que era filha de um grande comerciante de Lyon, que acabava de completar sua educação em Paris e que voltava para casa de seus pais com uma governanta, quando, atacada à noite entre Auxerre e Veneton, havia sido raptada e levada aquela casa... Certamente nunca se viu pele mais branca, jamais penugem mais suave, contudo tanto frescor, tanta inocência e delicadeza iriam se tornar presa daqueles bárbaros... Octávie chora, não é ouvida; o fogo brilha nos olhos daquele execrável italiano... nenhum artifício, nenhum preparativo é empregado... um grito enternecedor da vítima anuncia enfim sua derrota. Mas nada enternece seu orgulhoso vencedor; mais ela parece implorar sua graça, mais ele investe com ferocidade, e a infeliz, a meu exemplo é ignominiosamente aviltada sem deixar de ser virgem...

_ Que eu tome a partir daí_ disse Antoin sem deixá-la se reerguer. _ Há mais de uma brecha no bastião e apenas uma foi tomada. Ele falou e avançando orgulhosamente para o combate, em um minuto é o senhor do local. Novos gemidos se ouvem... _ Deus seja louvado_ disse aquele monstro horrível.

_ Eu teria duvidado da derrota sem as queixas da vencida, e só estimo meu triunfo quando me custaram lágrimas.

_ Na verdade_ disse Jêrome, avançando com o açoite na mão _ , eu também não perturbarei esta doce atitude, ela favorece ainda mais meus intuitos... Nada detém o pérfido monge, mais a estudante se lastima, mais explode a severidade do reitor... Tudo é tratado da mesma maneira, nada obtêm sua mercê; logo não mais existe uma única parte daquele belo corpo que não porte a marca de sua barbárie e é enfim sobre os sangrentos vestígios de seus ódios prazeres que o pérfido extingue seu fogo.

Como alude Paz, na concepção de Sade, “prazer e dor formam uma dupla surpreendente e suas relações são paradoxais. À medida que cresce e se faz mais intenso, o prazer roça a zona da dor, o verdadeiro prazer, o prazer mais forte, intenso e duradouro é dor exasperada que, por sua própria violência, se transforma de novo em prazer”. E Sade ainda Reconhece que esse prazer é inumano não só porque se atinge por meio do sofrimento alheio, mas também por que para ser capaz de praticá-lo é necessária uma valentia sobre-humana.

Para Paz, a obra de Sade não é só uma longa censura contra as morais impostas à espécie humana, é também uma tentativa de dissipar os enganos que nublam nossas opiniões. Muitos estudiosos, hoje, reconhecem: por mais absurdas que sejam as narrativas de Sade, tudo que ele relatou nada mais é que a verdadeira face de muitos de nós.

Referências:

MORAES, Eliane Robert. Lições de Sade: ensaios sobre a imaginação libertina. São Paulo: Iluminuras, 2006.v.1.

PAZ, Octávio. Um mais além erótico: Sade. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Mandarim, 1999.

SADE. De monges e virgens. In: Costa, Flávio Moreira. (Org.). As cem melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p.p. 177-182.

"Ruído de Passos", de Clarice Lispector


por Gisiane Cristina Marques


O século XIX representou uma intensificação da repressão à sexualidade do casal atribuindo a esta a função única de reproduzir. O texto História da sexualidade, de Michel Foucault, trata de forma teórica sobre essa repressão e de como, ainda hoje, tratamos a sexualidade de forma contida e muda.

Segundo Foucault, falar sobre sexo e o próprio ato sexual fora do casamento era considerado um desvio às regras de uma família conjugal. O que não é regulado se torna expulso, negado e reduzido ao silêncio para aquelas pessoas que ainda não haviam recebido a bênção do casamento diante de deus. Não obstante, quanto mais se proíbe determinado assunto, mais se fala sobre ele. O não-dito é sempre valorizado como "segredo" e acaba se fazendo presente nos discursos das pessoas, porém, como tipos circunscritos e codificados.

Depois de dois longos séculos em que a história da sexualidade foi mantida sob um regime de repressão, ainda estamos muito pouco liberados para tratar desse assunto. É notável que vários tabus "estão" sendo quebrados devido ao fato das novas gerações enxergarem a sexualidade de forma mais natural, mas ainda não estamos livres de uma herança repressiva vinda de séculos passados, como podemos notar no conto "Ruídos de passos", de Clarice Lispector, que conta a história de Dona Cândida Raposo.

Essa senhora, aos oitenta e um anos “tinha a vertigem de viver” e se sentia mal principalmente quando passeava na fazenda, via as árvores, a chuva, as rosas, tudo isso fazia com que se lembrasse de seu passado quando ainda era muito bonita. Ela, com esta idade, convivia com um problema: o “desejo de prazer”. Ela queria saber quando iria passar essa vontade do prazer sexual, então, resolveu procurar um ginecologista, porém, teve uma notícia desagradável ao que queria ouvir: o médico disse que não passaria nunca, aquele desejo era até a morte. A senhora Raposo tentou encontrar uma solução para resolver seu problema, disse que poderia pagar um homem para lhe dar prazer, mas o médico pediu que se lembrasse que tinha oitenta e um anos, então teve a idéia de se arranjar sozinha, masturbando, e assim fez. Durante o orgasmo, ouviu “mudos fogos de artifício” e depois chorou. Passado esse momento, pensou ter ouvido ruído de passos, os passos de seu falecido marido Antenor Raposo.

Clarice Lispector trata de dois tabus nesse conto: velhice e sexualidade, juntas. A pessoa idosa, e em especial a mulher velha, devido à cobrança que a sociedade faz em relação ao corpo jovem e bonito da mulher, é freqüentemente vista como alguém que não mais sente prazer e não pode mais ser desejada. Tratar sobre a sexualidade na velhice causa certo desconforto ao leitor, pois esse assunto gera risos, chacotas e comentários. O exercício da sexualidade na velhice se torna algo obsceno. Há um curta-metragem desse conto com a direção de Denise Gonçalves. Ela esclarece a dificuldade que teve em encontrar uma atriz para representar o papel de Dona Cândida Raposo, devido à cena de semi-nudez que deveria aparecer no final do filme. Não é fácil fazer com que uma senhora se disponha a isso nessa idade. A sociedade é preconceituosa e privilegia somente a imagem exterior que está associada com a juventude.

No momento em que a personagem se masturba para satisfazer-se, sente muita vergonha de fazê-lo, mas liberta o corpo para o prazer, pois se lembra de seu marido em meio à solidão da viuvez e traz para o cenário, no final da história, o ruído dos passos dele.

No livro o em que o conto se insere, A via crucis do corpo, de 1974, a autora explica nas primeiras páginas, no prefácio, as circunstâncias que a levaram a escrevê-lo. Foi um livro feito por encomenda de seu editor, o poeta Álvaro Pacheco, ela afirma não ter aceitado por dinheiro e sim, porque gosta de desafios, ficou chocada com a realidade diante da indecência das histórias, mas quem mais sofreu com essa descoberta foi ela mesma. Clarice queria publicar sob forma de pseudônimo, pois temia a reação de seus filhos quando lessem assuntos tão perigosos, mas o editor não aceitou, disse que ela devia ter a liberdade de escrever. Assim, a autora tentando vencer seu próprio pudor, publicou a coletânea de contos assinando seu próprio nome.

Referências:

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.

GOTLIB, Nádia B. Dona Cândida Raposo: sexualidade e velhice. In: DUARTE, Constância Lima et al. (org.). Anais do IX Seminário Internacional Mulher e Literatura do GT da ANPOLL A Mulher na Literatura. UFMG, Belo Horizonte, Ago/ 2001.

LIMA, Susana Moreira. A obscenidade da velhice feminina: o rompimento do olhar na literatura. Anais do VII Seminário Internacional Fazendo Gênero. UFSC, Florianópolis, Ago/ 2006. On line. Disponível em http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/S/Susana_Moreira_de_Lima_13_A.pdf.

LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

“Mulher sentada na areia", de Renata Pallotini




por Denúzia Divina Pinto Nogueira


O conto “Mulher sentada na areia”, de Renata Pallotini, foi publicado na coletânea Muito prazer: contos eróticos femininos, de 1984. Organizada por Márcia Denser, a seleção de textos eróticos femininos, escritos por brasileiras, apresenta a tentativa de tratar o erotismo do ponto de vista feminino, de mostrar que as mulheres sabem falar de sexo, uma vez que, na história da literatura, dadas as circunstâncias freqüentemente repressivas em que se desenvolve a sexualidade feminina, o tema era exclusivo aos escritores masculinos. Assim, a incursão das mulheres na escrita desse tipo de texto marca um desejo e uma transgressão: o desejo de dar voz ao erotismo tratado de um lugar feminino e a transgressão da ordem repressiva que se instaurou sobre o desejo feminino.

As mulheres sempre sofreram uma sobrecarga de preconceitos sexuais em relação aos homens e uma grande rigidez sobre sua sexualidade, por muitas vezes retraída, reprimida e não exercitada. Fora do casamento, o marido se relacionava com mulheres jovens, utilizando práticas sexuais proibidas com sua esposa. Eles buscavam fora de casa a satisfação sexual e essa atitude sempre foi aceita pela sociedade, porque uma mulher decente não podia fazer sexo por tesão, a ela não eram permitidas posições diferentes da considerada “normal” (homem por cima) e carícias eróticas, consideradas pornográficas.

O conto, ao narrar o relacionamento entre uma mulher de aproximadamente 50 anos, desquitada, e um jovem surfista de 22 anos, é uma tentativa de trazer tanto essa voz feminina para o texto erótico quanto a discussão sobre as novas possibilidades de relacionamento. No conto, a própria personagem descreve os momentos que passou com o jovem durante 15 dias quando, todas as manhãs, ficava sentada na praia, ao longe, observando todos os movimentos do jovem ao entrar no mar. Ela compara seu desempenho no surfe ao prazer e desejo que ele consegue lhe proporcionar na cama.

A personagem tem consciência que seu envolvimento é motivado pelo fator econômico e reconhece a impossibilidade de ser amada e desejada em decorrência de seus 50 anos já que os prazeres sexuais são atribuídos, na maioria das vezes, aos jovens. Por isso há uma forma de pagamento pelas noites que passam juntos: “quem lhe paga, há 15 dias este belo hotel?”, “ele defende muito bem o seu sorvete diário, a sua prancha de surfe, o seu sono”. Quando observa ao longe o grupo de amigos, ela intui que comentam a seu respeito: “veja aquela mulher! Pô, rapaz, como é que elas conseguem? Cinqüenta anos no mínimo, cinqüenta anos e olha aquelas coxas, aquele peito!” (p. 82).

A sociedade atual prega padrões de beleza que levam a valorizar como bela aquela mulher que tem um corpo considerado exemplar e perfeito, magro, jovem, saudável, bronzeado e vestido de acordo com as últimas tendências da moda. A preocupação que a personagem tem com o corpo fica evidente quando diz que “aos 50 anos fica muito difícil manter a linha, e um sorvete passa a ser um inimigo” ou quando diz “minhas saladas inócuas”, “contraio o recortado abdômen”. Se o prazer é um atributo dos jovens, o corpo que vai envelhecendo é excluído do grupo daqueles que o proporcionam. Assim, as marcas da velhice tendem a ser evitadas a custos bastante altos. A sexualidade na velhice é um tema freqüentemente negligenciado, poucoconhecido e entendido pela sociedade, até mesmo, pelos próprios idosos, que evitam o assunto por constrangimento. Devido ao desconhecimento e à pressão cultural, pessoas de idade avançada, nas quais ainda é intenso o desejo sexual, apresentam um sentimento de culpa e de vergonha, chegando a acreditar que são anormais pelo fato de sentirem vontade do prazer. Geralmente a relação sexual é considerada uma atividade própria apenas para os jovens, com boa saúde e fisicamente atraentes. A idéia de que as pessoas de idade avançada também possam manter relações sexuais não é culturalmente aceita.

A partir dos 50 anos, mesmo atraente e sensual, muitas pessoas tendem a considerar que as mulheres estejam velhas e acham que nessa idade não se deve fazer “isto” ou desejar “aquilo”. Porém, a maioria das mulheres nessa faixa etária mantém por muito tempo seus atrativos físicos, são vaidosas, pensam na saúde e se cuidam através de recursos antes inexistentes, tais como a medicina estética, as academias de ginástica e uma alimentação adequada. A maioria não tem mais o instinto para a procriação, uma vez que, em geral, já cumpriram essa função e, por isso, passaram a ficar mais atentas para outros aspectos prazerosos da vida.

Se, historicamente, os homens sempre buscaram mulheres mais jovens, com as mudanças sociais, as mulheres passaram a exercitar o mesmo direito, entretanto, uma mulher que está sem um parceiro aos 40 anos fica com menos chances, pois os homens dessa faixa etária, ou já estão comprometidos ou estão à procura de mulheres mais jovens. Mesmo com todas as conquistas alcançadas, um relacionamento que foge aos padrões considerados “normais” é sempre colocado em xeque pela sociedade que ainda não está preparada para ver com bons olhos um relacionamento muito desnivelado em termos de idade. Isso ocorre com maior freqüência quando se depara com um casal em que a mulher é mais velha, o que acontece com menos intensidade quando se trata do inverso. Existe muita resistência em todas as classes sociais, as pessoas envolvidas enfrentam preconceitos e comportamentos deselegantes, onde a reação é de estranheza, pois os modos culturais, que foram construídos através dos tempos, ainda continuam internalizados nas pessoas e servem para revelar os preconceitos de gênero.

Na sociedade patriarcal, as mulheres se relacionavam, geralmente, com homens mais velhos, que lhe dessem certa estabilidade e segurança através do casamento. Elas tinham a função principal de dar ao marido o maior número possível de filhos, para que no futuro o sobrenome da família paterna tivesse continuidade. Na sociedade moderna, após conquistar o direito ao voto, a profissionalização, a inserção no mercado de trabalho e com o uso da pílula anticoncepcional, o sexo passou a ser sinônimo de prazer e a mulher começou a conquistar sua independência e certa igualdade entre os sexos. Passou a ter mais liberdade de escolha e começou a romper as barreiras em busca de sua felicidade, tentando satisfazer os seus desejos sexuais por muitas vezes frustrados.

Nem sempre, no entanto, as conquistas relacionadas à vida erótica são isentas de problemas. No caso da protagonista do conto, seu interesse está voltado apenas para a parte sexual, e a relação se baseia em uma troca delimitada pelo dinheiro. Por isso, ela abandonará aqueles prazeres que havia alcançado e resolve ir embora “em troca da cabeça levantada, da cabeça de animal, de fêmea, de cachorra, de cadela, de um bicho do sexo feminino, melhor pastor, melhor guia, melhor guarda? Não morrerei se renuncio ao cio” (p. 83). A personagem decide deixar o rapaz ao perceber que não precisa dele para legitimá-la, que não precisa atender a todos os seus desejos: “Não morri. Minha sobrevivência inclui a fêmea e o ser humano. Sou uma mulher”.

Referências:

BARBOSA, Maria José Somerlate (Org.). Passo e compasso: nos ritmos do envelhecer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

PALLOTINI, Renata. Mulher sentada na areia. In: DENSER, Márcia (Org.). Muito prazer: contos eróticos femininos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1984.

Poesia erótica versus poesia amorosa



por Rogelina Ferreira Machado


Na poesia erótica há uma intensa exposição do corpo humano. Freqüentemente, braços, peitos, coxas, pernas, nádegas e os órgãos genitais masculinos e femininos saltam aos olhos dos leitor. Portanto, na poesia erótica tem-se a apresentação da carnalidade, do aspecto físico e sexual das relações afetivas humanas.

Tradicionalmente, na poesia erótica cujo eu-lírico encarna um homem, é retratado o gozo e o prazer masculinos. Nestes poemas, a mulher pode ser vista apenas como um objeto de fazer sexo e a voz masculina presente no poema não leva os seus sentimentos em consideração. Mas, contemporaneamente, a poesia erótica também passou a ser escrita por mulheres, o que não era comum. Estas mulheres falam em seus poemas sobre os corpos, as relações sexuais e sobre a sua própria satisfação sexual, a entrega dos seus corpos para um homem viril que seja capaz de satisfazê-las sexual e afetivamente.

Lendo um poema erótico de voz masculina:

Era intenso o calor, passava do meio-dia;
Estava eu em minha cama repousando.
[...] Eis que vem Corina numa túnica ligeira,
Os cabelos lhe ocultando o alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semíramis,
Dizem, e Laís que amaram tantos homens.
Tirei-lhe a única; de tão tênue mal contava:
Ela lutou todavia por cobrir-se
Com a túnica, mas sem empenho de vencer:
Venceu-a, sem mágoa, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa, ali diante dos meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo abaixo do peito!
Que primor de ancas, que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi não louvável,
E lhe estreitei a nudez contra o meu corpo.
O resto, quem não sabe? Exaustos, repousamos.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos!
Ovídio

Lendo um poema erótico de voz feminina:

Diria que amor não posso
dar-te de nome, arredia
é o que chamas de posse
à obsessão que te mostra
ao vale das minhas coxas
e maior é o apetite
com que te morde as entranhas
este fruto que se abre
e ele sim é que te come,
que te como por inteiro
mesmo não sendo repasto
o fruto teu que degluto,
que de semente me serve
à poesia.
Olga Savary


Na poesia amorosa acontece o contrário da poesia erótica, nela tem-se a ausência da carnalidade, dos corpos nus e das relações sexuais. Na poesia amorosa são ressaltados os sentimentos de amor, de paixão, apesar das suas falhas. Nesta poesia, na maioria das vezes, o objeto amado, seja homem ou mulher, é visto como um ser idealizado.

Lendo um poema amoroso:

Se for possível, manda-me dizer:
_ É lua cheia. A casa está vazia _
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
_ É lua nova _
E revestida de luz volto a ver.
Hilda Hilst

Referências:

BATAILLE, Georges. O erotismo. Tradução de Cláudia Fares. São Paulo: Arx, 2004.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

Curiosidades sexuais: estigmatofilia


por Blenda Vieira


Tatuagens, piercing, cicatrizes ou modificações corporais podem ser objeto de desejo. A estigmatofilia – termo dado por John Money – é usado para descrever aqueles que se sentem atraídos por essas modificações.

Fato curioso: o filme Crash: estranhos prazeres (Canadá, 1996) conta a história de James, um executivo de publicidade que sofre um acidente de carro que muda completamente sua vida. Se ele e a esposa (Deborah) já não tinham uma vida conjugal convencional, entregando-se a prazeres mundanos nas mais variadas formas, agora essa característica ganhou novas proporções. É que o publicitário envolveu-se com a vítima do mesmo acidente que sofreu, e seus estranhos amigos, que vivem de explorar as ligações entre sexo, morte e perigo, principalmente ligados a acidentes de carro.

Referência:

LOVE, Brenda. Enciclopédia de práticas sexuais. Tradução de Maria de Fátima Rodrigues. - Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

A Vênus das Peles e o Masoquismo



por Juliana Cristina Gonçalves

Masoquismo, assim como o termo sadismo, foi cunhado pelo psiquiatra Krafft-Ebing, em 1885, em seu livro Psicopatias sexuais. Este termo designa o desejo sexual relacionado a sofrer dor e a sujeitar-se ao outro. O psiquiatra inspirou-se no nome de Leopold Von Sacher-Masoch (Lemberg, 1856 – Mannheim, 1895), um grande escritor austríaco que estudou vários idiomas dentre eles o francês e escreveu obras onde se misturavam política, nacionalismo e erotismo, contudo suas obras mais conhecidas foram as de teor erótico. Fascinado desde criança por cenas de crueldade e execução, bem como por tudo que dizia respeito à Antiguidade Clássica, escreveu o livro que o consagrou como escritor erótico: A Vênus das peles, no qual Masoch narra a história de Severin, um homem que amava ser escravizado física e moralmente por sua amante Wanda.

Assim como Sade, Masoch também foi considerado um escritor maldito. Muitos críticos, dentre eles Flávio Carvalho Ferraz, reconhecem em A Vênus das peles muita semelhança com a vida de seu autor. Masoch, em 1869, quando contava 33 anos de idade, conheceu Fanny de Pistor, uma bela mulher nobre que o amava e propôs à dama que assinasse um contrato no qual estava registrado que ele seria seu escravo por seis meses. Ela deveria cometer com ele as maiores atrocidades que se possa imaginar, dentre elas, conseguir um amante que topasse açoitá-lo. Porém Fanny não era sádica, e sofria ao ter que proporcionar ao amado tais consternações. O contrato era para Masoch uma forma de reinventar as relações entre homem e mulher. Um pacto onde o prazer é obtido à custa do sofrimento. Para muitos, a elaboração dessa obra representa uma tentativa de recriar ficcionalmente as fantasias que o escritor não pode realizar com Fanny.

Como já foi dito anteriormente, em A Vênus das peles, Severin, o protagonista, adorava sofrer nas mãos de Wanda, a amante. Em um trecho desta obra denominado “O prazer na dor”, Wanda sai às compras e compra chicote e peles para satisfazer os desejos do amado, ela não gostava muito dessas práticas, mas, para agradar Severin, fazia o possível.

Durante todo esse trecho, Severin pede a Wanda que cause a ele sofrimento de alguma forma e para ser atendido usa expressões tais como: Expulse-me a pontapés; Quero ser seu escravo; Chicoteie-me sem piedade; Chicoteie-me, por favor. Para mim é uma delícia; Sou seu na vida e na morte, pode fazer o que quiser de mim; Pise em mim; Maltrate-me; Seja cruel comigo. Severin chega a dizer a Wanda que não se importa que ela tenha amantes, desde que ela não esconda dele se os tiver.

Segundo Ferraz (2008) a dor e a submissão declina o homem ao posto de escravo e é isso que o masoquista quer, entregar-se totalmente ao outro na intenção de mostrar-lhe que, como propriedade sua, está a mercê de seus desejos. O masoquista idealiza excessivamente seu amante, idolatra-o, atribui-lhe uma superioridade da qual resulta o prazer da submissão, a idealização do parceiro corresponde a idealização do próprio gozo. Não obstante, o masoquista é controlador da situação: aquele que faz o papel de tirano deve obedecer às fantasias do outro e é isso que Wanda fazia.

Segundo Deleuze, em seu livro, Crítica e clínica (1997), Masoch não seria apenas um pretexto para a psiquiatria. Para ele, se os personagens do masoquismo recebem esse nome porque adquirem na obra de Masoch uma dimensão desconhecida, sem medida que transborda o inconsciente, o herói do romance está inflado de potenciais que excedem sua alma. Portanto, o que é preciso considerar em Masoch são suas contribuições à arte do romance. Ainda seguindo as idéias deste autor, os atos masoquistas romperiam as ligações do desejo com o prazer. Sendo assim o prazer interromperia o desejo, de modo que a constituição deste como procedimento deveria conjurar o prazer e postergá-lo ao infinito. A onda demorada de dor disseminada pela mulher sobre o masoquista servir-lhe-ia para constituir um processo ininterrupto de desejo. O essencial vem a ser a espera ou o suspense como plenitude, como intensidade física e espiritual. Para Ferraz, é uma pena a obra de Masoch ser considerada pornográfica por alguns, pois uma obra tão bem elaborada deve ser considerada uma das melhores criações eróticas de todos os tempos.

Referências:

DELEUZE, Gilles. Reapresentação de Masoch. In: ______. Crítica e Clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.

FERRAZ, Flávio Carvalho. Introdução a A Vênus das peles. Trad. Saulo Krieger. São Paulo: Hedra, 2008.

MASOCH, Sacher. O prazer na dor. In: COSTA, Flávio Moreira (Org.). As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. pp. 297-305.

“A chave na fechadura”: a relação entre sexo e sentimento




por Lucas Gilnei P. de Melo

A banalização das relações sexuais e o seu tratamento medíocre criam verdadeiros
mercados, para não dizer açougues, em que corpos, cenas e fotos se escancaram para privilegiar unicamente o momento da cópula em seu estado mais mecânico, cru e vulgar. Separam-se os sentimentos, as preliminares, os gostos, os cheiros e as situações de sedução para ceder lugar ao sexo sem precedentes. Em filmes pornográficos basta um casal se encontrar ao acaso; nas revistarias, edições com homens e mulheres nuas se encontram com os gibis, outras revistas e, também, livros literários. Verifica-se uma total perda do descobrir o outro, da surpresa, do enigma amoroso sendo decifrado aos poucos, privilegia-se a rapidez, tornando as relações líquidas, efêmeras e solúveis.

Cecília Prada, na pequena história “A Chave na fechadura”, aborda o casamento falido de uma personagem como conseqüência das relações mecânicas proporcionadas por um esposo cujas vontades e atenções se dirigiam somente a si mesmo. Primeiramente, a personagem relata a concepção de erotismo comum que causa nela “tropeço. Engasgo. O vômito não vindo” (p. 09), mas revela a sua própria concepção, “a zona de leve”, a mão que acaricia e considera seus sentimentos, seus beijos e o seu próprio nome durante o “fazer amor”.

Essa primeira concepção, a que causa tanta indignação na autora, baseia-se nos órgãos sexuais visualizados por uma lente de aumento, como nos filmes pornográficos, criando uma perspectiva somente do ato sexual em si, ele por ele mesmo. É o tipo de erotismo, também, que faz mapeações para que a mulher ou o homem cheguem de forma satisfatória a um orgasmo único, cujo modelo é sempre aquele dos filmes e novelas. Nos dizeres da narradora “[...] botõezinhos de carne ou de sensibilidade para apertar na hora certa.”(p. 09). Com essa concepção, fazer amor transforma-se em fazer sexo, um jogo com passos a serem seguidos e performances a serem alcançadas para satisfazer-se e, também, ao outro.

E onde fica a outra perspectiva? O outro ângulo erótico focado nas relações? Para a narradora de “A chave na fechadura”, como dito anteriormente, é na “zona de leve”. Algo que possa fundir desejo e corpo, sentimento e tato, novidade e amor. Seria o ato sexual prolongando-se, não apenas dois corpos em atividade, mas dois corpos comungando sensações e uma vida. Respondendo as mesmas questões, Anaïs Nin falaria que na poeticidade, nas pitadas de surpresa do descobrir, no lugar que ultrapassa e permanece no interesse corporal e invade “os arrebatamentos, os êxtases, as reverberações estonteantes dos encontros sexuais”(p. 08). Na história de Prada, a personagem Leda conta sua experiência com indignação, porém com um tom de saudade. Relembra sua primeira vez com seu namorado, dentro de uma banheira em um dia sozinhos no quarto dos pais dele, dia em que pensou ser aquele o homem que a faria feliz. Contudo, após o casamento, viu seu esposo a tratar durante o sexo de forma fria: “neste [no ato sexual], era seco, rígido, ansioso. Menino que tem um dever de casa para fazer, acrobata do sexo. E eu, o campo experimental, o teorema comprovado” (p. 13).

Na tentativa de salvar a relação, ao dizer que faltava algo, acabou gerando mais silêncio e a busca do marido por revistas pornográficas, aumentando seu sofrimento. É a questão da ciência sexual, da qual nos fala Foucault presente nas receitas das revistas, dando soluções aos casais, generalizando situações e formas de sedução. Mas houve um reencontro. Leda conta que um dia, ao passar mal no cabeleireiro, seu marido a busca muito preocupado e logo fazem amor como nunca haviam feito antes, com sentimento. Leda pensa que suas atitudes mudarão, porém, engano seu, nada mudou, pois “quando voltou, tinha recuperado a armadura e o distanciamento”(p. 15).
Em uma última tentativa, Leda liga para o escritório e diz que o deseja e quer fazer amor, para sua surpresa seu esposo reage de forma inesperada, grita e é muito agressivo. Foi então o fim do casamento, como em suas palavras, foi uma “facada” descendo sobre a vida de ambos. Ao final, Leda dialoga com o leitor, diz que a escritura desse relato tão pessoal deveria servir para pensarmos em nós, homens e mulheres, “depois de mundos e civilizações – e ainda tão atados em nossos balbuciamentos” (p. 16).
Com a história de Leda fica claro o quanto se perde quando alguns momentos e sensações são ignorados, pela contraposição das duas concepções de erotismo. Uma mecânica, culturalmente masculina, com um caráter de conseguir prazer sem preocupação com o outro. Como conseqüência, há a construção de relações mais vazias, focadas numa sensualidade pura, subtraindo o sexo dos “combustíveis que o inflamam”, como afirma Nin, de suas próprias cores e gostos.
Do outro lado uma concepção de erotismo contida no envolvimento amoroso, no êxtase conseguido pelos meandros mais complexos e, por isso, mais interessantes. Nos dizeres de Nin “o sexo deve ser misturado com lágrimas, risadas, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todos os condimentos do medo, viagens ao exterior, novos rostos, romances, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho”(p.12).
Enfim, entrelaçam-se na condição humana momentos de um ou outro erotismo, em que em dados momentos privilegia-se o olhar sobre o corpo nu ou sente-se a necessidade de estar inteiramente com o outro, em corpo e sentimento. Mesmo
assim, o pulsar do desejo e das relações leva-nos a considerar como primordial na vida o erotismo defendido por Nin e no próprio conto, “A Chave na fechadura”, por sua beleza e pela sua verdade. É preferível o desenrolar espontâneo, quase harmônico do que como geralmente acontece em outros casos, envolvendo encenações, dinheiro e elementos artificiais.

Referências:

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

PRADA, Cecília. A chave na fechadura. In: DENSER, Márcia. Muito prazer: contos eróticos femininos. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 1984.

O caderno rosa de Lori Lamby: Erótico, Pornográfico ou Obsceno?



Eis a questão...


por Franciele Rodrigues

Hilda Hilst conta a história de uma garotinha de oito anos que relata em um caderninho cor-de-rosa suas experiências sexuais com diversos homens, aparentemente a ela apresentados por sua própria mãe. Lori Lamby é a “garotinha pornográfica”, que descreve suas histórias em um texto que, em um primeiro momento parece estranho, mas não chega a ser estranho para a jovem narradora que satisfaz homens mais velhos por dinheiro, com o consentimento dos pais, “gosta de fazer sexo, não é uma vítima, ela acha muito bom.” (p.28). Pelo menos é assim que se pensa antes de se chegar ao final do livro, quando percebemos que a garotinha apenas teve acesso ao material pornográfico de seus pais. O pai era um escritor que estava em crise, porque não conseguia escrever um bom livro erótico, então Lori, para ajudar o pai a ganhar dinheiro, resolve escrever histórias pornográficas, relatando no seu caderninho rosa, as “experiências sexuais” do seu imaginário, ou das coisas que ela lia, do material que encontrava do pai.

Tentando evidenciar o que é erótico, o que é pornográfico no texto de Hilda, arrisco-me a dizer que, o erótico está ligado à sutileza, a apresentação e sugestão do corpo e a sensualidade. O erotismo é uma forma de estimular o impulso sexual. Assim, o texto erótico tem a capacidade de despertar o prazer no indivíduo, ele estimula a imaginação do leitor, por falta do ato em si, inserindo o sexo na narrativa, podendo ou não, ser o assunto principal. Já o pornográfico, por sua vez, descreve a ação sexual, mas também é capaz de despertar os sentidos e os desejos do leitor, estimulando-o a fantasiar uma relação, uma masturbação ou mesmo mobilizar-se para uma relação sexual concreta. Dessa forma, o texto pornográfico procura induzir o leitor no universo textual, para fazê-lo participar da narrativa, em busca do prazer, ou seja, que preocupam exclusivamente com a descrição do sexo. Se é isso que o texto de Hilda faz, provoca a excitação do leitor, estimulando a imaginação através das descrições de Lori, e fazendo com que o leitor participe da narrativa, ele se encontra
então, entre o erótico e o pornográfico.

É fato que os textos eróticos e pornográficos só irão apresentar essas características dependendo da época, dos valores, do grupo social, das particularidades do escritor e das características da cultura em que se foi elaborado. Conceituar esses termos é uma tarefa muito difícil; até para alguns críticos as idéias se contradizem muito. Susan Sontag, em seu livro, A vontade radical afirma que:
O erotismo vive sua plenitude no domínio da fantasia e se realiza plenamente no terreno da ficção. O exagero pornográfico, por vezes, prenuncia o erótico, e talvez seja melhor compreendido se referindo ao universo da imaginação, onde o excesso pode se construir na essência de sua mensagem.
Georges Bataille, em seu livro O Erotismo definiu o erotismo como a presença da vida dentro da morte e a presença da morte dentro da vida, na qual existem duas forças, uma que tende ao individualismo, a outra que tende à junção. No erotismo, as duas operam. O indivíduo quer permanecer ele mesmo, mas sempre procurando fundir-se com o outro. No mais profundo do ser, a fusão permanece como destruição, violência, morte. Para Bataille, o erotismo é, portanto, transgressão, violência, profanação,vontade de anular-se e de anular o outro.

Outra diferença entre os dois gêneros pode ser vista quando definimos cada termo a partir de sua etimologia. Erotismo vem de Eros, deus grego do amor, enquanto Pornografia surge de pornô, que diz respeito à prostituta e que deriva do grego pornographos, que significa escrito sobre prostitutas: originalmente, refere-se à vida, costumes e hábitos das prostitutas e clientes. As duas menções estão presentes no texto de Hilst. A prostituição, porque Lori pensa ser, uma prostituta: “Ele perguntou me lambendo se eu gostava do dinheiro que ele ia me dar. Eu disse que gostava muito porque sem dinheiro a gente fica triste...” (p. 17). E o erótico porque, o
relacionamento entre Lori e Abel absorve características como o amor puro e o afeto, o que o torna mais erótico que pornográfico. Lori chega a dizer que ama Abel. No entanto, a pornografia continua presente: “Aí eu falei assim, sem querer: eu amo você, Abel, aí ele ficou com os olhos molhados e disse: eu também amo você, Lorinha, agora dá uma chupadinha no meu Abelzinho” (p. 37). Nesses dois trechos podemos perceber o quanto é difícil diferenciar esses gêneros.

Entretanto, o livro é considerado um texto obsceno. Etimologicamente: obs + cena, obsceno deriva daquilo que entra em cena, mas, que de fato, deveria estar atrás do pano, pois não deveria ser visto, pois é ousado e choca o leitor. Meninas de oito anos não transam, não pensam em sexo, são apenas crianças. Outro ponto que evidencia o obsceno é a questão dos crimes sexuais, no caso, a pedófila que está bem explicita no texto, inquietando a sociedade do ponto de vista moral, e pondo em xeque uma série de valores e padrões, de forma a interrogar “os bons modos” que insistem em prevalecer, mas são constantemente questionados pelas atitudes do homem. O texto, oscilando entre o erótico e o pornográfico, prende a atenção do leitor, gerando uma reflexão sobre as informações do texto, ao escolher juntar a pornografia e uma criança de oito anos como narradora. Evidenciando a linguagem infantil, os nomes aparecem no diminutivo como: bonitinha, xoxotinha, coisinha, perninhas, peladinha, Papi, Mami, entre várias que aparecem no decorrer do texto. Théodore Schroeder afirma:

Não se pode encontrar obscenidade em nenhum livro… nenhum quadro… ela nunca é mais do que uma qualidade do espírito daquele que lê ou olha…

Sendo assim, o texto induz a questionamentos sobre diversos conceitos, taxados como certos ou errados e que, transformados em tabu, escondem os desejos e prazeres através da obscenidade presente em cada individuo.
Concluindo essa breve análise, ainda me aventuro a dizer que o livro O caderno rosa de Lori Lamby, está composto de vários estilos literários: é uma obra obscena sim, mas que não deixa de apresentar traços eróticos, e muito menos pornográficos.
Referências:
AZEVEDO FILHO, Denerval S. Holocausto das fadas: a trilogia obscena e o carmelo bufólico de Hilda Hilst. São Paulo: Annablume: Edufes, 2002.
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.

PAES, José Paulo. Erotismo e poesia. In: ______. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

SONTAG, Susan. A imaginação pornográfica. A vontade radical: estilos. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

HILST, Hilda. O caderno rosa Lori Lamby. São Paulo: Globo, 2005.