30 novembro 2008

“Mulher sentada na areia", de Renata Pallotini




por Denúzia Divina Pinto Nogueira


O conto “Mulher sentada na areia”, de Renata Pallotini, foi publicado na coletânea Muito prazer: contos eróticos femininos, de 1984. Organizada por Márcia Denser, a seleção de textos eróticos femininos, escritos por brasileiras, apresenta a tentativa de tratar o erotismo do ponto de vista feminino, de mostrar que as mulheres sabem falar de sexo, uma vez que, na história da literatura, dadas as circunstâncias freqüentemente repressivas em que se desenvolve a sexualidade feminina, o tema era exclusivo aos escritores masculinos. Assim, a incursão das mulheres na escrita desse tipo de texto marca um desejo e uma transgressão: o desejo de dar voz ao erotismo tratado de um lugar feminino e a transgressão da ordem repressiva que se instaurou sobre o desejo feminino.

As mulheres sempre sofreram uma sobrecarga de preconceitos sexuais em relação aos homens e uma grande rigidez sobre sua sexualidade, por muitas vezes retraída, reprimida e não exercitada. Fora do casamento, o marido se relacionava com mulheres jovens, utilizando práticas sexuais proibidas com sua esposa. Eles buscavam fora de casa a satisfação sexual e essa atitude sempre foi aceita pela sociedade, porque uma mulher decente não podia fazer sexo por tesão, a ela não eram permitidas posições diferentes da considerada “normal” (homem por cima) e carícias eróticas, consideradas pornográficas.

O conto, ao narrar o relacionamento entre uma mulher de aproximadamente 50 anos, desquitada, e um jovem surfista de 22 anos, é uma tentativa de trazer tanto essa voz feminina para o texto erótico quanto a discussão sobre as novas possibilidades de relacionamento. No conto, a própria personagem descreve os momentos que passou com o jovem durante 15 dias quando, todas as manhãs, ficava sentada na praia, ao longe, observando todos os movimentos do jovem ao entrar no mar. Ela compara seu desempenho no surfe ao prazer e desejo que ele consegue lhe proporcionar na cama.

A personagem tem consciência que seu envolvimento é motivado pelo fator econômico e reconhece a impossibilidade de ser amada e desejada em decorrência de seus 50 anos já que os prazeres sexuais são atribuídos, na maioria das vezes, aos jovens. Por isso há uma forma de pagamento pelas noites que passam juntos: “quem lhe paga, há 15 dias este belo hotel?”, “ele defende muito bem o seu sorvete diário, a sua prancha de surfe, o seu sono”. Quando observa ao longe o grupo de amigos, ela intui que comentam a seu respeito: “veja aquela mulher! Pô, rapaz, como é que elas conseguem? Cinqüenta anos no mínimo, cinqüenta anos e olha aquelas coxas, aquele peito!” (p. 82).

A sociedade atual prega padrões de beleza que levam a valorizar como bela aquela mulher que tem um corpo considerado exemplar e perfeito, magro, jovem, saudável, bronzeado e vestido de acordo com as últimas tendências da moda. A preocupação que a personagem tem com o corpo fica evidente quando diz que “aos 50 anos fica muito difícil manter a linha, e um sorvete passa a ser um inimigo” ou quando diz “minhas saladas inócuas”, “contraio o recortado abdômen”. Se o prazer é um atributo dos jovens, o corpo que vai envelhecendo é excluído do grupo daqueles que o proporcionam. Assim, as marcas da velhice tendem a ser evitadas a custos bastante altos. A sexualidade na velhice é um tema freqüentemente negligenciado, poucoconhecido e entendido pela sociedade, até mesmo, pelos próprios idosos, que evitam o assunto por constrangimento. Devido ao desconhecimento e à pressão cultural, pessoas de idade avançada, nas quais ainda é intenso o desejo sexual, apresentam um sentimento de culpa e de vergonha, chegando a acreditar que são anormais pelo fato de sentirem vontade do prazer. Geralmente a relação sexual é considerada uma atividade própria apenas para os jovens, com boa saúde e fisicamente atraentes. A idéia de que as pessoas de idade avançada também possam manter relações sexuais não é culturalmente aceita.

A partir dos 50 anos, mesmo atraente e sensual, muitas pessoas tendem a considerar que as mulheres estejam velhas e acham que nessa idade não se deve fazer “isto” ou desejar “aquilo”. Porém, a maioria das mulheres nessa faixa etária mantém por muito tempo seus atrativos físicos, são vaidosas, pensam na saúde e se cuidam através de recursos antes inexistentes, tais como a medicina estética, as academias de ginástica e uma alimentação adequada. A maioria não tem mais o instinto para a procriação, uma vez que, em geral, já cumpriram essa função e, por isso, passaram a ficar mais atentas para outros aspectos prazerosos da vida.

Se, historicamente, os homens sempre buscaram mulheres mais jovens, com as mudanças sociais, as mulheres passaram a exercitar o mesmo direito, entretanto, uma mulher que está sem um parceiro aos 40 anos fica com menos chances, pois os homens dessa faixa etária, ou já estão comprometidos ou estão à procura de mulheres mais jovens. Mesmo com todas as conquistas alcançadas, um relacionamento que foge aos padrões considerados “normais” é sempre colocado em xeque pela sociedade que ainda não está preparada para ver com bons olhos um relacionamento muito desnivelado em termos de idade. Isso ocorre com maior freqüência quando se depara com um casal em que a mulher é mais velha, o que acontece com menos intensidade quando se trata do inverso. Existe muita resistência em todas as classes sociais, as pessoas envolvidas enfrentam preconceitos e comportamentos deselegantes, onde a reação é de estranheza, pois os modos culturais, que foram construídos através dos tempos, ainda continuam internalizados nas pessoas e servem para revelar os preconceitos de gênero.

Na sociedade patriarcal, as mulheres se relacionavam, geralmente, com homens mais velhos, que lhe dessem certa estabilidade e segurança através do casamento. Elas tinham a função principal de dar ao marido o maior número possível de filhos, para que no futuro o sobrenome da família paterna tivesse continuidade. Na sociedade moderna, após conquistar o direito ao voto, a profissionalização, a inserção no mercado de trabalho e com o uso da pílula anticoncepcional, o sexo passou a ser sinônimo de prazer e a mulher começou a conquistar sua independência e certa igualdade entre os sexos. Passou a ter mais liberdade de escolha e começou a romper as barreiras em busca de sua felicidade, tentando satisfazer os seus desejos sexuais por muitas vezes frustrados.

Nem sempre, no entanto, as conquistas relacionadas à vida erótica são isentas de problemas. No caso da protagonista do conto, seu interesse está voltado apenas para a parte sexual, e a relação se baseia em uma troca delimitada pelo dinheiro. Por isso, ela abandonará aqueles prazeres que havia alcançado e resolve ir embora “em troca da cabeça levantada, da cabeça de animal, de fêmea, de cachorra, de cadela, de um bicho do sexo feminino, melhor pastor, melhor guia, melhor guarda? Não morrerei se renuncio ao cio” (p. 83). A personagem decide deixar o rapaz ao perceber que não precisa dele para legitimá-la, que não precisa atender a todos os seus desejos: “Não morri. Minha sobrevivência inclui a fêmea e o ser humano. Sou uma mulher”.

Referências:

BARBOSA, Maria José Somerlate (Org.). Passo e compasso: nos ritmos do envelhecer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

PALLOTINI, Renata. Mulher sentada na areia. In: DENSER, Márcia (Org.). Muito prazer: contos eróticos femininos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1984.

Um comentário:

Anônimo disse...

ola Denúzia...

Achei muito legal sua postagem! E realmente algumas "senhoras de 50 anos" estão na flor da idade... kkk nao querem saber de 3º idade nao!! elas cada vez mais demonstram na sociedade seus anceios e desejos que outrora guardara em 7 chaves.

Abçs