30 novembro 2008

O caderno rosa de Lori Lamby: Erótico, Pornográfico ou Obsceno?



Eis a questão...


por Franciele Rodrigues

Hilda Hilst conta a história de uma garotinha de oito anos que relata em um caderninho cor-de-rosa suas experiências sexuais com diversos homens, aparentemente a ela apresentados por sua própria mãe. Lori Lamby é a “garotinha pornográfica”, que descreve suas histórias em um texto que, em um primeiro momento parece estranho, mas não chega a ser estranho para a jovem narradora que satisfaz homens mais velhos por dinheiro, com o consentimento dos pais, “gosta de fazer sexo, não é uma vítima, ela acha muito bom.” (p.28). Pelo menos é assim que se pensa antes de se chegar ao final do livro, quando percebemos que a garotinha apenas teve acesso ao material pornográfico de seus pais. O pai era um escritor que estava em crise, porque não conseguia escrever um bom livro erótico, então Lori, para ajudar o pai a ganhar dinheiro, resolve escrever histórias pornográficas, relatando no seu caderninho rosa, as “experiências sexuais” do seu imaginário, ou das coisas que ela lia, do material que encontrava do pai.

Tentando evidenciar o que é erótico, o que é pornográfico no texto de Hilda, arrisco-me a dizer que, o erótico está ligado à sutileza, a apresentação e sugestão do corpo e a sensualidade. O erotismo é uma forma de estimular o impulso sexual. Assim, o texto erótico tem a capacidade de despertar o prazer no indivíduo, ele estimula a imaginação do leitor, por falta do ato em si, inserindo o sexo na narrativa, podendo ou não, ser o assunto principal. Já o pornográfico, por sua vez, descreve a ação sexual, mas também é capaz de despertar os sentidos e os desejos do leitor, estimulando-o a fantasiar uma relação, uma masturbação ou mesmo mobilizar-se para uma relação sexual concreta. Dessa forma, o texto pornográfico procura induzir o leitor no universo textual, para fazê-lo participar da narrativa, em busca do prazer, ou seja, que preocupam exclusivamente com a descrição do sexo. Se é isso que o texto de Hilda faz, provoca a excitação do leitor, estimulando a imaginação através das descrições de Lori, e fazendo com que o leitor participe da narrativa, ele se encontra
então, entre o erótico e o pornográfico.

É fato que os textos eróticos e pornográficos só irão apresentar essas características dependendo da época, dos valores, do grupo social, das particularidades do escritor e das características da cultura em que se foi elaborado. Conceituar esses termos é uma tarefa muito difícil; até para alguns críticos as idéias se contradizem muito. Susan Sontag, em seu livro, A vontade radical afirma que:
O erotismo vive sua plenitude no domínio da fantasia e se realiza plenamente no terreno da ficção. O exagero pornográfico, por vezes, prenuncia o erótico, e talvez seja melhor compreendido se referindo ao universo da imaginação, onde o excesso pode se construir na essência de sua mensagem.
Georges Bataille, em seu livro O Erotismo definiu o erotismo como a presença da vida dentro da morte e a presença da morte dentro da vida, na qual existem duas forças, uma que tende ao individualismo, a outra que tende à junção. No erotismo, as duas operam. O indivíduo quer permanecer ele mesmo, mas sempre procurando fundir-se com o outro. No mais profundo do ser, a fusão permanece como destruição, violência, morte. Para Bataille, o erotismo é, portanto, transgressão, violência, profanação,vontade de anular-se e de anular o outro.

Outra diferença entre os dois gêneros pode ser vista quando definimos cada termo a partir de sua etimologia. Erotismo vem de Eros, deus grego do amor, enquanto Pornografia surge de pornô, que diz respeito à prostituta e que deriva do grego pornographos, que significa escrito sobre prostitutas: originalmente, refere-se à vida, costumes e hábitos das prostitutas e clientes. As duas menções estão presentes no texto de Hilst. A prostituição, porque Lori pensa ser, uma prostituta: “Ele perguntou me lambendo se eu gostava do dinheiro que ele ia me dar. Eu disse que gostava muito porque sem dinheiro a gente fica triste...” (p. 17). E o erótico porque, o
relacionamento entre Lori e Abel absorve características como o amor puro e o afeto, o que o torna mais erótico que pornográfico. Lori chega a dizer que ama Abel. No entanto, a pornografia continua presente: “Aí eu falei assim, sem querer: eu amo você, Abel, aí ele ficou com os olhos molhados e disse: eu também amo você, Lorinha, agora dá uma chupadinha no meu Abelzinho” (p. 37). Nesses dois trechos podemos perceber o quanto é difícil diferenciar esses gêneros.

Entretanto, o livro é considerado um texto obsceno. Etimologicamente: obs + cena, obsceno deriva daquilo que entra em cena, mas, que de fato, deveria estar atrás do pano, pois não deveria ser visto, pois é ousado e choca o leitor. Meninas de oito anos não transam, não pensam em sexo, são apenas crianças. Outro ponto que evidencia o obsceno é a questão dos crimes sexuais, no caso, a pedófila que está bem explicita no texto, inquietando a sociedade do ponto de vista moral, e pondo em xeque uma série de valores e padrões, de forma a interrogar “os bons modos” que insistem em prevalecer, mas são constantemente questionados pelas atitudes do homem. O texto, oscilando entre o erótico e o pornográfico, prende a atenção do leitor, gerando uma reflexão sobre as informações do texto, ao escolher juntar a pornografia e uma criança de oito anos como narradora. Evidenciando a linguagem infantil, os nomes aparecem no diminutivo como: bonitinha, xoxotinha, coisinha, perninhas, peladinha, Papi, Mami, entre várias que aparecem no decorrer do texto. Théodore Schroeder afirma:

Não se pode encontrar obscenidade em nenhum livro… nenhum quadro… ela nunca é mais do que uma qualidade do espírito daquele que lê ou olha…

Sendo assim, o texto induz a questionamentos sobre diversos conceitos, taxados como certos ou errados e que, transformados em tabu, escondem os desejos e prazeres através da obscenidade presente em cada individuo.
Concluindo essa breve análise, ainda me aventuro a dizer que o livro O caderno rosa de Lori Lamby, está composto de vários estilos literários: é uma obra obscena sim, mas que não deixa de apresentar traços eróticos, e muito menos pornográficos.
Referências:
AZEVEDO FILHO, Denerval S. Holocausto das fadas: a trilogia obscena e o carmelo bufólico de Hilda Hilst. São Paulo: Annablume: Edufes, 2002.
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.

PAES, José Paulo. Erotismo e poesia. In: ______. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

SONTAG, Susan. A imaginação pornográfica. A vontade radical: estilos. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

HILST, Hilda. O caderno rosa Lori Lamby. São Paulo: Globo, 2005.

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