30 novembro 2008

“A chave na fechadura”: a relação entre sexo e sentimento




por Lucas Gilnei P. de Melo

A banalização das relações sexuais e o seu tratamento medíocre criam verdadeiros
mercados, para não dizer açougues, em que corpos, cenas e fotos se escancaram para privilegiar unicamente o momento da cópula em seu estado mais mecânico, cru e vulgar. Separam-se os sentimentos, as preliminares, os gostos, os cheiros e as situações de sedução para ceder lugar ao sexo sem precedentes. Em filmes pornográficos basta um casal se encontrar ao acaso; nas revistarias, edições com homens e mulheres nuas se encontram com os gibis, outras revistas e, também, livros literários. Verifica-se uma total perda do descobrir o outro, da surpresa, do enigma amoroso sendo decifrado aos poucos, privilegia-se a rapidez, tornando as relações líquidas, efêmeras e solúveis.

Cecília Prada, na pequena história “A Chave na fechadura”, aborda o casamento falido de uma personagem como conseqüência das relações mecânicas proporcionadas por um esposo cujas vontades e atenções se dirigiam somente a si mesmo. Primeiramente, a personagem relata a concepção de erotismo comum que causa nela “tropeço. Engasgo. O vômito não vindo” (p. 09), mas revela a sua própria concepção, “a zona de leve”, a mão que acaricia e considera seus sentimentos, seus beijos e o seu próprio nome durante o “fazer amor”.

Essa primeira concepção, a que causa tanta indignação na autora, baseia-se nos órgãos sexuais visualizados por uma lente de aumento, como nos filmes pornográficos, criando uma perspectiva somente do ato sexual em si, ele por ele mesmo. É o tipo de erotismo, também, que faz mapeações para que a mulher ou o homem cheguem de forma satisfatória a um orgasmo único, cujo modelo é sempre aquele dos filmes e novelas. Nos dizeres da narradora “[...] botõezinhos de carne ou de sensibilidade para apertar na hora certa.”(p. 09). Com essa concepção, fazer amor transforma-se em fazer sexo, um jogo com passos a serem seguidos e performances a serem alcançadas para satisfazer-se e, também, ao outro.

E onde fica a outra perspectiva? O outro ângulo erótico focado nas relações? Para a narradora de “A chave na fechadura”, como dito anteriormente, é na “zona de leve”. Algo que possa fundir desejo e corpo, sentimento e tato, novidade e amor. Seria o ato sexual prolongando-se, não apenas dois corpos em atividade, mas dois corpos comungando sensações e uma vida. Respondendo as mesmas questões, Anaïs Nin falaria que na poeticidade, nas pitadas de surpresa do descobrir, no lugar que ultrapassa e permanece no interesse corporal e invade “os arrebatamentos, os êxtases, as reverberações estonteantes dos encontros sexuais”(p. 08). Na história de Prada, a personagem Leda conta sua experiência com indignação, porém com um tom de saudade. Relembra sua primeira vez com seu namorado, dentro de uma banheira em um dia sozinhos no quarto dos pais dele, dia em que pensou ser aquele o homem que a faria feliz. Contudo, após o casamento, viu seu esposo a tratar durante o sexo de forma fria: “neste [no ato sexual], era seco, rígido, ansioso. Menino que tem um dever de casa para fazer, acrobata do sexo. E eu, o campo experimental, o teorema comprovado” (p. 13).

Na tentativa de salvar a relação, ao dizer que faltava algo, acabou gerando mais silêncio e a busca do marido por revistas pornográficas, aumentando seu sofrimento. É a questão da ciência sexual, da qual nos fala Foucault presente nas receitas das revistas, dando soluções aos casais, generalizando situações e formas de sedução. Mas houve um reencontro. Leda conta que um dia, ao passar mal no cabeleireiro, seu marido a busca muito preocupado e logo fazem amor como nunca haviam feito antes, com sentimento. Leda pensa que suas atitudes mudarão, porém, engano seu, nada mudou, pois “quando voltou, tinha recuperado a armadura e o distanciamento”(p. 15).
Em uma última tentativa, Leda liga para o escritório e diz que o deseja e quer fazer amor, para sua surpresa seu esposo reage de forma inesperada, grita e é muito agressivo. Foi então o fim do casamento, como em suas palavras, foi uma “facada” descendo sobre a vida de ambos. Ao final, Leda dialoga com o leitor, diz que a escritura desse relato tão pessoal deveria servir para pensarmos em nós, homens e mulheres, “depois de mundos e civilizações – e ainda tão atados em nossos balbuciamentos” (p. 16).
Com a história de Leda fica claro o quanto se perde quando alguns momentos e sensações são ignorados, pela contraposição das duas concepções de erotismo. Uma mecânica, culturalmente masculina, com um caráter de conseguir prazer sem preocupação com o outro. Como conseqüência, há a construção de relações mais vazias, focadas numa sensualidade pura, subtraindo o sexo dos “combustíveis que o inflamam”, como afirma Nin, de suas próprias cores e gostos.
Do outro lado uma concepção de erotismo contida no envolvimento amoroso, no êxtase conseguido pelos meandros mais complexos e, por isso, mais interessantes. Nos dizeres de Nin “o sexo deve ser misturado com lágrimas, risadas, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todos os condimentos do medo, viagens ao exterior, novos rostos, romances, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho”(p.12).
Enfim, entrelaçam-se na condição humana momentos de um ou outro erotismo, em que em dados momentos privilegia-se o olhar sobre o corpo nu ou sente-se a necessidade de estar inteiramente com o outro, em corpo e sentimento. Mesmo
assim, o pulsar do desejo e das relações leva-nos a considerar como primordial na vida o erotismo defendido por Nin e no próprio conto, “A Chave na fechadura”, por sua beleza e pela sua verdade. É preferível o desenrolar espontâneo, quase harmônico do que como geralmente acontece em outros casos, envolvendo encenações, dinheiro e elementos artificiais.

Referências:

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.

NIN, Anaïs. Delta de Vênus: histórias eróticas. Porto Alegre: L&PM, 2005.

PRADA, Cecília. A chave na fechadura. In: DENSER, Márcia. Muito prazer: contos eróticos femininos. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 1984.

11 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do seu texto Lucas.
A narrativa do conto, quando Leda liga para o escritório e diz que quer fazer amor com o marido e este tem uma atitude agressiva, mostra o quanto ele apresentava um comportamento machista, no qual a mulher não deve tomar a iniciativa.
Para ele não tinha importância a interação e os momentos de carinho, que são imprescindíveis para um relacionamento satisfatório.

Anônimo disse...

Ao enviar o comentário cliquei por engano em anônimo.

Gostei do seu texto Lucas.
A narrativa do conto, quando Leda liga para o escritório e diz que quer fazer amor com o marido e este tem uma atitude agressiva, mostra o quanto ele apresentava um comportamento machista, no qual a mulher não deve tomar a iniciativa.
Para ele não tinha importância a interação e os momentos de carinho, que são imprescindíveis para um relacionamento satisfatório.

Unknown disse...

oi, lucas...Parabéns pela sensibilidade ao escolher este tema, pois é difícil para um homem perceber essa particularidade que existe entre sentimento x sexo. Você soube transitar pela questão de maneira segura e com sensibilidade, visto que, muitos homens não se preocupam em associar amor e sexo. Continue assim, vc vai fazer muito sucesso entre as gatinhas...kkkkkk...

Unknown disse...

oppa...neguinho....é só um email que peguei emprestado, já que não é novidade pra ninguém que eu não tenho um....quem postou o comentário acima fui eu, a MARILDA, OK?????

Anônimo disse...

Lucas adorei seu texto, e depois de lê-lo e relembrar de toda a história de Leda, percebi que são inúmeras as mulheres que passam pela mesma situação que ela, quando se abrem com o marido reivindicando algo durante o sexo nem todas são ouvidas, e é por isso que muitas relações acabam, devido o egoísmo que algumas pessoas sustentam ao fazer amor, satifazer- se a si mesmo é o que basta.

Anônimo disse...

Lucas adorei seu texto, e depois de lê-lo e relembrar de toda a história de Leda, percebi que são inúmeras as mulheres que passam pela mesma situação que ela, quando se abrem com o marido reivindicando algo durante o sexo nem todas são ouvidas, e é por isso que muitas relações acabam, devido o egoísmo que algumas pessoas sustentam ao fazer amor, satisfazer- se a si mesmo é o que basta.

Menina Veneno disse...

Moral da história: NÃO CASE!KKKKKKKKK!!!!

Menina Veneno disse...

Outra moral da história: NÃO ESPERE PASSAR 10 ANOS PARA PROCURAR UM TERAPEUTA SEXUAL OU UM RICARDÃO!KKKKKKKK!

Menina Veneno disse...

A personagem do conto de Cecília Prada diz: “Porque é uma estória de amor, te disse.”. Estória de amor? Pra mim é uma estória de vazio, da mulher tratada somente como carne, de dois loucos sobrevivendo a 10 loooooooooooongos anos de casamento com sexo mecânico, como uma obrigação a ser feita com local e hora marcada. Na parte que a narradora-personagem diz “Eu quis falar, quis dizer a ele, difícil também a expressão, mas falei: ‘Sinto que está faltando alguma coisa.’ - me fez lembrar da repressão para com as mulheres que sofreram desde o início dos tempos e até hoje (embora menos, mas mais por baixo dos panos) sobre os direitos sobre os seus corpos, suas maneiras de vestir, seus direitos de expressão e principalmente, seus direitos de sentir orgasmo. Me lembro vagamente (cabeça de loira, né) da nossa querida e excelentíssima professora Luciana (joga um 10 na minha média aí!kkkkkkk!) ter mencionado a mim sobre histórias que diziam haver comunidades nas quais era proibido a mulher ter desejo, sentir prazer, e que inclusive uma delas perguntou a um padre “como fazer para não sentir prazer?” e este sugeriu que enquanto o casal estivesse no ato sexual, ela deveria pensar que era só o corpo que estava com o marido, mas a alma estava com Deus. Que vontade de mandar esse padre catar coquinho, né?rsrsr! Então, voltando ao assunto sobre a fala da narradora-personagem, acho mesmo que ela, assim como todas as mulheres não deveria ter medo de falar o que sente, ou o que NÃO sente! Ela deveria falar: “Meu filho, você já era, viu?Num ta valendo um sebasol (será que escreve-se assim?) derrancado. Olha aqui, eu te dou prazer, então eu tenho o direito de receber também!Saia daqui que vou ligar pro Ricardão!”....rsrsr. Brincadeiras à parte, todos os casais deveriam dialogar mais sobre o sexo, não achar que este é um assunto tabu e sim, trata-lo com naturalidade. Tudo é questão de diálogo : “O silêncio é mau. É casca de ferida que se adensa, as pessoas vão se fechando dentro dela.”. Me parece também que a esposa se sentia indignada por ver o marido comprando revistas pornôs e livros, mas e se ele estivesse querendo dizer algo para ela? E se ele também não estava querendo dar sugestões à ela? Expressar algo? E se...? ANEEEEEEEEEEEEEMMM, queria tanto falar mais, só que isso aqui é só pra depositar um comentário, NÃO as nossas divagações... Pra finalizar, o negócio é o seguinte: AMBOS PRECISAVAM DE UMA TERAPIA DE CASAL + comprinhas de “coisinhas” interessantes numa sex shop e uma noite em um quarto temático (a escolher!kkkkkkkkk)!

Anônimo disse...

kkkkkkkkk
Denise, quase "morri" de rir de seus comentários. Fiquei lendo e imaginando sua cara.

Unknown disse...

E que venha a Academia de Letras...Suce$$oOoO.