01 dezembro 2008

O erotismo romântico em “Solfieri”, de Álvares de Azevedo



por Fabiana Aires da Silva Rosa

História de Solfieri

Solfieri era um rapaz que foi a Roma passear e viu na rua uma linda mulher desconhecida que o fez retornar a Roma um ano depois, à sua procura. Certa noite, ao passar em frente a uma igreja entrou, viu uma mulher dentro de um caixão e, para sua surpresa, era a mesma que procurava. Pegou-a no colo, beijou-a e a despiu, pensando estar realizando um ato sexual com um cadáver. O que ele não sabia era que ela não estava morta, estava desmaiada, pois tinha catalepsia.

Ele levou a até sua casa, colocou-a em seu quarto para que seus amigos não a vissem, porém, ela morreu depois de dois dias e duas noites em que passou com uma febre devastadora. Solfieri a enterrou no chão de seu quarto, mas antes mandou fazer dela uma estátua. Como este conto é integrante do volume Noite na taverna, Solfieri estava contando sua história aos amigos, mas eles não acreditaram. Solfieri então mostrou a eles uma grinalda seca, espécie de amuleto que tinha guardado de recordação.

O erotismo romântico e a teoria de Bataille sobre o erotismo

Bataille, em seu texto O erotismo (2004), nos fala que os seres humanos fizeram da atividade sexual uma atividade erótica. O que ele pretende dizer é que as pessoas mantêm relações sexuais e amorosas umas com as outras, e a atividade sexual é um dos pontos principais para a existência, porque os seres humanos põem a sexualidade como algo íntimo de cada ser, subjetivo, e o próprio desejo é uma experiência subjetiva.

Por outro lado, no jogo erótico, o desejo pelo corpo nu já é uma pré-disposição ao ato sexual. Solfieri, além de se sentir atraído pela mulher, já a havia a idealizado. Sonhando com sua beleza, ele a vê morta e se sente excitado por ela, pois não existe somente a atração, existe um provável sentimento. Bataille nos fala também que existe uma relação entre a morte e a excitação sexual. As relações sexuais entre as pessoas nos levam a refletir que existem diversas formas de desejo, de excitações sexuais, seja pelo corpo nu ou ainda pelo cadáver, entre outras coisas, que vão da vida até a morte, como disse Bataille. A esta excitação e desejo por cadáveres (no caso do conto, uma mulher) damos o nome de necrofilia.

Bataille fala em seu texto sobre três formas do erotismo. O primeiro é o erotismo dos corpos onde o que se pensa em algo material, o corpo. No conto, Solfieri sente desejo pelo corpo morto da mulher e, com isso, expressa uma fantasia de passividade feminina muito freqüente nos textos românticos. Nesses textos, apresenta-se uma concepção de atividade masculina e passividade feminina, pois, de acordo com a visão tradicional, no ato sexual, quando os corpos se encontram, o homem tem um papel mais ativo, enquanto a mulher se apresenta no ato como uma virgem passiva, que espera o homem dar o primeiro passo. A amante morta é o exagero dessa fantasia da passividade feminina ao mesmo tempo em que expressa estreita ligação entre erotismo, vida e morte.

O segundo tipo de que nos fala Bataille é o erotismo dos corações. Aqui temos a ligação psíquica, e esta, no nível do sentimento, liga-se afetivamente ao amor platônico. No conto, Solfieri sente algo que podemos deduzir ser um provável amor platônico, pois foi capaz de nunca sentir algo por nenhuma mulher a não ser por aquela que ele havia visto em Roma, foi capaz de retornar a Roma apenas para tentar encontrá-la.

O ultimo erotismo de que Bataille nos fala é o erotismo sagrado, este se relaciona ao místico, ao sagrado, ao cosmo, e à separação. Solfieri encontra a mulher, porém, ela morre depois de dois dias e duas noites, eles são separados ficando apenas com suas lembranças. A grinalda que ele guarda como amuleto funciona como meio da união mística com a amante morta, agora transformada em um crânio seco.

O conto, como é possível ver, está dentro dos moldes românticos. O romantismo foi um movimento histórico-literário que proclamava a liberdade de criação e de expressão de sentimentos, com predomínio da sensibilidade e da imaginação, sobrepondo a paixão sobre a razão. Percebe-se que Solfieri idealiza, sonha com uma mulher que viu em Roma e ao vê-la no caixão tem a capacidade de ir contra a razão: ele a beija e se relaciona sexualmente com aquele suposto cadáver que era da mulher com que ele sonhava, e da qual nunca se esquecia. A idealização da mulher e o predomínio do sentimento contra a razão são características do romantismo. Outra característica romântica presente no conto é a ambientação: ele acontece em lugares exóticos, em ambientes noturnos, no caso, a taverna, o cemitério e a igreja durante a noite.

Portanto, o conto Solfieri, de Álvares de Azevedo, nos conta a história de Solfieri, que sente amor e também excitação pela mulher misteriosa pela qual havia se apaixonado. Este amor entre eles foi consagrado pela atração e realização do ato sexual. No erotismo, essa atração de dois corpos é uma forma de realização da fantasia do prazer. Entretanto, vê-se que no conto prevalece o erotismo romântico até mesmo na forma da linguagem, que não partilha da explicitude que se poderia esperar de um texto erótico, pois, mesmo narrando acontecimentos aterrorizantes como a necrofilia, apresenta a cena erótica de modo bastante camuflado.

LEIA O CONTO "SOLFIERI", DE ÁLVARES DE AZEVEDO

Referências:

AZEVEDO, Álvares de. Solfieri. In: COSTA, Flavio M. (Org.). As cem melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.

3 comentários:

Lucas Gilnei disse...

Fabiana, Parabéns! Ótimo texto! Confesso que a leitura de Solfieri assustou-me, pois nunca tinha ouvido falar de necrofilia, mas a literatura nos proporciona isso, perambular pelos meios mais absurdos e bonitos ao mesmo tempo. Álvares de Azevedo, narra de forma muito bem essa históira, pois seus textos tem uma qualidade estética incrível, proporcionando-me claramente a criação das imagens do conto, como a noiva no caixão ou de sua estátua no quarto de SOlfieri.
Nesse sentido, podemos pensar, como proposto pela Fabiana, nas discussões de Bataille, descrevendo os erotismos dos corpos, dos corações e o erotismo sagrado, verificando como estão presentes nas relações.
Grande Abraço a todos!!!!

Menina Veneno disse...

Num dá pra fazer um link do conto pra gnt não? Igual a Luciana fez no texto dela, que passou o link do conto "O aventureiro húngaro"...
Fabiana, vc me deixou curiosíssima!Quero lê-lo agora...rsrsrs!

Anônimo disse...

Denise, o link foi feito...