16 dezembro 2010

A temática erótica de “Era te ver”



Por Raquel Martins

Erotismo
A origem de Eros advém da união entre Ares, deus da guerra e Afrodite, deusa da beleza e do amor. Afrodite, com inveja da beleza da jovem Psiquê, incumbe o filho de fazer com que a moça se apaixone pela mais desprezível criatura da terra e, por um acidente, Eros fere-se em suas próprias flechas e apaixona-se por Psiquê. Descoberto o envolvimento, Zeus, supremo do Olimpo, ordena que vivam separados e Psiquê passa a conviver com a dor da tristeza, à espera de Eros. Ou seja, a alma vive incompleta, infeliz enquanto não encontra o amor. Em O que é erotismo, Lucia Castello Branco diz que “o mito grego nos diz que Eros é o deus que aproxima, mescla, une, multiplica e varia as espécies vivas” (BRANCO, 2004, p. 8).

Platão explica a busca pelo amor, quando Aristófano relata que no começo todos os seres humanos eram de dupla sexualidade e, por castigo de Zeus, foram mutilados, separados e condenados a vagar pela terra, na ânsia se encontrar a metade perdida. A partir dessa visão mitológica da bipartição dos homens é que se explica a essência do erotismo para alguns escritores, como por exemplo, George Bataille. Em sua obra O erotismo (p. 15), o autor defende que este se articula em volta de movimentos contrários: a busca de continuidade dos seres humanos, a tentativa de permanência além de um momento fugaz, ao contrario do caráter mortal dos indivíduos, sua incapacidade de superar a morte. Para Bataille, os indivíduos se lançam nessa busca de permanência porque carregam consigo uma espécie de isolamento, acompanhada de certa nostalgia pela continuidade de sua metade perdida.

A ideia de erotismo como uma simples evidência de desejo sexual é banida por muitos autores que discutem o tema. Para eles o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que o erotismo vai além desse conceito, consistindo nas manifestações de desejo como um todo, sendo de exclusividade humana. Talvez o que se pretende explicitar é que o erotismo não se limita aos mecanismos da genitalidade do sexo, ele vai muito além, superando essas barreiras, pois não se trata de uma simples atração da espécie e sim da possível “sede” dos corpos. É inerente ao ser humano desejar e essa característica faz com que todos os seres humanos sejam eróticos.

Pertencente a uma corrente de poetas-críticos contemporâneos, Affonso Romano de Sant’Anna aborda o erotismo em muitos de seus poemas, estes que são feitos com palavras populares, uma linguagem coloquial que proporciona maior integridade com o público, expressando tanto o lado humano do erótico quanto o lado poético.

 ERA TE VER

Era te ver, e meu pau se erguia
Como a cobra à magia do canto
Em tua boca,
E te seguia como a enguia
Busca a loca, como a águia busca o ninho
E a raposa encontra a toca

Meu pau se erguia, e se parecia ao cisne
No alvoroço do seu canto moço
Ou à andorinha que na boca da noite
De vertigem ficou louca

No poema “Era te ver” podemos perceber que o poeta compara o seu estado de prazer com elementos altamente poéticos. Para Paz “a relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal” (p. 12).

Ao mesmo tempo em que usa termos poéticos, o poeta usa termos “chulos”, como, no momento em que ele faz comparação de seu “pau”, no momento da ereção, com a cobra que se ergue à “magia do canto”; e a perseguição que este faz à amada, com a “enguia que busca a loca”; “como a águia que busca o ninho”, no momento em que ele está buscando o corpo da amada para realização do seu desejo e “como a raposa que encontra a toca”, para ilustrar o momento da penetração. Seu genital é igualmente comparado ao “cisne no seu canto moço ou à andorinha que na boca da noite de vertigem ficou louca” para representar o clímax desse desejo, o orgasmo. A repetição da expressão “meu pau se erguia”, reafirma o intenso desejo que o amante sente ao ter a visão do corpo desejado.

Affonso é considerado o poeta dos contrários, indeciso, irônico em relação à existência humana. Seus poemas contêm muito de metonímias e metáforas e não são organizados de acordo com regras pré-estabelecidas de ritmo, metro e estrofes. O poeta intercala discurso direto com linguagem figurada.

Em relação ao corpo, Paz (p. 182) diz que o encontro erótico começa com a visão do corpo que se torna uma presença, que por um instante contém todas as formas do mundo. E ao abraçarmos essa forma deixamos de vê-la e ela deixa de ser presença. O que vemos são apenas “olhos que nos miram, uma garganta iluminada pela luz de uma lâmpada, o brilho de um músculo, a sombra que desce do umbigo ao sexo. Cada um desses fragmentos refere-se a uma totalidade do corpo” (PAZ, 1994, p.182). O corpo da companheira deixa de ser uma forma e torna um lugar onde ele se perde e se recobre. Perde como pessoa e recobre como sensações.

Pode-se destacar que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo extrapola este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de corpos se embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a finalidade de “atingir o intimo do ser aonde o coração nos falta” (BATAILLE, 1987).

Referências:
BATAILLE, George. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
CASTELLO Branco, Lucia. O que é erotismo.  São Paulo: Brasiliense, 2004.  (Coleção Primeiros Passos, 136).
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1985.
PAZ, Octavio. A dupla chama. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
SANT’ANNA, Affonso Romano, 1937. Poesia reunida: 1965-1999. Porto Alegre: L&PM, 2004. 2 v; 18 cm (L&PM Pocket).
http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1067     

Um comentário:

Dwana disse...

Nossaaaaaaaaaaaaaaa!!
Que tudo ! Baitalle e Focault nos esclarecendo mais sobre a sexualidade e seus sentidos , e nos meros mortais, nos aprimorando e da forma mais lirica e apaixonante nos entregando a literatura e erotismo.Parabéns a todos os nossos autores !