20 novembro 2010

O papel da confissão no conto “Melhor do que arder”



Por Flaviane Aparecida Tereza

Segundo as considerações de Michel Foucault (1988), desde a Idade Média, a confissão é considerada uma das maneiras mais importantes e eficazes para que se produza a verdade. Assim, a confissão foi ampliando seus efeitos e tomando novas formas em várias áreas como a justiça, a medicina, a pedagogia, as relações familiares e amorosas. Quanto ao ato de confessar, às vezes esse é executado por vontade própria e outras vezes se é forçado. Sobre a questão da sexualidade, pode-se dizer que vivemos em uma sociedade que sofreu muito e ainda sofre com o poder da repressão sobre o sexo, não raras vezes considerado como pecado se praticado fora dos locais legitimados (casamento, prostíbulos...).

No século XIX, essa associação do sexo ao pecado pelas normas sociais era muito forte e a pessoa que se sentisse pecadora por causa dos desejos carnais deveria então se confessar, ou a um amigo como forma de aliviar a consciência, ou ao padre para então receber o perdão de Deus. Para Foucault (1988), a Contra-Reforma se dedicou a aumentar as confissões, porque tentou impor regras para o exame de consciência de si mesmo, atribuindo cada vez mais importância à penitência como purificação do corpo em caso de pensamentos impuros e desejos sórdidos. A confissão fica sendo, então, um ritual em que se produz o discurso verdadeiro sobre o sexo. É também um ritual que estabelece uma relação de poder, pois não se confessa sem a presença de outro sujeito, o qual vai avaliar, julgar, punir ou perdoar aquele que confessa.

O conto “Melhor do que arder”, de Clarice Lispector, exemplifica bem essa questão do sexo reprimido e da confissão como alívio de culpa. Madre Clara, a protagonista do conto, morava em um convento por imposição da família, mas um dia se cansou de viver entre mulheres, confessou-se a uma amiga e começou a se mortificar, ficando até doente.

Porém, nada acabava com seus pensamentos sexuais e com os seus desejos de ser mulher. Mesmo se confessando todos os dias e fazendo penitências, o desejo carnal era mais forte, ela não podia sequer olhar mais para o Cristo nu, e assim seus dias se tornaram sofrimento e angústia. Confessou-se ao padre que, indignado, disse que era melhor casar-se então, porque, segundo a moral cristã, o casamento é um lugar legitimado para exercer os prazeres sexuais. Ela então vai embora do convento e se casa, realizando seus desejos carnais que antes eram reprimidos.

Referências:
FOUCAULT. Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. Melhor do que arder. In:____. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998

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