02 dezembro 2010

O masoquismo em “ O prazer da dor”



Por Lana Gláucia, Eliane Canedo e Roberta Ferreira

“O prazer da dor” é um fragmento de A Vênus das Peles (1870), romance mais conhecido de Leopold Von Sacher-Masoch, no qual o autor aborda com ousadia e coragem a história do relacionamento do casal Severin e Wanda; ambos adotam práticas sexuais baseadas no sofrimento físico e até moral.  

Os personagens, nessa relação amorosa, desde o início parecem ter seus papéis invertidos do que se diz de uma sexualidade “normal”, pois logo no início Séverin é quem acompanha a mulher na compra de um chicote, e se coloca sempre atrás na caminhada e fica à margem dela nessas primeiras descrições. Nesse momento, parece ser dela o “desvio” que ainda não se sabe qual. Quem narra a história é Séverin que ao reproduzir a quarta fala de Wanda, ainda nos leva a pensar que Wanda é protagonista e idealizadora das atitudes perversas, pois se diz fascinada pela aparência do amado, um homem sério, e se mostra excitada em ver “...o homem mais sério do mundo inteiramente dedicado...” a ela.

Wanda diz a Séverin que ele acorda suas disposições perigosas, que ele consegue retratar a busca do prazer, a crueldade e a presunção e torná-las atraente. Questiona sobre o que ele diria se ela entrasse nesse jogo. 

Ele, de pronto, servilmente aceita e reafirma seu desejo de se tornar escravo dela e de lhe pertencer, ser dependente da vontade dela. Nesse ponto, já se pode notar a inversão que se dá dos papéis na relação erótica descrita por Bataille (2004), no princípio de violência e violação (Paes, 1990) a parte passiva e violada, que normalmente é a figura feminina, nesse caso é a masculina, nisso se percebe uma irregularidade com relação às práticas sexuais ditas “normais”.

No entanto, mesmo com essa colocação da mulher como ativa nas práticas sexuais, não é seu desejo que aí governa, pois no decorrer do conto aparece a resignação de Wanda diante do desejo de Séverin de ser seu escravo, ela aceita fazê-lo e no jogo sexual, ao açoitá-lo, ainda se preocupa em tê-lo ferido, ao que Séverin responde que não: “...e quando acontecer, o sofrimento que você me inflige é para mim um deleite”. Wanda revela que isso não lhe dá prazer e diz que é por ser forçada, ao que ele diz para que ela o maltrate, que ele a ama mais que a si mesmo e que lhe pertence na vida e na morte. Wanda sente desejos de vê-lo sofrer, gemer até que peça piedade. O que se coloca é algo como uma maquiagem, pois nos faz pensar primeiramente que é a mulher quem fala, que é ela quem tem o poder na relação, no entanto é desejo de Séverin se sujeitar ao desejo dela, é o seu desejo que fala mais alto.

A chegada de uma amiga de Wanda causa apreensão em Séverin, medo de perder Wanda, de não ser mais amado, essa amiga traz pensamentos à Wanda de segui-la e ir viver na capital longe de Séverin, que não é “encantador” como os pretendentes que ela poderia encontrar. Essa influência se reflete quando Wanda diz: “é, ela tem razão, você não é um homem, você é um espírito romanesco, um adorador encantador, e você seria com certeza um escravo sem preço, mas não posso imaginá-lo no papel de um marido”, essa afirmação faz Séverin tremer. Logo, Wanda coloca possibilidade de se relacionar com outros homens, pois acredita que a visão de amor transcendental só é dada às “cortesãs”, e não a uma esposa inteiramente devotada. Isso se afirma em Bataille (2004) que diz que não há erotismo passional e sim libertino como na contraposição da figura da prostituta à da mulher de “bem” que descobre, antes naquela do que nesta, à luz de uma razão puramente erótica, a plenitude do feminino (Paes, 1990).

Séverin revela que apesar do seu eminente sofrimento, vê um certo encantamento nessa situação, mas que Wanda tivesse “a grandeza demoníaca” de dizer: “só amarei você, mas tornarei feliz quem eu quiser”. Séverin quer ser escravo, suportar tudo de Wanda, para não perdê-la e só como escravo conseguiria suportar que outros homens a amassem. Antes de tudo é nítida a vontade de Séverin de sofrer de todas as formas, até de aceitar o deleite de outros homens com sua mulher.

Para que Séverin se tornasse realmente escravo de Wanda, pensaram em mudar para um país onde a escravidão fosse aceita. Fica evidente o limite ao qual levam essa relação para a manutenção do prazer de Séverin que em certo ponto começa a encantar Wanda também, e ela por gostar, aceita até essa atitude extremada. O foco parafílico do Masoquismo Sexual envolve o ato de ser humilhado, espancado, atado ou de outra forma submetido a sofrimento, ou usar de mecanismos que alimentem esse seu desejo.[1] O desejo de Séverin de ter Wanda como sua carrasca começa a colocá-la numa outra constituição perversa, a sádica, que envolve atos nos quais o indivíduo deriva a excitação sexual do sofrimento psicológico ou físico (incluindo humilhação) da vítima.[2]

No entanto, o que se tem estudado é que essa relação sado-masoquista não funciona, visto que o prazer do sádico é o sofrimento do outro, e é notável que Wanda começa a gostar de ver o sofrimento de Séverin, no entanto esse sofrimento é na verdade prazer, logo, Séverin anularia a disposição sádica em Wanda, o que põem em risco essa relação.

Referências:
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SACHER-MASOCH, Leopold Von. O prazer da dor. In: COSTA, Flávio Moreira da. As 100 melhores histórias eróticas da literatura universal. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

Um comentário:

Patrícia Mendes disse...

Nesse texto podemos perceber que ele aciona não só a ligação física,mas a psicológica também, temos os papéis invertidos, o homem é submisso e se satisfaz através da dor e da submissão, e o termo "masoquista" até então não existia, ele é produto dessa obra criado por Masoch.