11 dezembro 2010

Tato - Arnaldo Antunes (DVD Nome, 1993)

Por Erli Porto




o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
o pinto duro pulsa forte como um coração / trepar é o melhor remédio pra tesão
um terço é muita penitência pra masturbação / a grávida não tem saudades da menstruação
se não consegue fazer sexo vê televisão / manteiga não se usa apenas pra passar no pão
boceta não é cu mas ambos são palavrão / gozo não significa ejaculação
o tato mais experiente é a palma da mão


o olho enxerga o que deseja e o que não / ouvido ouve o que deseja e o que não
depois de ejacular espera por outra ereção / o ânus precisa de mais lubrificação
por mais que se reprima nunca seca a secreção / o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão/ por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração / o pau se aprofunda mais conforme a posição
o tato mais experiente é a palma da mão


o pinto duro pulsa forte como um coração / gozo não significa ejaculação
o ânus precisa de mais lubrificação / por graça por amor por tara ou pra reprodução
ouvido ouve o que deseja e o que não / velocidade se controla com respiração
trepar é o melhor remédio pra tesão / o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão / o olho enxerga o que deseja e o que não
uns comem outros fodem uns cometem outros dão

Segundo Fernandes Jr, na trajetória poética brasileira no século XX e início do século XXI havia uma “articulação de grupo com propósitos comuns” (2007). A partir da década de 1980, os projetos comuns vão perdendo espaço para as pluralidades de tendências, espaços e formas de divulgações fazendo com que a relação entre poesia e técnica empreendesse um caminho de volta à poesia como encontro coletivo. Entretanto, há quem acuse essa nova produção, com suas novas formas de divulgação (TV, CD, Shows, internet...), de promover um esvaziamento de um projeto coletivo.

O escritor Arnaldo Antunes mistura na sua obra música popular, rock, poesia visual e concretista e as artes visuais. A alternância de suportes dá ao poeta a possibilidade de modificações na materialidade do texto, reescrevendo-os, publicando-os nos mais diferentes formatos e interpretando-os o tempo todo. Nas interpretações que Antunes faz da própria poesia, em vídeos de divulgação na internet ou em shows, ocorre uma ressignificação da sua obra, como se houvesse a produção de um novo texto.

Nesse sentido, o poema “Tato”, de Arnaldo Antunes aparece diferente ao leitor quando interpretado pelo seu criador. O tom de voz, a música, a escolha das imagens corporais, de um corpo que se confunde com o plano, preparam a atmosfera para um “olho (que) enxerga o que deseja e o que não”, uma atmosfera que tanto aproxima como intimida o leitor/ouvinte.

Paes (1990) diz que a existência da arte se deve ao fato de que a vida não basta. Isto não significa substituir o real pelo imaginado, mas que a arte, e, portanto a arte erótica, busca a representação de uma das formas da existência humana. Representar significa re-apresentar, tornar presente novamente. Tal re-apresentação torna possível vencer o domínio do tempo, implacável, que destrói todos “os traços do já vivido”. (Paes, 1990, p. 14).

Numa perspectiva fenomenológica, todo objeto é um dado da consciência e a estrutura da consciência é a intencionalidade, ou seja, toda consciência é consciência de algo e algo só é algo para uma consciência (Coelho Júnior, 2002). Nesse sentido, no vídeo em que Antunes narra/canta sua poesia, ele “brinca” com esse aparecer fenomenológico na consciência ao juntar o poema erótico com as imagens de um corpo que não se move estando em movimento pelo uso da câmera que o explora como um olho humano.

Embora o poema descreva partes do corpo responsáveis pelo prazer genital, o narrador chega à conclusão que o “tato mais experiente é a palma da mão”. Quase como um continuum, o prazer começa na visão e audição, mesmo contra a vontade, passando pelo prazer fálico, que pulsa como o coração, portanto involuntário, mais forte que a razão, até a informação que a cura do tesão é o ato de “trepar”. Se considerarmos que tesão seja sinônimo de pulsão resta-nos o “consolo” da masturbação, pois segundo Freud (1916/1996) a fonte originária da pulsão é inesgotável, portanto não haverá penitência que dê conta de uma pulsão sem fim.

A força da pulsão ressurge, no verso 14, com a informação de que o desejo (ou o ouvido?) depois de ejacular espera por outra ereção. A pulsão é o representante psíquico que se origina no corpo e alcança a mente (Freud apud MOURA, 2008), portanto, no poema, todo o corpo, seus sentidos e reentrâncias estão a serviço do desejo.

 Referências:
ANTUNES, Arnaldo. Tato. In: Nome . Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=MR 9IHfMkiqI. Acessado em: 10 dez. 2010.
Outras informações: Ano de lançamento do projeto multimídia - 2006. Estúdio - Sony & BMG.

COELHO JÚNIOR, Nelson Ernesto. Consciência, intencionalidade e intercorporeidade. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X200200
0100010. Acesso em: 08 dez. 2010.

FREUD, Sigmund (1916). Instinto e suas Vicissitudes. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FERNADES JÚNIOR, Antônio. Os entre-lugares do sujeito e a escritura de Arnaldo Antunes. 2007. 158 pág. Tese – Universidade Estadual Paulista. Araraquara (2007). Material impresso.

MOURA, Joviane. Introdução ao conceito de pulsão. Disponível em: http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/introducao-ao-conceito-de-pulsao
Acessado em: 08 dez. 2010.

PAES, José Paulo. Poesia erótica em tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Um comentário:

Laisa Gonçalves Teixeira disse...

Fiquei muito curiosa para ler o texto sabendo que se faria menção a uma música de Arnaldo Antunes. Foi uma boa escolha a música “Tato”, já que de fato esta retrata uma das formas de existência humana, pois fala-se abertamente, de forma clara e sem rodeios sobre a experiência erótica tão característica dos seres humanos.