17 novembro 2010

Confissão e sexualidade



Por Beatriz Oliveira Dantas

Vivemos numa sociedade onde há receio em expor a nossa própria sexualidade, mas não foi sempre assim. Segundo Michel Foucault (1988), até o século XVII não havia essa preocupação, as pessoas falavam desse assunto naturalmente sem pudor, sem nenhum receio do corpo nu. Mas as coisas se transformaram com a chegada da pudicícia imperial e o lugar da sexualidade migrou para dentro de casa, obviamente para o quarto do casal, que agora apenas tem o papel de se reproduzir; o assunto sobre sexo se “calou”. As pessoas já não falavam sobre sua sexualidade em público e definiu-se onde e quando poderia se falar dela, quando não foi proibida por completo. O sexo passou ser considerado como pecado, a não ser que fosse utilizado para a procriação.

Com todo o tabu que se criou em torno de sexo, paradoxalmente, a curiosidade das pessoas aumentou ainda mais, as quais sentiram a necessidade de saber e falar mais sobre o assunto; para a mídia tornou-se um bom negócio, uma vez que surgiram mecanismos lucrativos para atender essa demanda.

Por outro lado, para a igreja Católica, a confissão que abordasse pecados sexuais deveria ser completa tinha-se que relatar tudo sobre sexo: gestos, parceiros, carinhos, etc., pois, como já foi dito o ato sexual era considerado pecado e por isso tinha que haver o cumprimento das penitências dadas pelo padre. A partir da ideia da confissão Católica surgiram outras confissões que foram muito importantes para que se pudesse conhecer um pouco mais sobre a sexualidade das pessoas. Surgiu a “confissão” ao psicólogo, na qual inclusive pagamos para que eles possam nos ouvir; e uma que é importantíssima, em relação à própria saúde, foi a “confissão” ao médico que passou a ser essencial para uma orientação tanto sobre o sexo, quanto a orientação para a prevenção de doenças que foram surgindo.

No livro A via crucis do corpo, de Clarice Lispector, no conto “Melhor do que arder”, fica evidente o processo de transformação em tabu que o sexo sofreu e sofre até os dias atuais. Conta-se a história de madre Clara, que no desenrolar da história sente desejos, sente necessidade de um companheiro, sentimentos que são confessados à amiga que a aconselha: “Mortifique o corpo” (Lispector, 1998, p. 71). Claro que a amiga iria lhe aconselhar assim, pois considerava um pecado sentir esses desejos e muito mais por ela ser uma madre, e então Clara fala ao padre: “Não agüento mais, juro que não agüento mais!” (Lispector, 1998, p. 72) e que também lhe aconselha: “É melhor não casar. Mas é melhor casar do que arder” (Lispector, 1998, p. 72). E como era de se esperar, ela acaba seguindo os conselhos do padre: abandona o convento, encontra o tão sonhado marido e se casa.

Referências:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco,1998.

Um comentário:

Lana Alves disse...

Gostei muito do seu post, a síntese que você faz na introdução ficou muito boa. A partir de leituras assim podemos perceber um assunto que muitas vezes nos passa despercebido, o domínio que se faz dos assuntos sexuais com os "lugares certos" para que sejam ditos!