Por Beatriz Dantas e Elisângela Borges
Clarice Lispector, indiscutivelmete,
foi uma grande escritora, suas principais obras foram romances, crônicas e
vários contos. Dentre seus contos mais famosos estão os quatorze que compõem A via crucis do corpo, que foram
publicados em 1974, considerado pela crítica como “obra menor” da autora. E
para se defender dos ataques, ela disse que as histórias foram feitas sob
encomenda e que, contrariando sua vontade inicial, aceitou a tarefa por puro
impulso.
O conto “Mas vai
chover”, descreve a Sra. Maria Angélica de Andrade, de 70 anos, mulher rica,
que se sente sozinha, sexualmente excitada e para escândalo da sociedade em que
vive, resolve tomar por amante Alexandre, um jovem de 19 anos, o qual trabalha
numa farmácia e faz entregas a domicílio: “E deparou-se com um jovem forte, alto,
de grande beleza” (p. 75) e “Ele era a força, a juventude, o sexo há muito
tempo abandonado” (p. 75). Ela seduz Alexandre com o seu dinheiro: “Venha para
a cama comigo...” e “Eu lhe dou um presente grande! Eu lhe dou um carro”. O
jovem se presta a esse papel visivelmente interessado no dinheiro de Maria
Angélica, a qual passa a ser vítima da exploração financeira e emocional do
rapaz.
A velhice, em
nossa sociedade, tem sido tratada com grande preconceito, pois somente o belo e
a imagem exterior são valorizados, características que na maioria das vezes são
associadas à juventude. O assunto do envelhecimento do corpo, principalmente o
envelhecimento do corpo feminino e sua sexualidade, são temas pouco discutidos,
vistos como inexistentes ou inadequados na maioria das vezes, devido ao
preconceito existente.
A mulher velha é
tida como alguém que não mais sente desejo e, se sente, não é vista como alguém
digna de tê-lo satisfeito. Nossa sociedade é centrada na beleza do que é jovem,
principalmente no que diz respeito à mulher. Há um forte estigma que
desvaloriza a mulher mais velha. Normalmente, a vida sexual de uma mulher mais
velha é alvo de chacotas, comentários, especialmente quando se trata de um relacionamento
com homem mais jovem (LIMA, p. 01).
Conforme
Barbosa, as pessoas de idade têm os seus desejos bloqueados quando deixam de
exercer suas funções sociais, o que consequentemente provoca uma degradação
precoce. Foi a partir do processo de industrialização no século XIX, onde as
cidades se urbanizam com uma população predominante de operários, que os velhos
se tornam inúteis para uma sociedade industrializada, do ponto de vista do
trabalho e do sexo. Com as sociedades
altamente industrializadas, no decorrer do século XX, a velhice é cada vez mais
rejeitada.
De um modo
geral, as variadas representações da senescência são determinadas pelas classes
sociais. Nas camadas pobres, muitos velhos, ao perderem a capacidade produtiva,
tornam-se um fardo para a família e são abandonados em asilos; os que perambulam,
“caducos”, pelas ruas são objetos de mofa da criançada. Já nas famílias de
classe media, perpetuando a figura romântico-burguesa do avô bonachão, o ancião
se torna mero cúmplice dos netos, um divertido companheiro de brincadeiras, sem
poder para decidir sobre seu destino e o dos familiares. Nos estratos ricos da
sociedade entretanto, o velho que possui bens é, muitas vezes, venerado por
interesse, e continua a exercer, de certa forma, seu poder e sexualidade,
embora estes sejam veladamente ironizados pela família e pela sociedade (BARBOSA,
2003, p. 88).
O desejo de Maria Angélica pelo jovem
Alexandre cresce gradativamente ao longo do conto, ele se aproveita disso e a
explora cada vez mais, até que chega a lhe pedir um milhão de cruzeiros. Como
ela não tem como dar essa quantia ao rapaz, ele então resolve abandoná-la: “Sua
velha desgraçada! Sua porca, sua vagabunda! Sem um bilhão não me presto mais
para as suas sem-vergonhices!” (p. 78). As consequências desse relacionamento
são desastrosas para ambos, Alexandre, nunca mais pode ser o mesmo, aos vinte e
sete anos ficou impotente, e Maria Angélica se sentiu rejeitada e explorada
pelo rapaz.
Referências:
LISPECTOR, Clarice. A via
crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
PIRES, Maria Isabel Edom. Formas e dilemas da representação da mulher
na literatura contemporânea. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2008.
BARBOSA, Maria José Somelarte. Passo e compasso: nos ritmos do
envelhecer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
LIMA, Susana Moreira de. A obscenidade da velhice
feminina: o rompimento do olhar na literatura. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/S/Susana_Moreira_de_Lima_13_A.pdf
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