Leda e o Cisne, de Paul Prosper
Tillier, 1860
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Por Gisele Assunção
O conto “Castor e Pólux, sequer pressentidos” é da
escritora brasileira Marina Colasanti. É um conto surpreendente que se desdobra
sobre a temática do amor e, em especial da sedução. Trata-se de uma história
criativa visto que se intertextualiza a um episódio da mitologia grega: o mito
de Leda e o cisne.
Conta o mito que, no dia de seu casamento, Leda foi
banhar-se no lago. Nesse instante, Júpiter a vê, apaixona-se por ela e,
transformando-se num belo Cisne, ele se aproxima e a seduz. Dessa união nascem
Castor e Pólux, filhos de um mesmo óvulo, embora Pólux fosse divino e Castor
fosse mortal.
O conto “Castor e Pólux, sequer pressentidos” faz
referência a esse mito. Nele, a personagem recebe a visita de um cisne, que no
meio da noite entra pela janela do quarto, que no conto configura o espaço
recôndito da intimidade, e a seduz. “O pescoço, esse sim, seduzia”. (COLASANTI,
1986, p. 69). Esse elemento, como parte física bastante evidenciada no conto,
na verdade, faz uma associação ao órgão sexual masculino responsável pela
reprodução, vez que apresenta características comuns a esse órgão como a forma
e a rigidez. “Longo, flexível, voluptuosamente sinuoso, de um branco tão igual
e brilhante, mais parecia um jorro de leite desenhando arabescos na escuridão.”
(COLASANTI, 1986, p. 69).
A respeito da sedução, Baudrillard (1991) afirma que:
Não existe tempo da sedução nem tempo para a sedução, mas ela tem o seu ritmo sem o qual não aconteceria. Ela não se distribui como o faz uma estratégia instrumental, que caminha através de fases intermediárias. Opera num instante, num único movimento e sempre tem seu fim em si mesma (p. 92).
No conto de Colasanti, a sedução, bem como o ato
sexual acontece apenas em uma noite. “Mas o cisne não veio naquela noite, nem
na seguinte, nem na outra ainda. E ela estava quase começando a crer que tudo
não passara de uma alucinação...” (COLASANTI, 1986, p. 70).
Esse conto de
Colasanti transcende a realidade concreta, uma vez que do ponto de vista da
verossimilhança uma mulher ter uma relação sexual com um cisne e como
consequência desse ato, ela gerar um ovo em lugar de um feto, em hipótese
alguma, poderiam ser associados à verdade. É um conto que recupera a narrativa
mítica que marca o encontro entre Júpiter e Lêda.
Em “Castor e Pólux, sequer pressentidos há uma
centralização na personagem do cisne que é o sedutor e representa
simbolicamente a fertilidade. A figura da mulher só ganha destaque depois que
esse vai embora, fazendo a promessa que voltaria nas noites seguintes. A não
promessa por parte do cisne traz à mulher certo desconforto que se acentua logo
ao fim da narrativa quando ela percebe que foi vítima da sedução lançada pelo
cisne e ainda fica desconsolada pelo fato de ele não ter feito um filho de
verdade, vez que ela havia gerado um ovo. “Duas vezes a enganara o palmípede.
Nem mais viera vê-la. Nem lhe fizera um filho de verdade” (COLASANTI, 1986, p. 70).
Marina Colasanti em “Castor e Pólux, sequer
pressentidos”, explora de forma muito aproximada o mito original “Leda e o
cisne”. A mulher fecundada pelo cisne que adentrou por sua janela dá luz a um
enorme ovo. Tomada de ódio e repugnância pede aos criados que levem o ovo
espúrio e o destrua. Os elementos do mito original vêm reconstituídos no conto
de Colasanti, mas neste a mulher gera um ovo e na história mitológica, Leda dá
a luz a dois filhos gêmeos. Essa aproximação confere um caráter dialógico e
intertextual entre o conto e a mitologia.
Marina Colasanti soube, por excelência, produzir um
conto contemporâneo com raízes na mitologia grega. A leitura desse conto é
enriquecedora vez que traz em uma única “bagagem” marcas da contemporaneidade e
traços mitológicos bastante definidos.
Referências:
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes,
1990, v. 1.
BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. Tradução Tânia Pellegrini. Campinas, SP: Papirus, 1991.
BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução
Luciano Alves Maira. São Paulo: Martin Claret, 2006.
COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Roco, 1986.
Um comentário:
nossa que análise perfeita , estava lendo esse conto e entendendo nada so depois de pesquisar sobre a mitologia e ler essa análise
é que compreendi, excelente!!!!!
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