Por Raquel Martins
Erotismo
A origem de Eros
advém da união entre Ares, deus da guerra e Afrodite, deusa da beleza e do
amor. Afrodite, com inveja da beleza da jovem Psiquê, incumbe o filho de fazer
com que a moça se apaixone pela mais desprezível criatura da terra e, por um
acidente, Eros fere-se em suas próprias flechas e apaixona-se por Psiquê.
Descoberto o envolvimento, Zeus, supremo do Olimpo, ordena que vivam separados
e Psiquê passa a conviver com a dor da tristeza, à espera de Eros. Ou seja, a
alma vive incompleta, infeliz enquanto não encontra o amor. Em O que é erotismo, Lucia Castello Branco
diz que “o mito grego nos diz que Eros é o deus que aproxima, mescla, une,
multiplica e varia as espécies vivas” (BRANCO, 2004, p. 8).
Platão explica a
busca pelo amor, quando Aristófano relata que no começo todos os seres humanos
eram de dupla sexualidade e, por castigo de Zeus, foram mutilados, separados e
condenados a vagar pela terra, na ânsia se encontrar a metade perdida. A partir
dessa visão mitológica da bipartição dos homens é que se explica a essência do
erotismo para alguns escritores, como por exemplo, George Bataille. Em sua obra
O erotismo (p. 15), o autor defende
que este se articula em volta de movimentos contrários: a busca de continuidade
dos seres humanos, a tentativa de permanência além de um momento fugaz, ao
contrario do caráter mortal dos indivíduos, sua incapacidade de superar a
morte. Para Bataille, os indivíduos se lançam nessa busca de permanência porque
carregam consigo uma espécie de isolamento, acompanhada de certa nostalgia pela
continuidade de sua metade perdida.
A ideia de
erotismo como uma simples evidência de desejo sexual é banida por muitos
autores que discutem o tema. Para eles o sexo constitui uma necessidade física,
enquanto que o erotismo vai além desse conceito, consistindo nas manifestações
de desejo como um todo, sendo de exclusividade humana. Talvez o que se pretende
explicitar é que o erotismo não se limita aos mecanismos da genitalidade do
sexo, ele vai muito além, superando essas barreiras, pois não se trata de uma
simples atração da espécie e sim da possível “sede” dos corpos. É inerente ao
ser humano desejar e essa característica faz com que todos os seres humanos
sejam eróticos.
Pertencente a
uma corrente de poetas-críticos contemporâneos, Affonso Romano de Sant’Anna
aborda o erotismo em muitos de seus poemas, estes que são feitos com palavras
populares, uma linguagem coloquial que proporciona maior integridade com o
público, expressando tanto o lado humano do erótico quanto o lado poético.
ERA TE VER
Era te ver, e meu pau se erguia
Como a cobra à magia do canto
Em tua boca,
E te seguia como a enguia
Busca a loca, como a águia busca
o ninho
E a raposa encontra a toca
Meu pau se erguia, e se parecia
ao cisne
No alvoroço do seu canto moço
Ou à andorinha que na boca da
noite
De vertigem ficou louca
No poema “Era
te ver” podemos perceber que o poeta compara o seu estado de prazer com
elementos altamente poéticos. Para Paz “a relação entre erotismo e poesia é tal
que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a
segunda uma erótica verbal” (p. 12).
Ao mesmo
tempo em que usa termos poéticos, o poeta usa termos “chulos”, como, no momento
em que ele faz comparação de seu “pau”, no momento da ereção, com a cobra que
se ergue à “magia do canto”; e a perseguição que este faz à amada, com a
“enguia que busca a loca”; “como a águia que busca o ninho”, no momento em que
ele está buscando o corpo da amada para realização do seu desejo e “como a
raposa que encontra a toca”, para ilustrar o momento da penetração. Seu genital
é igualmente comparado ao “cisne no seu canto moço ou à andorinha que na boca
da noite de vertigem ficou louca” para representar o clímax desse desejo, o
orgasmo. A repetição da expressão “meu pau se erguia”, reafirma o intenso
desejo que o amante sente ao ter a visão do corpo desejado.
Affonso é
considerado o poeta dos contrários, indeciso, irônico em relação à existência
humana. Seus poemas contêm muito de metonímias e metáforas e não são
organizados de acordo com regras pré-estabelecidas de ritmo, metro e estrofes.
O poeta intercala discurso direto com linguagem figurada.
Em relação ao
corpo, Paz (p. 182) diz que o encontro erótico começa com a visão do corpo que se
torna uma presença, que por um instante contém todas as formas do mundo. E ao
abraçarmos essa forma deixamos de vê-la e ela deixa de ser presença. O que
vemos são apenas “olhos que nos miram, uma garganta iluminada pela luz de uma
lâmpada, o brilho de um músculo, a sombra que desce do umbigo ao sexo. Cada um
desses fragmentos refere-se a uma totalidade do corpo” (PAZ, 1994, p.182). O
corpo da companheira deixa de ser uma forma e torna um lugar onde ele se perde
e se recobre. Perde como pessoa e recobre como sensações.
Pode-se
destacar que o sexo constitui uma necessidade física, enquanto que erotismo
extrapola este conceito, consistindo em manifestação de desejo e ânsia louca de
corpos se embriagando no prazer, em um desespero na busca de realizações, com a
finalidade de “atingir o intimo do ser aonde o coração nos falta” (BATAILLE,
1987).
Referências:
BATAILLE, George. O erotismo.
Porto Alegre: L&PM, 1987.
CASTELLO Branco, Lucia. O
que é erotismo. São Paulo:
Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos,
136).
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São
Paulo: Ática, 1985.
PAZ, Octavio. A dupla
chama. Tradução: Waldir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
SANT’ANNA, Affonso Romano, 1937. Poesia reunida: 1965-1999. Porto Alegre: L&PM, 2004. 2 v; 18 cm
(L&PM Pocket).
http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1067
Um comentário:
Nossaaaaaaaaaaaaaaa!!
Que tudo ! Baitalle e Focault nos esclarecendo mais sobre a sexualidade e seus sentidos , e nos meros mortais, nos aprimorando e da forma mais lirica e apaixonante nos entregando a literatura e erotismo.Parabéns a todos os nossos autores !
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