16 dezembro 2010

A sedução em "Castor e Pólux, sequer pressentidos", de Marina Colasanti


Leda e o Cisne, de Paul Prosper Tillier, 1860

Por Gisele Assunção

O conto “Castor e Pólux, sequer pressentidos” é da escritora brasileira Marina Colasanti. É um conto surpreendente que se desdobra sobre a temática do amor e, em especial da sedução. Trata-se de uma história criativa visto que se intertextualiza a um episódio da mitologia grega: o mito de Leda e o cisne.

Conta o mito que, no dia de seu casamento, Leda foi banhar-se no lago. Nesse instante, Júpiter a vê, apaixona-se por ela e, transformando-se num belo Cisne, ele se aproxima e a seduz. Dessa união nascem Castor e Pólux, filhos de um mesmo óvulo, embora Pólux fosse divino e Castor fosse mortal.

O conto “Castor e Pólux, sequer pressentidos” faz referência a esse mito. Nele, a personagem recebe a visita de um cisne, que no meio da noite entra pela janela do quarto, que no conto configura o espaço recôndito da intimidade, e a seduz. “O pescoço, esse sim, seduzia”. (COLASANTI, 1986, p. 69). Esse elemento, como parte física bastante evidenciada no conto, na verdade, faz uma associação ao órgão sexual masculino responsável pela reprodução, vez que apresenta características comuns a esse órgão como a forma e a rigidez. “Longo, flexível, voluptuosamente sinuoso, de um branco tão igual e brilhante, mais parecia um jorro de leite desenhando arabescos na escuridão.” (COLASANTI, 1986, p. 69).

A respeito da sedução, Baudrillard (1991) afirma que:
Não existe tempo da sedução nem tempo para a sedução, mas ela tem o seu ritmo sem o qual não aconteceria. Ela não se distribui como o faz uma estratégia instrumental, que caminha através de fases intermediárias. Opera num instante, num único movimento e sempre tem seu fim em si mesma (p. 92).
No conto de Colasanti, a sedução, bem como o ato sexual acontece apenas em uma noite. “Mas o cisne não veio naquela noite, nem na seguinte, nem na outra ainda. E ela estava quase começando a crer que tudo não passara de uma alucinação...” (COLASANTI, 1986, p. 70).

Esse conto de Colasanti transcende a realidade concreta, uma vez que do ponto de vista da verossimilhança uma mulher ter uma relação sexual com um cisne e como consequência desse ato, ela gerar um ovo em lugar de um feto, em hipótese alguma, poderiam ser associados à verdade. É um conto que recupera a narrativa mítica que marca o encontro entre Júpiter e Lêda.

Em “Castor e Pólux, sequer pressentidos há uma centralização na personagem do cisne que é o sedutor e representa simbolicamente a fertilidade. A figura da mulher só ganha destaque depois que esse vai embora, fazendo a promessa que voltaria nas noites seguintes. A não promessa por parte do cisne traz à mulher certo desconforto que se acentua logo ao fim da narrativa quando ela percebe que foi vítima da sedução lançada pelo cisne e ainda fica desconsolada pelo fato de ele não ter feito um filho de verdade, vez que ela havia gerado um ovo. “Duas vezes a enganara o palmípede. Nem mais viera vê-la. Nem lhe fizera um filho de verdade” (COLASANTI, 1986, p. 70).

Marina Colasanti em “Castor e Pólux, sequer pressentidos”, explora de forma muito aproximada o mito original “Leda e o cisne”. A mulher fecundada pelo cisne que adentrou por sua janela dá luz a um enorme ovo. Tomada de ódio e repugnância pede aos criados que levem o ovo espúrio e o destrua. Os elementos do mito original vêm reconstituídos no conto de Colasanti, mas neste a mulher gera um ovo e na história mitológica, Leda dá a luz a dois filhos gêmeos. Essa aproximação confere um caráter dialógico e intertextual entre o conto e a mitologia.

Marina Colasanti soube, por excelência, produzir um conto contemporâneo com raízes na mitologia grega. A leitura desse conto é enriquecedora vez que traz em uma única “bagagem” marcas da contemporaneidade e traços mitológicos bastante definidos.

Referências:
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1990, v. 1.
BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. Tradução Tânia Pellegrini. Campinas, SP: Papirus, 1991.
BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução Luciano Alves Maira. São Paulo: Martin Claret, 2006.
COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Roco, 1986.

Um comentário:

Anônimo disse...

nossa que análise perfeita , estava lendo esse conto e entendendo nada so depois de pesquisar sobre a mitologia e ler essa análise
é que compreendi, excelente!!!!!